Lei penal no tempo

Texto do Código Penal

Art. 2º - Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.

Parágrafo único - A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.

Art. 3º - A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência.

Art. 4º - Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado.

A Incidência da Lei Penal no Tempo

O Direito Penal, como qualquer ramo do Direito, está sujeito ao princípio da legalidade e da segurança jurídica. Isso significa que, para saber qual norma penal deve ser aplicada a um determinado fato, é necessário verificar qual era a lei vigente no momento da prática do crime. Todavia, em determinadas situações, a lei penal posterior poderá retroagir ou ultrajar o tempo, conforme veremos a seguir.

Irretroatividade da Lei Penal Mais Gravosa

A regra geral prevista no art. 2º do Código Penal é que ninguém pode ser punido por fato que a lei posterior deixe de considerar crime. Assim, se uma nova lei descriminaliza uma conduta antes considerada criminosa, ela deve ser aplicada imediatamente, inclusive aos fatos anteriores, mesmo que haja sentença condenatória já transitada em julgado.

Exemplo: Se uma pessoa foi condenada por um crime que, posteriormente, é revogado pela nova legislação, a execução da pena será interrompida e os efeitos penais cessarão, em respeito ao princípio da abolitio criminis (abolição do crime).

A Lei Penal Mais Benéfica Retroage

O parágrafo único do art. 2º traz uma exceção importante:

Art. 2º - Parágrafo único - A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.

Esse dispositivo consagra o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, que também encontra fundamento no art. 5º, inciso XL, da Constituição Federal. O objetivo é proteger o réu quando uma nova lei penal for mais branda do que a anterior. Isso pode ocorrer, por exemplo, quando a pena mínima ou máxima de um tipo penal for reduzida, ou quando se cria uma nova causa de extinção da punibilidade.

Importante: Essa retroatividade ocorre mesmo após o trânsito em julgado da condenação, o que pode acarretar a revisão criminal ou o relaxamento da execução da pena.

Lei Penal Temporária e Excepcional

O art. 3º do Código Penal dispõe que:

Art. 3º - A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência.

A lei penal temporária é aquela que já nasce com prazo determinado de validade (ex.: uma lei válida apenas durante um ano eleitoral). A lei penal excepcional, por sua vez, é aquela que vigora enquanto durar uma situação anormal ou emergencial, como guerra, pandemia ou estado de sítio.

Ambas são ultra-ativas, ou seja, continuam produzindo efeitos mesmo depois de expirado seu prazo ou cessada sua causa de existência, desde que o fato tenha sido praticado durante sua vigência.

Exemplo: Um crime eleitoral previsto numa lei temporária, cometido durante a eleição, ainda poderá ser julgado após o fim do prazo da lei, porque o fato ocorreu quando ela ainda estava em vigor.

Tempo do Crime (Art. 4º do CP)

Segundo o art. 4º do Código Penal:

Art. 4º - Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado.

Esse é o chamado princípio da atividade, que fixa o tempo do crime no momento da conduta (ação ou omissão) e não do resultado.

Esse critério é essencial, por exemplo, para saber qual lei penal será aplicada quando há mudança legislativa entre a conduta e o resultado. Mesmo que o resultado ocorra sob a vigência de uma nova lei, aplica-se a que estava em vigor no momento da ação (salvo se a lei posterior for mais benéfica).

Exemplo: Se um agente atira contra a vítima no dia 10/05, mas o óbito só ocorre no dia 15/05, e nesse intervalo uma nova lei altera a pena do homicídio, a lei aplicada será a do dia 10/05, por ter sido o momento da conduta.

Conflito de Leis Penais no Tempo

Podem ocorrer diversas hipóteses:

  • Nova lei incrimina uma conduta antes atípica: não retroage (em prejuízo do réu).
  • Nova lei descriminaliza uma conduta: aplica-se retroativamente (abolitio criminis).
  • Nova lei mantém a incriminação, mas com pena menor: aplica-se retroativamente (lex mitior).
  • Nova lei mais gravosa: aplica-se apenas a fatos futuros (irretroatividade).
  • Nova lei temporária ou excepcional: aplica-se aos fatos ocorridos em sua vigência, mesmo após seu fim (ultra-atividade).

A disciplina da lei penal no tempo expressa o equilíbrio entre a segurança jurídica e o respeito às garantias fundamentais. Ela assegura que a pessoa seja julgada de acordo com a lei vigente no momento do fato, mas permite que se aproveite posteriormente de uma legislação mais benéfica. Ao mesmo tempo, protege a eficácia das leis temporárias e excepcionais, que atuam em contextos específicos e não perdem seus efeitos quanto aos fatos ocorridos durante sua vigência. Esse conjunto de normas reafirma o caráter garantista e humanista do Direito Penal brasileiro.