Generalidades
Evolução legislativa
O uso de armas de fogo foi disciplinado por diversas leis ao longo do tempo. Inicialmente, o tema era regido apenas na Lei das Contravenções Penais (Decreto-Lei n° 3.688, de 3 de outubro de 1941), que tipificava a conduta de carregar arma de fogo, sem licença da autoridade. Vejamos:
Art. 19. Trazer consigo arma fora de casa ou de dependência desta, sem licença da autoridade:
Pena – prisão simples, de quinze dias a seis meses, ou multa, de duzentos mil réis a três contos de réis, ou ambas cumulativamente.
Apesar de ainda estar vigente, com o advento do Estatuto do Desarmamento, que trataremos mais adiante, a doutrina entende que o artigo 19 passou a ter aplicação restrita ao uso de armas brancas, que são as que possuem gume ou ponta.
Posteriormente, com a finalidade de regular mais especificamente os crimes envolvendo arma de fogo, foi sancionada a Lei n° 9.437, de 20 de fevereiro de 1997, que criminalizou o disparo, posse e porte de arma de fogo. Antes o disparo, posse e porte de arma de fogo eram considerados como simples contravenções penais, punindo-os com detenção.
Em 2003, houve a criação do Estatuto de Desarmamento (ED) - Lei n° 10.826, de 22 de dezembro de 2003. Por possuir em seu escopo diversas normas em branco, ou seja, dispositivos que exigem complementação de outra espécie normativa, há hoje no Brasil 7 decretos vigentes diretamente relacionados ao Estatuto, quais sejam:
- Decreto 9.847/19 - Institui o Sistema Nacional de Armas e o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas;
- Decreto 9.846/19 - Dispõe sobre o registro, o cadastro e a aquisição de armas e de munições por caçadores, colecionadores e atiradores;
- Decreto 9.845/19 - Regula a aquisição, o cadastro, o registro e a posse de armas de fogo e de munição;
- Decreto 10.627/21 - Altera o Anexo I ao Decreto nº 10.030, de 30 de setembro de 2019, que aprova o Regulamento de Produtos Controlados;
- Decreto 10.628/21 - Altera o Decreto nº 9.845, de 25 de junho de 2019, que regulamenta a Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, para dispor sobre a aquisição, o cadastro, o registro e a posse de armas de fogo e de munição;
- Decreto 10.629/21 - Altera o Decreto nº 9.846, de 25 de junho de 2019, que regulamenta a Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, para dispor sobre o registro, o cadastro, e a aquisição de armas e de munições por caçadores, colecionadores e atiradores;
- Decreto 10.630/21 - Altera o Decreto nº 9.847, de 25 de junho de 2019, que regulamenta a Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, para dispor sobre a aquisição, o cadastro, o registro, o porte e a comercialização de armas de fogo e de munição e sobre o Sistema Nacional de Armas e o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas.
Sistema Nacional de Armas
Também chamado de SINARM, é um órgão de abrangência nacional, vinculado ao Ministério da Justiça, e regido pela Polícia Federal, responsável pelo registro de armas de fogo em todo território brasileiro. Antes da criação do SINARM, esse serviço era realizado pelo Departamento de Produtos Controlados da Polícia Civil de cada Estado.
Cumpre ressaltar que o SINARM não regulariza as armas das forças armadas. A regularização cabe à própria instituição, conforme disposto no artigo 2º, parágrafo único, do Estatuto do Desarmamento.
Classificação das Armas de Fogo
A classificação das armas de fogo é um tópico de suma importância, posto que é fator determinante para enquadramento do indivíduo em crimes mais leves ou mais graves do Estatuto do Desarmamento.
Caso o indivíduo esteja na posse de arma de fogo de uso permitido, incidirá no artigo 12, que prevê pena de detenção de 1 a 3 anos e multa. Se o indivíduo estiver com o porte de arma de fogo, incidirá no artigo 14, com previsão de pena reclusão de 2 a 4 anos e multa. Já na ocorrência de crime mediante posse ou porte de arma de fogo de uso restrito, incidirá no artigo 16, que possui pena de reclusão, de 3 a 6 anos, e multa.
A título de curiosidade, as armas de uso permitido são aquelas cujas pessoas físicas e jurídicas podem obter posse e porte. Já as de uso restrito, são aquelas de uso exclusivo das forças armadas, instituições de segurança pública e de pessoas físicas e jurídicas habilitadas e devidamente autorizadas pelo comando do exército.
As armas de fogo de uso proibido são aquelas assim classificadas nos tratados internacionais em que o Brasil é signatário, bem como aquelas armas que são dissimuladas para parecerem objeto sem potencial ofensivo. Todas as classificações podem ser consultadas nos decretos citados no primeiro tópico.
NOTA: Não se preocupe em decorar os tipos de arma existentes e se são de uso restrito ou permitido. Por se tratar de matéria técnica e constantemente mutável, certamente a banca trará a classificação da arma de fogo no enunciado da questão.
Tipos Penais Preventivos
Os tipos penais preventivos foram abordados pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ, no julgamento do Habeas Corpus 211.823, é o termo utilizado para definir os crimes obstáculos ou que antecipam uma tutela penal.
Diferentemente dos dispositivos penais que estabelecem uma conduta como crime mediante um resultado naturalístico, os tipos penais preventivos punem o ato preparatório de um crime. Por exemplo, o porte de arma de fogo para produzir o resultado morte (crime de homicídio).
Por entender que a conduta preparatória em si gera risco para a sociedade, a lei penal prevê sua punição na mesma forma de ato típico.
Estatuto do Desarmamento e Lei Maria da Penha
Com o objetivo de preservar a segurança da mulher vítima de violência doméstica, a Lei Maria da Penha (Lei n° 11.340, de 7 de agosto de 2006), possui alguns dispositivos que dialogam com o Estatuto do Desarmamento.
O artigo 12, VI-A determina que o delegado de polícia, feito o registro de ocorrência, busque por registro de arma de fogo em nome do suspeito. Em caso positivo, a informação obtida deve ser inserida nos autos do processo, e o caso deve ser comunicado à instituição responsável pela concessão ou pela emissão do porte.
Uma vez recebido o expediente, uma das medidas protetivas de urgência é a determinação, pelo magistrado, da apreensão da arma de fogo sob posse do agressor, conforme estabelecido no artigo 18, IV da Lei Maria da Penha. Já o artigo 22 faculta ao juiz a suspensão do porte ou posse do sujeito.
Apesar dos artigos 18 e 22 possuírem resultados similares à primeira vista, eles são complementares. Isso porque, no artigo 18 existe uma restrição relativa, visto que cessa o acesso à arma de fogo pessoal do agressor. Já no artigo 22, há uma restrição absoluta, uma vez que foi pensado para, por exemplo, a situação de um policial militar agressor, estende essa restrição de acesso também às armas do batalhão. Vejamos a letra da lei:
Art. 22. [...]
§ 2º Na hipótese de aplicação do inciso I, encontrando-se o agressor nas condições mencionadas no caput e incisos do art. 6º da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, o juiz comunicará ao respectivo órgão, corporação ou instituição as medidas protetivas de urgência concedidas e determinará a restrição do porte de armas, ficando o superior imediato do agressor responsável pelo cumprimento da determinação judicial, sob pena de incorrer nos crimes de prevaricação ou de desobediência, conforme o caso.