A primeira espécie de crime contra a vida a ser estudada é o delito de homicídio, previsto no artigo 121 do Código Penal. O tipo penal descreve uma conduta bem simples e que, por isso, admite diversas formas de ser executada: “Matar alguém”. Em outras palavras, o homicídio nada mais é “que a supressão injusta de vida extrauterina por outra pessoa”.

 Esse conceito ajuda a diferir o homicídio do aborto que, conforme visto, é a supressão da vida intrauterina; bem como deixa clara a distinção com o suicídio já que, neste, a supressão da vida é cometida pela própria pessoa que se mata.

Mas nem sempre a conduta de “matar alguém” se enquadra no crime de homicídio previsto no artigo 121 do Código Penal. Isso ocorre nos casos em que a morte da pessoa não é o objetivo último do agente, mas é utilizada como instrumento para se atingir uma finalidade distinta!

Podemos destacar três exemplos:

- Genocídio (artigo 1º, alínea “a”, da lei 2.889/56) – Na hipótese de genocídio, o agente mata membros de um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, com o fim de extermínio do próprio grupo. Ou seja, o agente se utiliza da morte dos membros (embora esse não seja o único meio de se praticar o genocídio) como forma de fazer desaparecer o grupo ao qual pertencem.

- Latrocínio (artigo 157, parágrafo 3º, do Código Penal) – Nesse caso, a morte da vítima é utilizada como forma de fazer cessar sua resistência diante da subtração de seu patrimônio. Considera-se, portanto, um crime patrimonial, e não um crime contra a vida (há que se notar, no entanto, que essa classificação não relativiza a gravidade da conduta, que se reflete na pena cominada, podendo o agente ser condenado de vinte a trinta anos de reclusão).

Cumpre aqui destacar que o crime de homicídio tem como bem (ou objeto) jurídico protegido a vida humana extrauterina, ou seja, a partir do momento em que ocorre a primeira respiração do recém-nascido (concepção clássica) ou que ocorre o rompimento da bolsa amniótica, com início do parto (concepção moderna). Não por outro motivo, o objeto material (pessoa ou coisa sobre a qual recai a conduta) do delito em questão é sempre a pessoa humana já nascida, já “expulsa” do útero materno.

Considerando-se o objeto material, pode-se dizer que qualquer pessoa viva, já nascida, pode ser sujeito passivo (vítima) do crime de homicídio. Do mesmo modo, o crime de homicídio pode ser praticado também por qualquer pessoa (crime comum), sozinha ou em concurso eventual (crime monossubjetivo).

Mas quando o homicídio se consuma? A resposta mais óbvia é que a consumação se dá no momento em que a vítima morre, ou seja, em que há a conclusão do fim do ato. Mas, em termos legais, a partir de que momento é possível se falar em morte?

O referencial normativo escolhido pela doutrina nesse caso é aquele contido no artigo 3º da lei 9.434/97, que autoriza a retirada de órgãos para doação quando constatada a morte encefálica. Em outras palavras, quando for constatada a morte cerebral de uma pessoa, ela já pode ser considerada morta para fins de consumação do delito de homicídio.

Por esse motivo, a materialidade do crime, regra geral, deve ser comprovada com a realização de exame de corpo de delito (artigo 158, do Código de Processo Penal), somente se admitindo prova testemunhal (artigo 167, do Código de Processo Penal) com peso probatório caso comprovado o desaparecimento de todos os vestígios, em especial do cadáver.

 A expressão “corpo de delito” não se refere somente ao corpo da vítima, o cadáver, mas a todo conjunto de vestígios deixados pelo crime. Por exemplo, é possível a realização do exame também por meio de sangue ou fragmentos de pele e outros órgãos, como o coração.

Há casos, porém, em que não ocorre a consumação do homicídio não porque o agente desistiu de matar a pessoa, mas por circunstâncias alheias à sua vontade. Nessa situação, diz-se que o crime foi tentado, ou seja, houve uma tentativa de homicídio, que será igualmente punida, embora com uma minoração de um a dois terços na pena pelo insucesso do resultado pretendido (vide artigo 14, inciso II e parágrafo único, do Código Penal). Isso se dá porque o delito de homicídio é um crime plurissubsistente, cujo resultado depende da execução de diversos atos.

Dada a multiplicidade de atos executórios, é possível observar que o homicídio também pode ser classificado como um crime progressivo, pois muitas vezes é precisa a prática anterior de uma conduta igualmente tipificada como crime. Por exemplo, se o agente quiser matar alguém a facadas, necessariamente terá que causar uma lesão corporal na vítima, consistente na perfuração da pele.

Mas como diferir então a tentativa de homicídio da lesão corporal? Nesse caso, deve-se verificar a existência do elemento (ou tipo) subjetivo: o animus necandi, ou ainda, o dolo de matar. É preciso que se constate que o agente tinha a intenção de dar um fim à vida da vítima com seus atos, e não só machucá-la. A verificação do elemento subjetivo é de extrema importância, já que, como veremos mais a frente, a presença ou não do dolo de matar pode modificar até mesmo a competência para seu julgamento e o rito processual que será adotado. 

Por fim, devemos ressaltar que é possível também que alguém seja responsabilizado pela morte de outrem com sua omissão, quando deveria e poderia agir para evitar o resultado trágico.  Trata-se de disposição contida no artigo 13, §2º do Código Penal, que elenca as hipóteses em que a omissão será considerada penalmente relevante.

Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. (...)
§ 2º - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:
a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;
b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;
c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado. 

 

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