Introdução e Efeitos da Sentença Penal Condenatória
Introdução
Neste curso estudaremos os efeitos da sentença penal condenatória, especialmente seus reflexos na efera cível.
É muito comum que uma infração penal represente também um dano moral ou material para a vítima. Como exemplo, podemos apontar o vidro de um carro quebrado para furto dos bens que estavam em seu interior.
Essa situação não foi esquecida pelo legislador, que trouxe no artigo 91,I do Código Penal, previsão expressa de que a sentença penal condenatória gera a obrigação de reparação do dano causado:
Art. 91 - São efeitos da condenação:
I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime;
Algumas observações são muito importantes antes de continuarmos nossos estudos. A primeira delas é que a obrigação de reparação é automática, ou seja, é uma consequência natural da sentença condenatória. A segunda observação é o momento em que se configura essa obrigatoriedade de reparação.
Lembre-se de que no direito penal vigora o princípio da presunção de inocência, ou seja, ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Para a obrigação de reparação a lógica não é diferente. A obrigação de reparar o dano causado se torna exigível quando ocorrer o trânsito em julgado da sentença.
Feita essa introdução, passamos a falar sobre os efeitos da sentença penal condenatória.
Efeitos da condenação
A sentença penal condenatória produz efeitos penais e efeitos extrapenais. Os efeitos penais se dividem em efeito penal primário ou principal e efeito penal reflexo ou secundário.
Na definição de Luiz Régis Prado:
Os efeitos da condenação são todos aqueles que, de modo direto ou indireto, atingem a vida do condenado por sentença penal irrecorrível. [...] A imposição de sentença penal (pena privativa de liberdade, pena restritiva de direitos e/ou multa) ou de medida de segurança é, sem dúvida, o principal efeito da condenação. Entretanto, o fato de estar o réu compelido à execução da pena aplicada pela sentença condenatória não afasta a existência de outros efeitos secundários, reflexos, ou acessórios, de natureza penal e extrapenal, que em alguns casos necessariamente a acompanham (PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro, v. 1: Parte Geral, arts. 1.º a 120. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.).
Assim, o efeito penal primário ou principal é a aplicação da penal, qualquer que seja a prevista para o tipo penal – privativa de liberdade, multa ou ainda pena restritiva de direitos. É a finalidade principal da sentença penal condenatória, qual seja, a aplicação do princípio secundário da norma penal.
O efeito penal reflexo ou secundário, por sua vez, é o efeito que a condenação terá sobre outras relações jurídicas envolvendo o apenado.
Como exemplo, podemos citar a reincidência. A partir do momento em que já existe uma sentença penal condenatória transitada em julgado, caso o agente cometa nova infração penal, será considerado reincidente nos termos do artigo 63 do Código Penal, o que afeta a aplicação de benefícios, a dosimetria da sua pena, etc.
Os efeitos extrapenais, por sua vez, se dividem em efeitos extrapenais genéricos e efeitos extrapenais específicos.
Os efeitos extrapenais genéricos são automáticos e obrigatórios, ou seja, o juiz não precisa fundamentar o motivo pelo qual se aplicam ao caso concreto. A sua aplicação decorre do texto legal.
Efeitos Genéricos
Os efeitos extrapenais estão previstos no artigo 91,I do CP:
Art. 91 - São efeitos da condenação:
I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime;
II - a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé:
a) dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito;
b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso.
Como se verifica do artigo, o primeiro efeito extrapenal genérico é tornar certa a obrigação de indenizar, vinculando o juízo cível.
O segundo efeito é o chamado confisco dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito. Assim, o confisco nada mais é do que o perdimento desses objetos usados especificamente para a prática do ilícito.
Vale lembrar que não é todo e qualquer objeto que está sujeito a esse confisco. A lei é bem clara ao determinar que esse efeito apenas ocorrerá quando a fabricação, venda, uso, porte ou detenção desse objeto já caracterize um fato ilícito.
Como exemplo, podemos citar o artigo 34 da lei 11.343/2006, a Lei de Drogas, que prevê:
Art. 34. Fabricar, adquirir, utilizar, transportar, oferecer, vender, distribuir, entregar a qualquer título, possuir, guardar ou fornecer, ainda que gratuitamente, maquinário, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 1.200 (mil e duzentos) a 2.000 (dois mil) dias-multa.
Assim, o maquinário, aparelho ou qualquer outro objeto destinado à fabricação de entorpecentes em desacordo com determinação legal será objeto de confisco como um efeito extrapenal genérico da condenação. Por fim, o artigo também prevê o confisco do produto do crime ou qualquer bem ou valor que constitua proveito decorrente do fato criminoso.
Aqui é muito importante que você entenda a diferença entre produto e proveito do crime. Produto é o bem obtido diretamente da prática criminosa. Como exemplo, é o carro que foi objeto de furto ou roubo. O produto do crime será objeto de busca e apreensão.
Já o proveito é o bem que decorre da utilização do produto do crime. Por exemplo, é o caso do bem adquirido com o dinheiro arrecadado com comércio de drogas. O produto do crime, por sua vez, será objetivo da medida assecuratória de sequestro.
Vale ressaltar que todos os efeitos listados acima são extrapenais, ou seja, não constituem penas. Desta forma, tanto a reparação do dano quanto o confisco não são penas pelos crimes praticados.
Essa diferenciação é muito importante pela questão da intranscendência da pena. O princípio da intranscendência está previsto na Constituição Federal e significa que a sanção penal não poderá ultrapassar a pessoa do condenado.
Por exemplo, caso A seja condenado a uma pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos e faleça antes de iniciar seu cumprimento ou durante a sua execução, não há a possibilidade de que seus herdeiros tomem seu lugar.
Como a reparação do dano e o confisco de bens não possuem natureza penal, não se aplica tal princípio. Desse modo a obrigação de reparação e o confisco de bens, produto ou proveito do crime podem atingir pessoas diversas do condenado, como por exemplo, seus herdeiros. Aqui aplica-se o mesmo princípio do Código Civil, qual seja, o herdeiro será responsável no limite da herança recebida.
Efeitos Específicos
Vamos falar agora dos efeitos extrapenais específicos. Esses efeitos não são automáticos e exigem fundamentação do magistrado para sua aplicação ao caso concreto.
Tais efeitos estão previstos no artigo 92 do Código Penal:
Art. 92 - São também efeitos da condenação:
I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:
a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública;
b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos.II – a incapacidade para o exercício do poder familiar, da tutela ou da curatela nos crimes dolosos sujeitos à pena de reclusão cometidos contra outrem igualmente titular do mesmo poder familiar, contra filho, filha ou outro descendente ou contra tutelado ou curatelado;
III - a inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática de crime doloso.Parágrafo único - Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença.
O primeiro desses efeitos é a perda de cargo público, função pública ou mandato eletivo. Esse efeito tem uma aplicação restrita, sendo possível em duas situações:
- Pena igual ou superior a um ano de prisão por crime contra a administração pública
- Pena superior a quatro anos de prisão nos demais crimes
O segundo efeito é a incapacidade para o exercício do poder familiar, tutela ou curatela nos crimes dolosos punidos com reclusão, cometidos contra quem igualmente detém o poder familiar, contra descendente, tutelado ou curatelado.
Caso você não se recorde desses pontos, poder familiar é
(…) é o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, no tocante à pessoa e aos bens dos filhos menores (Gonçalves, Carlos Roberto – Direito Civil Brasileiro, volume 6: direito de família – 8ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2011)
A tutela, por sua vez, ocorre quando se dá a alguém (neste caso, o tutor) poderes para administrar os bens e reger a vida de um menor que não está sujeito ao poder familiar de seus pais.
Já a curatela ocorre quando esse poder é dado a alguém (neste caso, o curador) para reger os bens e a vida daquele que mesmo maior de idade por algum motivo não tiver capacidade para zelar por seus próprios interesses.
O terceiro efeito, por fim, é a inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado para a prática de crime doloso.
Atenção! Os efeitos extrapenais específicos não estão previstos apenas no Código Penal. Há legislação extravagante com esse tipo de previsão, bem como a Constituição Federal.
Por exemplo, a CF traz a suspensão de direitos políticos em seu artigo 15, III como um efeito extrapenal específico.