Reingresso de Estrangeiro Expulso e Denunciação Caluniosa

Olá, Trilheiro e Trilheira! 

Neste curso serão estudadas as espécies de crimes contra a administração da justiça. Eles estão no capítulo III, Título XI do CP, integrando os Crimes Contra a Administração Pública.

Reingresso de estrangeiro expulso

O primeiro crime é o de reingresso de estrangeiro expulso no território brasileiro, que está no art. 338 do CP:

Art. 338 - Reingressar no território nacional o estrangeiro que dele foi expulso:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, sem prejuízo de nova expulsão após o cumprimento da pena.

Trata-se de um crime próprio, pois só pode ser praticado por um estrangeiro que já tenha sido expulso do Brasil.

O STF no HC 119.773 determinou que estrangeiro expulso só poderá reingressar no Brasil se conseguir provar que não é nocivo e perigoso. 

Quem é o estrangeiro?

Estrangeiro é um conceito “por negação”, ou seja, é todo aquele que não seja brasileiro nato ou naturalizado, conforme art. 12 da CF:

Art. 12. São brasileiros:

I - natos:

a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país;

b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil;

c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira;

II - naturalizados:

a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral;

b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira.  [...]

O que é expulsão?

É um conceito previsto no art. 54 da lei de migração (lei 13.445\17):

Art. 54. A expulsão consiste em medida administrativa de retirada compulsória de migrante ou visitante do território nacional, conjugada com o impedimento de reingresso por prazo determinado.

A expulsão, nesse sentido, tem caráter administrativo, e, visando punir um crime, o Brasil retira, compulsoriamente, o imigrante ou visitante do território nacional e o impede de voltar por um prazo determinado.

Então, são características da expulsão:

  1. Medida administrativa, de decisão discricionária do poder público;
  2. Compulsória;
  3. Contra imigrante ou visitante;
  4. Impedimento de retorno;
  5. Prazo determinado.

Se a pessoa voltar ao Brasil, descumprindo a medida de expulsão, ela incidirá no crime de reingresso do estrangeiro expulso e se sujeitará à pena do art. 338 do CP.

Diferença entre expulsão, deportação e extradição

A deportação ocorre quando alguém não segue os trâmites regulares para entrada e permanência no Brasil. Já a extradição é quando o Estado entrega, ou “devolve”, o indivíduo para outro Estado devido à prática de um crime.

Quando pode ocorrer a expulsão?

Segundo o art. 54, §1º da lei de migração:

Art. 54. [...]

§1º Poderá dar causa à expulsão a condenação com sentença transitada em julgado relativa à prática de:

I - crime de genocídio, crime contra a humanidade, crime de guerra ou crime de agressão, nos termos definidos pelo Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, de 1998, promulgado pelo Decreto nº 4.388, de 25 de setembro de 2002 ; ou

II - crime comum doloso passível de pena privativa de liberdade, consideradas a gravidade e as possibilidades de ressocialização em território nacional.

Requisitos:

  1. Sentença condenatória transitada em julgado;
  2. Prática de um desses crimes:
    1. Genocídio;
    2. Crime contra a humanidade;
    3. Crime de guerra;
    4. Crime de agressão;
    5. Crime comum doloso passível de pena privativa de liberdade.

Observe que no caso de crime comum doloso, o Brasil avaliará a gravidade do crime e se vale a pena manter o indivíduo em território nacional com o objetivo de ressocializá-lo.

 Atenção! A expulsão é uma medida administrativa, mas ela só pode ocorrer se, previamente, houver uma condenação com sentença transitada em julgado!

Segundo o Ministério da Justiça e Segurança Pública, o crime mais frequente que leva à expulsão de estrangeiros é o tráfico internacional de drogas, seguido de furto e roubo. 

Hipóteses em que não se admite a expulsão

De acordo com o art. 55, também da lei de migração, existem situações em que a expulsão não é admitida:

Art. 55. Não se procederá à expulsão quando:

I - a medida configurar extradição inadmitida pela legislação brasileira;

II - o expulsando:

a) tiver filho brasileiro que esteja sob sua guarda ou dependência econômica ou socioafetiva ou tiver pessoa brasileira sob sua tutela;

b) tiver cônjuge ou companheiro residente no Brasil, sem discriminação alguma, reconhecido judicial ou legalmente;

c) tiver ingressado no Brasil até os 12 (doze) anos de idade, residindo desde então no País;

d) for pessoa com mais de 70 (setenta) anos que resida no País há mais de 10 (dez) anos, considerados a gravidade e o fundamento da expulsão; ou

No inciso I está a situação de “extradição inadmitida”. Ou seja, quando não for possível extraditar, não será possível expulsar. Exemplo: pena prescrita. 

No inciso II estão as hipóteses de:

  • a)    Estrangeiro com filho brasileiro sob sua guarda ou dependência econômica ou sócio-afetiva ou tiver pessoa brasileira sob sua tutela. A expulsão não é admitida para se preservar o núcleo familiar. Para a 1ª seção do STJ, é necessária a efetiva comprovação da dependência econômica e da convivência para evitar a expulsão do estrangeiro (HC 250.026), pois a mera existência do filho no Brasil não impede a expulsão (HC 418.116).
  • b)    Estrangeiro com cônjuge ou companheiro residente no Brasil, reconhecido legalmente ou judicialmente. Também se justifica a manutenção pela preservação do núcleo familiar.
  • c)    Residência no Brasil desde os 12 anos. Isso porque, o estrangeiro tem uma vida toda construída no país.
  • d)    Estrangeiro residente há mais de 10 anos no Brasil e com mais de 70 anos de idade. Nessa hipótese, entretanto, é possível haver exceção, considerando a gravidade e o fundamento da expulsão.
 Atenção! Se após a expulsão o estrangeiro não sair do Brasil, mas apenas se esconder, ele não estará incurso no art. 338 do CP. O reingresso no território nacional é requisito do crime, o qual pressupõe que o estrangeiro, após expulso, saia do Brasil e retorne. Ou seja, para ser consumado o crime do art. 338, o estrangeiro deve sair do Brasil, voltar e ultrapassar as fronteiras nacionais.

Para o STJ, as circunstâncias que impedem a expulsão não precisam ser contemporâneas ao fato que motiva a expulsão. Ou seja, o indivíduo pode, por exemplo, ter determinação administrativa para expulsão anterior à constituição de uma família. (HC 452.975)

Refugiado

O STJ também entende que estrangeiro refugiado não pode ser expulso, mas, o ato de expulsão pode ser suspenso e convalidado posteriormente, após a perda da condição de refugiado. (HC 333.902)

Progressão de regime

O art. 54, §3º da lei de migração estabelece que:

Art. 54. [...]

§ 3º O processamento da expulsão em caso de crime comum não prejudicará a progressão de regime, o cumprimento da pena, a suspensão condicional do processo, a comutação da pena ou a concessão de pena alternativa, de indulto coletivo ou individual, de anistia ou de quaisquer benefícios concedidos em igualdade de condições ao nacional brasileiro.

Isso significa que, enquanto ocorrer o processamento administrativo da expulsão, não se prejudica a continuidade do cumprimento da pena, com todas as suas características.

Veja mais decisões do STJ a respeito do crime.

Denunciação caluniosa

Esse tipo penal foi alterado em 2020, ficando mais abrangente. Está previsto no art. 339 do CP:

Art. 339. Dar causa à instauração de inquérito policial, de procedimento investigatório criminal, de processo judicial, de processo administrativo disciplinar, de inquérito civil ou de ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime, infração ético-disciplinar ou ato ímprobo de que o sabe inocente:

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa.

§1º - A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve de anonimato ou de nome suposto.

§2º - A pena é diminuída de metade, se a imputação é de prática de contravenção.

Antes de 2020, o tipo não abarcava o “inquérito policial, o procedimento investigatório criminal e o processo administrativo disciplinar”.

Também não abarcava a acusação de “infração ético-disciplinar ou ato improbo”.

Nesse tipo o indivíduo imputa a alguém a prática de um crime, infração ético-disciplinar ou ato ímprobo e essas “acusações” geram um inquérito ou investigação

Ocorre que o acusador sabe da inocência do acusado. E é esse elemento doloso que caracteriza o crime, não existindo a modalidade culposa. Portanto, são necessárias duas condutas:

  1. Imputação
  2. Abertura de investigação.

A imputação, sem a abertura da investigação, não caracteriza o crime. Portanto fala-se que é um crime material, que consuma-se com a abertura da investigação. Admite-se a tentativa.

O STF já decidiu que para configuração do crime de denunciação caluniosa a imputação deve ser feita formalmente, comunicada às autoridades competentes (HC 117.342/SP).

O crime pode ser praticado por qualquer pessoa, portanto é classificado como crime comum.

Além disso, é necessário que um crime determinado seja imputado a alguém determinado, assim, se em algum desses elementos houver indeterminação, não se caracteriza a denunciação caluniosa, e sim a falsa comunicação de crime

Aumento de pena

No §1º está prevista uma causa de aumento de pena se o agente usa nome diverso do real ou usa-se do anonimato. 

Diminuição de pena

A pena, conforme §2º, será diminuída pela metade se a denúncia for de contravenção penal.

Abertura de CPI

Se da denúncia decorrer a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) não haverá o crime, já que tal comissão não está prevista no tipo do art. 339. Há a necessidade da previsão no artigo para caracterizar o crime em razão do princípio da estrita legalidade.

Calúnia x Denunciação caluniosa

A calúnia (art. 138, CP) é um crime contra a honra, já a denunciação caluniosa é um crime contra a administração da justiça. Veja as demais diferenças:

Calúnia Denunciação Caluniosa
Crime contra a honra. Crime contra a administração da justiça.
Crime de menor potencial ofensivo. Crime de elevada gravidade.
Mera imputação de um fato definido como crime. Imputação de infração ético-disciplinar, ato ímprobo ou crime.
Não precisa gerar um procedimento investigativo. Imputação deve gerar um procedimento investigativo.
Não se caracteriza com imputação de contravenção penal.

Caracteriza-se pela imputação de contravenção penal (com pena reduzida)

 

Outros crimes similares

É importante não confundir a denunciação caluniosa com os crimes de:

  • Autoacusação falsa (art. 341, CP): o autor denuncia a si mesmo.

  • Comunicação falsa de crime ou contravenção (art. 340, CP): não há acusação contra uma pessoa específica. 

Competência

O STJ pacificou entendimento de que o juízo competente para processar o crime de denunciação caluniosa é aquele onde foram iniciadas as investigações acerca do fato denunciado.

"A jurisprudência desta Corte Superior é firme em assinalar que, ‘considera-se consumado o crime de denunciação caluniosa no local onde foram iniciadas as investigações, ainda que preliminares, sobre o fato denunciado’.  (AgRg no RHC 55.609/RJ, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 1/12/20, DJe de 10/12/20.)"

Jurisprudência

A título de exemplo, seguem algumas decisões do STJ envolvendo o crime:

  • HC 477.243/DF: A abertura de PAD na OAB pode configurar delito de denunciação caluniosa.
  • RHC n. 147.724/SP: Condenação de ex-esposa pelo crime de denunciação caluniosa. Ela acusou injustamente o ex-marido de tentativa de homicídio.
     
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