Extinção da Punibilidade por Prescrição, Decadência ou Perempção

O art. 107 do Código Penal também prevê a extinção de punibilidade pela prescrição, decadência ou perempção, que têm aspectos relacionados ao decurso do tempo ou à inércia. Contudo, estas situações têm diferenças essenciais entre si.

Decadência

O conceito de decadência é, tanto no direito penal como no direito civil, relacionado à perda de um direito de ação pelo decurso do tempo.

No âmbito penal, refere-se à perda do direito de ajuizar ação penal, pelo lapso temporal. Esta restrição, contudo, alcança apenas as ações penais privadas e as ações penais públicas condicionadas: não se fala em decadência do direito de ação do Ministério Público nos casos em que a ação penal é pública incondicionada.

A lei também prevê a decadência do direito de ação do ofendido nos casos de ação penal privada subsidiária da pública, o que ocorre quando surge o direito de ação penal ao ofendido quando o Ministério Público não apresenta denúncia no prazo legal. Nesse caso, entretanto, a decadência do direito de ação atinge apenas o ofendido, já que o Ministério Público não perde a legitimidade para a ação penal pelo decurso do prazo legal.

Em geral, o prazo de decadência é de 6 meses contados da data em que o ofendido, legitimado a ingressar com a ação penal privada ou a representar pela ação penal pública condicionada, tem conhecimento da autoria do crime. Estas disposições são tratadas no art. 103 do Código Penal e no art. 38 do Código de Processo Penal:

Código Penal

Art. 100 - A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido.  (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

§ 3º - A ação de iniciativa privada pode intentar-se nos crimes de ação pública, se o Ministério Público não oferece denúncia no prazo legal.

Art. 103 - Salvo disposição expressa em contrário, o ofendido decai do direito de queixa ou de representação se não o exerce dentro do prazo de 6 (seis) meses, contado do dia em que veio a saber quem é o autor do crime, ou, no caso do § 3º do art. 100 deste Código, do dia em que se esgota o prazo para oferecimento da denúncia.

Código de Processo Penal

Art. 38.  Salvo disposição em contrário, o ofendido, ou seu representante legal, decairá no direito de queixa ou de representação, se não o exercer dentro do prazo de seis meses, contado do dia em que vier a saber quem é o autor do crime, ou, no caso do art. 29, do dia em que se esgotar o prazo para o oferecimento da denúncia.

Parágrafo único.  Verificar-se-á a decadência do direito de queixa ou representação, dentro do mesmo prazo, nos casos dos arts. 24, parágrafo primeiro, e 31.

Art. 24.  Nos crimes de ação pública, esta será promovida por denúncia do Ministério Público, mas dependerá, quando a lei o exigir, de requisição do Ministro da Justiça, ou de representação do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.

§ 1º  No caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por decisão judicial, o direito de representação passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.

Art. 31.  No caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por decisão judicial, o direito de oferecer queixa ou prosseguir na ação passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.

O prazo decadencial para os crimes processados nos termos da Lei nº 9.099/95, por sua vez, é de 30 dias:

Art. 91. Nos casos em que esta Lei passa a exigir representação para a propositura da ação penal pública, o ofendido ou seu representante legal será intimado para oferecê-la no prazo de trinta dias, sob pena de decadência.

Mesmo quando se trata de ações penais privadas, ou de ações penais públicas condicionadas, a extinção da punibilidade deve ser declarada de ofício pelo juiz que reconhecer a decadência, como disciplina o art. 61 do Código de Processo Penal.

Perempção

A perempção também se relaciona estritamente às ações penais privadas e às ações penais públicas condicionadas, e trata da perda do direito de ação pela inércia do ofendido, e não estritamente pelo decurso do tempo. A grande diferença desta figura, é que ela se aplica durando o decurso processual, sendo definida, em outras palavras, como uma sanção processual ao querelante inerte ou negligente.

Por sua natureza, também não se aplica a perempção aos casos de ação penal privada subsidiária da pública, em que o Ministério Público pode retomar a persecução como parte principal no caso de inércia do querelante.

Assim, as hipóteses de inércia que impliquem perempção e, consequentemente, extinção da punibilidade são estritamente as previstas no art. 60 do Código de Processo Penal:

Art. 60.  Nos casos em que somente se procede mediante queixa, considerar-se-á perempta a ação penal:

I - quando, iniciada esta, o querelante deixar de promover o andamento do processo durante 30 dias seguidos;

II - quando, falecendo o querelante, ou sobrevindo sua incapacidade, não comparecer em juízo, para prosseguir no processo, dentro do prazo de 60 (sessenta) dias, qualquer das pessoas a quem couber fazê-lo, ressalvado o disposto no art. 36;

 III - quando o querelante deixar de comparecer, sem motivo justificado, a qualquer ato do processo a que deva estar presente, ou deixar de formular o pedido de condenação nas alegações finais;

IV - quando, sendo o querelante pessoa jurídica, esta se extinguir sem deixar sucessor.

Cumpre notar, ainda, que as pessoas legitimadas a oferecer queixa ou prosseguir na ação em caso de morte do ofendido são o cônjuge, ascendente, descendente ou irmão, conforme disposição do art. 31 do Código de Processo Penal.

Prescrição

A prescrição corresponde à perda do direito de punir do Estado pelo decurso do tempo. Não confunda este instituto com o da decadência: o objeto da decadência é o direito de ajuizar, o da prescrição é a pretensão (o poder de exigir de outrem, em juízo, uma prestação).

Trata-se de instituto de direito material penal, e não de direito, mas tem importantes consequências na ação penal e na condenação.

O momento da prescrição determina sua classificação e seus efeitos, que passamos a tratar com maior profundidade:

Prescrição da Pretensão Punitiva

Falamos agora da perda da pretensão punitiva ou executória em face do decurso do tempo. Antes do trânsito em julgado da condenação e, portanto, antes de a pena tornar-se definitiva, fala-se em pretensão do direito do Estado em punir o réu. Neste caso, há as situações de prescrição da pretensão punitiva em abstrato, verificada quando ainda não há sentença condenatória, de modo que os parâmetros de pena são as cominações em abstrato do delito – pena máxima e mínima determinadas no tipo; ou a prescrição da pretensão punitiva retroativa e superveniente, casos em que já há sentença condenatória, com trânsito em julgado apenas para o Ministério Público – há a possibilidade de alteração da sentença apenas com recurso do réu –, de modo que já se prevê pena concreta como parâmetro para definir os prazos de prescrição.

Isso porque os indicadores para definir o prazo de prescrição são, justamente, os períodos de pena cominados – em abstrato (pena máxima prevista para o crime) ou em concreto (pena de fato determinada em sentença condenatória).

Assim, o art. 109 do Código Penal determina uma correspondência entre pena privativa de liberdade cominada e prazo prescricional:

Art. 109.  A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1o do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se:

I - em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze;

II - em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze;

III - em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito;

IV - em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro;

V - em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois;

VI - em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano.

Nos termos do art. 111 do Código Penal, o prazo prescricional da pretensão punitiva é contado desde o dia em que o crime se consumou – ou, no caso da tentativa, do dia em que cessou a atividade criminosa. Nos crimes permanentes (como o sequestro ou manutenção em cárcere privado), do dia em que cessou a permanência.

Quando ainda não houver sentença condenatória, considera-se a prescrição pela pena em abstrato, de modo que o parâmetro para estabelecer a prescrição é a pena máxima cominada ao delito, considerando-se as causas de aumento ou diminuição imputadas – pela previsão da fração que implica o maior aumento ou menor diminuição – sem que se considerem, contudo, as circunstâncias atenuantes ou agravantes.

Por outro lado, caso haja sentença condenatória com trânsito em julgado apenas para a acusação – a sentença pode ser reformada apenas por recurso do réu e, portanto, a pena não poderá ser exasperada –, o prazo prescricional é contado conforme a pena concreta imputada pela sentença (art. 110, §1º do Código Penal), sendo possível a prescrição retroativa quando se verificar que decorreu período superior ao prazo prescricional entre o recebimento da denúncia e a publicação da sentença condenatória.

Há muitas discussões sobre a possibilidade de se reconhecer a prescrição antecipada ou virtual quando se prevê que a pena a ser imposta implicará prescrição retroativa.

Ainda nos casos em que há sentença com trânsito em julgado apenas para a acusação, verifica-se a prescrição superveniente (ou intercorrente) se o decurso do prazo prescricional der-se entre a publicação da sentença e o trânsito em julgado da condenação, como no caso em que ocorre a prescrição enquanto se está decidindo sobre o recurso interposto pela defesa.

Em qualquer caso em que se configure a prescrição da pretensão punitiva (em abstrato, retroativa ou superveniente), uma vez que se extingue a punibilidade antes mesmo do trânsito em julgado da condenação, extinguem-se também todos os efeitos penais. Assim, uma vez que sequer houve condenação definitiva (com trânsito em julgado), o réu permanece primário para todos os efeitos penais.

Prescrição da Pretensão Executória

A pretensão executória do Estado diz respeito à prescrição -extinção- da intenção de aplicar, executar a pena imposta. O termo inicial para a contagem do prazo prescricional é o trânsito em julgado da condenação para ambas as partes, quando a pena se torna definitiva.

Assim, uma vez condenado o réu e sem qualquer possibilidade de alteração da pena cominada, o estado também tem prazo para efetivar a execução da pena.

Nos casos da pretensão executória, como já há sentença condenatória com trânsito em julgado, a prescrição apenas exclui a punibilidade do agente, mantendo-se, contudo, os efeitos da condenação, inclusive para configuração de reincidência.

Para fechar o assunto, coloquemos um breve resumo que diferencia os institutos da prescrição, perempção e decadência: a decadência é um prazo estabelecido em lei para exercício de um determinado direito; não exercido dentro do prazo, ter-se-á a extinção do próprio direito. A prescrição é um prazo dentro do qual se pode exigir em juízo uma prestação; não exigida, o autor perderá o poder de fazê-lo. A preclusão, por sua vez, deriva do fato de o autor ou réu não terem praticado um ato processual no prazo previsto, sendo a perempção, finalmente, a perda do direito de ação do autor que, restando inerte reiteradamente, acabou por abandonar a causa.

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