Princípio da Impessoalidade

Conceito

O princípio da impessoalidade é uma inovação do art. 37 da CF. De acordo com Maria Sylvia Zanella Di Pietro, é possível analisar a impessoalidade por duas perspectivas.

A primeira é do cidadão em relação à Administração Pública. Para o cidadão, não importa qual é o agente público com o qual ele se relaciona, ou seja, quem está "atrás do balcão". A relação do cidadão se dá com o órgão público, e não com a pessoa física que o está atendendo.

Já a segunda perspectiva é da Administração em relação ao administrado/cidadão. Nesse contexto, não interessa para o agente público quem é a pessoa com a qual ele se relaciona, quer dizer, quem está "à frente do balcão". O administrador público não deve preferir uns em relação a outros sem fundamentação, e também não pode deixar seus sentimentos, preferências pessoais e desejos guiarem suas condutas no tratamento dos cidadãos e no exercício de suas funções na Administração Pública. Destarte, a Administração deve tratar o administrado de modo impessoal.

Importa destacar que, do ponto de vista do conteúdo, podemos dividir o princípio da impessoalidade em:

  • Objetividade;
  • Imparcialidade e Neutralidade;
  • Igualdade.

Objetividade

Objetividade significa estrita vinculação dos comportamentos do agente público às finalidades públicas, evitando-se o uso do aparelho estatal em benefício próprio do agente público ou de terceiros. É possível observar a manifestação da objetividade, por exemplo, nos seguintes dispositivos:

  • "Objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades" (art. 2º, parágrafo único, III, da Lei de Processo Administrativo Federal);
  • Proibição do uso de publicidade governamental para fins de promoção pessoal de agentes públicos (art. 37, §1º da CF);
  • Imposição do pagamento de precatórios na ordem de sua apresentação (art. 100, caput, da CF); e
  • O dever de julgamento objetivo nas licitações (art. 3º, caput, da Lei de Licitações).

Neutralidade/Imparcialidade

Trata-se de outra importante faceta do princípio da impessoalidade. O agente público age com neutralidade/imparcialidade quando, ao executar as funções administrativas quotidianas, evita agir orientado por concepções religiosas, partidárias ou ideológicas, e também evita interferências de seus sentimentos na execução de suas tarefas. O ordenamento prevê regras para garantir a ação neutra, como:

  • Impedimento e suspeição aplicáveis aos processos administrativos por força da Lei de Processos Administrativos Federal (arts. 18 a 21). Resumidamente, o impedimento é aplicado em situações nas quais há um risco de quebra da impessoalidade. Por exemplo: quando o agente público analisa um processo no qual ele é uma das partes interessadas, ou quando tem um conflito ou parentesco com algum interessado no processo. A suspeição é prevista nos casos em que o agente público responsável por decidir o processo tem uma amizade íntima ou inimizade notória com algum interessado.
  • Vedação de aquisição de bens estatais por determinados agentes públicos (art. 479 do CC). Quer dizer, certos agentes públicos não podem participar de procedimentos de alienação de bens estatais.
  • Vedação do nepotismo direto ou cruzado na Súmula Vinculante nº 13 do STF. O nepotismo direto ocorre quando a autoridade nomeia seu próprio parente. O nepotismo cruzado, por sua vez, é uma troca de favores entre duas autoridades, em que uma nomeia o parente próximo da outra. Sobre isso, diz a Súmula Vinculante nº 13 do STF:

Súmula Vinculante 13, STF. A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.

Conflitos de Interesses

A Lei Federal nº 12.813/2013 define conflito de interesses no art.3º, I:

Art. 3º. [...]

I. situação gerada pelo confronto entre interesses públicos e privados, que possa comprometer o interesse coletivo ou influenciar, de maneira imprópria, o desempenho da função pública.

A Lei também prevê situações que configuram o conflito de interesse concomitante ao exercício do cargo ou emprego, como divulgação ou uso de informação privilegiada obtida no exercício das funções em proveito próprio ou de terceiros:

Art. 5º Configura conflito de interesses no exercício de cargo ou emprego no âmbito do Poder Executivo federal:

I - divulgar ou fazer uso de informação privilegiada, em proveito próprio ou de terceiro, obtida em razão das atividades exercidas;

II - exercer atividade que implique a prestação de serviços ou a manutenção de relação de negócio com pessoa física ou jurídica que tenha interesse em decisão do agente público ou de colegiado do qual este participe;

III - exercer, direta ou indiretamente, atividade que em razão da sua natureza seja incompatível com as atribuições do cargo ou emprego, considerando-se como tal, inclusive, a atividade desenvolvida em áreas ou matérias correlatas;

IV - atuar, ainda que informalmente, como procurador, consultor, assessor ou intermediário de interesses privados nos órgãos ou entidades da administração pública direta ou indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

V - praticar ato em benefício de interesse de pessoa jurídica de que participe o agente público, seu cônjuge, companheiro ou parentes, consanguíneos ou afins, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, e que possa ser por ele beneficiada ou influir em seus atos de gestão;

VI - receber presente de quem tenha interesse em decisão do agente público ou de colegiado do qual este participe fora dos limites e condições estabelecidos em regulamento; e

VII - prestar serviços, ainda que eventuais, a empresa cuja atividade seja controlada, fiscalizada ou regulada pelo ente ao qual o agente público está vinculado.

Parágrafo único. As situações que configuram conflito de interesses estabelecidas neste artigo aplicam-se aos ocupantes dos cargos ou empregos mencionados no art. 2º ainda que em gozo de licença ou em período de afastamento.

Ainda, a norma trata de conflitos após a cessação do vínculo do indivíduo com o cargo ou emprego que ocupou na Administração Pública, criando quarentena de seis meses, de modo a vedar ao ex-agente público a aceitação de cargo de administrador em pessoa jurídica que desempenhe atividade relacionada à área de competência do cargo.

Art. 6º Configura conflito de interesses após o exercício de cargo ou emprego no âmbito do Poder Executivo federal:

I - a qualquer tempo, divulgar ou fazer uso de informação privilegiada obtida em razão das atividades exercidas; e

II - no período de 6 (seis) meses, contado da data da dispensa, exoneração, destituição, demissão ou aposentadoria, salvo quando expressamente autorizado, conforme o caso, pela Comissão de Ética Pública ou pela Controladoria-Geral da União:

a) prestar, direta ou indiretamente, qualquer tipo de serviço a pessoa física ou jurídica com quem tenha estabelecido relacionamento relevante em razão do exercício do cargo ou emprego;

b) aceitar cargo de administrador ou conselheiro ou estabelecer vínculo profissional com pessoa física ou jurídica que desempenhe atividade relacionada à área de competência do cargo ou emprego ocupado;

c) celebrar com órgãos ou entidades do Poder Executivo federal contratos de serviço, consultoria, assessoramento ou atividades similares, vinculados, ainda que indiretamente, ao órgão ou entidade em que tenha ocupado o cargo ou emprego; ou

d) intervir, direta ou indiretamente, em favor de interesse privado perante órgão ou entidade em que haja ocupado cargo ou emprego ou com o qual tenha estabelecido relacionamento relevante em razão do exercício do cargo ou emprego.

Igualdade

O terceiro aspecto do princípio da impessoalidade é a igualdade. Há dois tipos de igualdade:

  • Igualdade formal: tratamento igual de todos.
  • Igualdade material: tratamento desigual dos desiguais.

A Constituição da República consagra as duas vertentes citadas acima. Por exemplo:

  • "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito ... à igualdade" (art. 5º, caput) = Igualdade Formal;
  • "Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações" (art. 5º, I) = Igualdade Formal.
  • Licitação deve assegurar "igualdade de condições a todos os concorrentes..." (art. 37, XXI) = Igualdade Formal;
  • "A lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão" (art. 37, VIII) = Igualdade Material.

Medidas Discriminatórias

A Administração Pública pode criar medidas discriminatórias? Sim, desde que:

  1. Haja fundamento fático;
  2. Haja um valor constitucional a ser protegido;
  3. A discriminação se imponha para concretizar o valor;
  4. E não seja direcionada a uma ou outra pessoa, do contrário, ela se transformará em privilégio.

Exemplos de medidas discriminatórias: licitações de ME e EPP (procedimento simplificado de licitação), quotas, tarifa social, etc. A partir desses critérios, retirados do livro "Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade", do professor Celso Antonio Bandeira de Mello, é possível identificar dois tipos de medidas discriminatórias:

  • Lógicas: impostas em razão de uma atividade concreta, por exemplo, limitação da idade entre os candidatos de um concurso público pela Administração Pública.
  • Inclusivas: têm o intuito de promover direitos fundamentais, principalmente de natureza social, para grupos socioeconomicamente vulneráveis.

Ambas medidas podem ser criadas pela Administração Pública, desde que respeitados os critérios legais e a lógica entre o valor a ser protegido e a situação fática.

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