Histórico
Nesta aula serão abordados aspectos históricos do Direito inglês. O retorno ao passado nos leva ao século X, pois é a partir desse período que se faz a divisão entre a Inglaterra antes e depois do surgimento do common law.
Descentralização
Antes do século X, o Direito na Inglaterra era extremamente descentralizado. Não havia um "Direito inglês" propriamente dito.
O que existia era um conjunto de práticas costumeiras realizadas por diferentes barões, cada um aplicando suas próprias regras conforme sua visão de mundo, o que gerava uma grande insegurança jurídica, especialmente nas rotas comerciais. Um comerciante que transitava por diferentes reinos se deparava com sistemas jurídicos diversos, o que dificultava o comércio e gerava instabilidade.
King’s Court
Isso começou a mudar em 1066, quando o rei William I, buscando reduzir a arbitrariedade nas decisões dos barões sobre os casos jurídicos, criou o primeiro sistema unificado de justiça, chamado de King's Court (Tribunal do Rei).
Esse foi o primeiro passo rumo à nacionalização do Direito inglês. O sistema consistia em nomear juízes que viajavam por todo o reino para resolver disputas.
A partir desse momento, os barões não tinham mais autoridade para julgar os casos; essa função foi atribuída aos juízes itinerantes, que faziam parte do King's Court.
No entanto, embora esses juízes fossem agentes do rei e atuassem em todo o reino, eles ainda decidiam os casos baseados nos costumes locais de cada barão, a fim de manter uma boa relação com a nobreza.
Isso significava que, apesar de o sistema ser mais centralizado em termos de quem aplicava o direito, as normas ainda eram descentralizadas. Cada região mantinha suas próprias regras, mesmo que não fossem mais aplicadas diretamente pelos barões.
Common law
Essa situação mudou cerca de 100 anos depois, durante o reinado de Henrique II. Ele foi responsável por dar o próximo passo na unificação do Direito inglês ao criar uma lei comum para todo o reino, conhecida como common law.
Ao contrário das leis locais de cada barão, essa nova legislação era aplicada a todos os súditos ingleses, unificando o sistema jurídico do país. A partir daí, o King's Court não apenas nomeava juízes, mas também aplicava uma única lei de caráter nacional, consolidando o Direito inglês de maneira mais uniforme.
Precedentes
Em 1166, um século após o surgimento do King's Court, começaram a surgir novos desafios.
As relações jurídicas tornaram-se mais complexas e o sistema começou a se tornar rígido. Para diminuir a arbitrariedade nas decisões dos juízes itinerantes, passou-se a adotar um sistema de precedentes.
Nesse sistema, um juiz deveria considerar como outro juiz havia decidido casos semelhantes anteriormente. Esse precedente poderia ter efeito vinculante, obrigando o juiz a seguir a decisão anterior, ou poderia ser persuasivo, servindo apenas como uma orientação.
Magna Carta
Em 1215, outro marco importante no desenvolvimento constitucional do Reino Unido ocorreu: a promulgação da Magna Carta pelo rei João Sem Terra.
Esse documento foi uma resposta às pressões dos barões, que se opunham aos abusos de poder da monarquia inglesa, até então absoluta.
A Magna Carta estabeleceu alguns direitos e garantias aos barões, como o devido processo legal e a proteção à propriedade, e é vista como uma das primeiras manifestações do constitucionalismo moderno, pois limitava o poder real em favor de certas garantias da sociedade.
Embora seus efeitos imediatos tenham sido limitados – o próprio Papa, à época, declarou que o documento não tinha validade – a Magna Carta se tornou uma referência importante para o desenvolvimento do direito inglês nos séculos seguintes.
Embora tenha sido inicialmente pouco eficaz, ela serviu como base para futuras reivindicações de limitações ao poder real, culminando, séculos depois, na Revolução Gloriosa e na afirmação da soberania do parlamento.
Portanto, apesar de seu impacto imediato ter sido limitado, sua influência sobre o constitucionalismo inglês foi duradoura.
Assim, com o passar dos séculos, o Direito inglês evoluiu para o que conhecemos hoje, um sistema jurídico estruturado com base no common law e na soberania do parlamento.
Após a Magna Carta no século XIII, o sistema de precedentes, que já havia sido estabelecido, começou a enfrentar dificuldades.
O common law era amplamente baseado no passado, ou seja, as decisões anteriores serviam de referência para resolver casos futuros.
No entanto, novos casos surgiam que não tinham precedentes, o que colocava os juízes em uma posição difícil.
Eles passaram a enfrentar desafios, tornando-se mais lentos e burocráticos, o que resultou em uma crise no sistema de justiça. Esse problema gerou a necessidade de uma reforma no sistema jurídico inglês.
Cortes de equidade
A solução encontrada foi a introdução da técnica da equidade. Esse conceito tem raízes na Grécia Antiga, sendo desenvolvido por Aristóteles, que entendia a equidade como uma virtude baseada no comportamento moderado, sem extremos.
A equidade orientava as decisões da vida e, em casos onde a lei não era clara ou inexistente, esse conceito poderia ser aplicado pelos julgadores.
Dessa forma, os ingleses recuperaram o valor da equidade de Aristóteles para lidar com os novos casos que não tinham precedentes no common law.
Contudo, como a equidade envolvia julgamentos mais abstratos e morais, inicialmente sua aplicação era uma prerrogativa do rei. Com o aumento do número de casos, essa atribuição passou para o chanceler e, mais tarde, foi criada uma estrutura jurídica paralela chamada "Cortes de equidade".
Com isso, o sistema jurídico inglês passou a ser dividido em duas vertentes:
- Cortes de common law, que continuavam fundamentadas no sistema de precedentes e resolviam disputas principalmente por meio de compensações financeiras;
- Cortes de equidade, que adotavam uma abordagem mais criativa, baseada na equidade aristotélica, e buscavam resolver os problemas com obrigações de fazer ou de não fazer, por meio de medidas chamadas "tutelas específicas", adaptadas a cada caso em particular, sem se limitar a compensações monetárias.
Ato de Judicatura
Essa dualidade entre common law e equidade permaneceu até 1873, quando foi promulgado o Ato de Judicatura.
Esse ato unificou as Cortes e incorporou a equidade ao common law como elemento utilizado de maneira excepcional, isto é, em casos onde não houvesse uma lei ou precedente específico.
Assim, a equidade passou a ser utilizada como uma forma de preencher lacunas no sistema jurídico.
É importante destacar que essa separação entre as duas Cortes durou por quase cinco séculos.
Em um contexto histórico mais amplo, no século XVII, a Inglaterra passou por outra transformação significativa.
Revolução Gloriosa
Em 1688, com a Revolução Gloriosa, ocorreu a queda da monarquia absoluta.
Por um breve período, a Inglaterra tornou-se uma república sob a liderança de Oliver Cromwell.
Entretanto, essa experiência republicana durou apenas dois anos e não foi bem-sucedida. Os ingleses decidiram, então, adotar um sistema híbrido: a monarquia parlamentar.
Monarquia Parlamentar
A monarquia parlamentar trouxe nova dinâmica ao governo inglês, onde o parlamento passou a ser a instituição soberana, com a última palavra nas decisões políticas.
Assim, embora houvesse um rei, o parlamento detinha o poder final.
Guilherme de Orange, um nobre holandês com laços de descendência com a monarquia inglesa, aceitou governar sob essas novas condições, inaugurando uma era de monarquia parlamentar limitada.
A Revolução Gloriosa marcou a transição da monarquia absoluta para essa forma híbrida de governo, sendo um marco fundamental no constitucionalismo moderno inglês, conhecido também como constitucionalismo historicista.
Essa é a configuração que prevalece no sistema jurídico e político da Inglaterra até os dias atuais.