Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido
Tipo penal
Previsto no artigo 14, do Estatuto do Desarmamento, o porte ilegal de arma de fogo de uso permitido está assim descrito:
Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável, salvo quando a arma de fogo estiver registrada em nome do agente.
Questões iniciais
Tendo como objetividade jurídica a segurança pública, a conduta prevista no artigo 14 do ED é considerada crime de elevado potencial ofensivo, logo, não pode ser contemplado com os benefícios de Lei Nº 9.099/1995.
Em que pese o parágrafo único ser expresso em declarar o porte ilegal de arma de fogo de uso permitido como crime inafiançável, o Supremo Tribunal Federal - STF considerou este dispositivo inconstitucional, posto que apenas a Constituição Federal poderá prever inafiançabilidade.
Assim, conforme entendimento exposto no julgamento do ADIn 3.112-1, do STF, o crime previsto no artigo 14 será inafiançável, salvo quando a arma de fogo estiver registrada em nome do agente.
Você pode acessar o voto do Ministro Ricardo Lewandowski, na Ação Direta De Inconstitucionalidade 3.112-1.
Sujeitos do crime
O sujeito ativo é um crime comum, bastando o agente estar irregularmente portando uma arma de fogo na rua, sem exigibilidade de qualquer qualificação. E o sujeito passivo é crime vago, posto que a vítima não tem personalidade jurídica, sendo toda a coletividade.
Causas de aumento de pena
A pena prevista no artigo 14 será aumentada na metade, caso o sujeito incida nas causas elencadas no artigo 20, do ED, quais sejam:
- Ser integrante dos órgãos e empresas referidas nos arts. 6º, 7º e 8º do Estatuto do Desarmamento;
- Sor reincidente específico em crimes dessa natureza.
Consumação e Tentativa
A ação de portar arma de fogo de uso permitido ilegalmente é considerada crime de mera conduta, pois não exige um resultado naturalístico, e de perigo abstrato, vez que o risco gerado ao bem jurídico tutelado pela norma é presumido.
Além disso, classifica-se como um crime do tipo Misto Alternativo, de Ação Múltipla ou de Condutas Variáveis. Isto porque ele pode ser configurado por qualquer uma das condutas descritas no dispositivo legal.
Assim, ainda que o indivíduo, numa mesma situação fática, cometa duas ou mais ações previstas no artigo 14, se tratará de delito único, e isso interferirá apenas na dosimetria da pena.
Ademais, por ser uma ação fracionável, ou seja, ser um crime plurissubsistente, é admissível a sua forma tentada.
Questões polêmicas
Requer-se especial atenção a esse tópico, pois vamos abordar questões ausentes na doutrina e legislação, e frequentemente cobradas em prova.
Comprovação de potencialidade lesiva
No julgamento do AgRg no AREsp 397.473, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu a necessidade de comprovação de potencialidade lesiva da arma de fogo.
Caso seja verificado que a arma portada pelo agente possui defeito que a impede de disparar projétil, estaremos diante de uma conduta atípica, configurando-se, então, crime impossível por ineficácia absoluta do instrumento.
Todavia, caso não seja comprovado a invariável ineficiência da arma portada, mesmo que muito defeituosa (“tiro picando”), o agente será enquadrado no artigo 14 do Estatuto do Desarmamento.
Porte simultâneo de duas armas de fogo
Na situação em que o agente portar duas armas de fogo simultaneamente, conforme entendimento trazido no HC 148.339, do STJ, a classificação da conduta dependerá do contexto.
Em se tratando de unicidade de contexto, isto é, o indivíduo portar irregularmente duas armas de uso permitido, ele será enquadrado no artigo 14 e o número de armas interferirá no cálculo da dosimetria da pena.
Entretanto, em duplicidade contexto, quando o indivíduo comete o crime em situações fáticas diferentes, estará configurado dois crimes em concurso material.
Porte simultâneo de arma de fogo de uso restrito e de arma de fogo de uso permitido
Na hipótese de enquadramento do agente nos artigos 16 e 14, do Estatuto do Desarmamento, simultaneamente, ele responderá apenas pelo crime mais grave, isto é, o porte de arma de fogo de uso restrito, considerando -se, então, a conduta do artigo 14 absorvida pelo artigo 16.
Porte ilegal de arma de fogo desmuniciada
Segundo entendimento estabelecido no HC 95.073, pelo Supremo Tribunal Federal - STF, o porte ilegal de arma de fogo desmuniciada é crime de mera conduta, logo, não é necessário produzir resultado naturalístico para ser configurado.
Porte de arma de brinquedo
Inicialmente, conforme determinado pelo artigo 26 do Estatuto do Desarmamento, a comercialização de arma de brinquedo (simulacro) é proibida, exceto se autorizado pelo Comando do Exército e em situações específicas. Vejamos:
Art. 26. São vedadas a fabricação, a venda, a comercialização e a importação de brinquedos, réplicas e simulacros de armas de fogo, que com estas se possam confundir.
Parágrafo único. Excetuam-se da proibição as réplicas e os simulacros destinados à instrução, ao adestramento, ou à coleção de usuário autorizado, nas condições fixadas pelo Comando do Exército.
Todavia, é necessário diferenciar a posse irregular da arma de brinquedo do seu porte irregular. Enquanto que a posse irregular de simulacro é atípica e enseja simples apreensão por infração administrativa, o porte irregular de simulacro é enquadrado no artigo 19 da Lei de Contravenções Penais.
Relembremos que o artigo mencionado tipifica a conduta de trazer consigo arma fora de casa ou de dependência desta, sem licença da autoridade, sendo, assim, o porte irregular de arma de brinquedo (simulacro) uma contravenção penal.