Aplicação Supletiva da Lei 6.404

Por fim, é necessária uma análise mais detalhada da aplicação da Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/76) para as sociedades limitadas. Como visto no decorrer do curso, o Código Civil (art. 1.053, p.u.)  prevê que as normas da sociedade anônima poderão ser aplicadas supletivamente às normas da sociedade limitada, enquanto que as regras da sociedades simples “pura” são aplicadas subsidiariamente. Deste modo, as normas das sociedades anônimas são complementares. 

Para que haja a aplicação das normas das sociedades anônimas para as sociedades limitadas é necessário que elas sejam compatíveis e o contrato social deve prever isto. Afinal, são dois tipos societários distintos, tanto que para a affectio societatis das sociedades anônimas não é tão determinante quanto é para as limitadas.

Quotas preferenciais

Um dos exemples e normas incompatíveis são as que dizem respeito à emissão de debêntures, abertura de capital, constituição e dissolução das sociedades anônimas. Contudo, quanto às quotas preferenciais, há uma divergência doutrinária, onde a maioria dos autores entendem ser possível a emissão deste tipo de quota. Já o antigo Departamento Nacional do Registro do Comércio (DNRC) possuía a disposição em sentido contrário, conforme se lê na Instrução Normativa DNRC nº 98 de 23.12.2003, item 1.2.16.3. 

Atualmente, o DNRC foi sucedido pelo Departamento de Registro Empresarial e Integração (DREI) e na Instrução Normativa do DREI nº 38 de 02 de março de 2017, Anexo II, item 1.4 prevê a possibilidade do contrato social estabelecer quotas preferenciais. Além disso, há o Projeto de Lei 3436/19 que pretende autorizar as sociedades limitadas a emitirem quotas preferenciais. 

As quotas preferenciais seriam aquelas que recebem em primeiro lugar, podendo ser afastada delas o direito de voto. Muitos juristas entendem pela possibilidade, pois o próprio Código Civil permite que haja diferenças entre as quotas. 

Aplicação subsidiária das disposições da Lei nº 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas) às sociedades por quotas de responsabilidade limitada

Há um importante precedente jurídico sobre a aplicação subsidiária das normas contidas na Lei nº 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas) às sociedades limitadas. Trata-se do REsp nº 1.396.716 – MG, julgado pelo Ministro-Relator Paulo de Tarso Sanseverino  que reconheceu a possibilidade de aplicação subsidiária das normas, em um caso que envolvia cisão de uma sociedade limitada. 

O Código Civil não exaure toda a matéria envolvendo a cisão em uma sociedade limitada, diferente do que ocorre na Lei das Sociedades Anônimas. Por isso, entendeu que seria cabível a aplicação subsidiária, independente do contrato social da sociedade limitada envolvida na ação prever esta possibilidade. Vide ementa abaixo:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO EMPRESARIAL E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIRO. PENHORA DE BENS PARA GARANTIA DA AÇÃO DE EXECUÇÃO. CISÃO PARCIAL DA EMPRESA DEVEDORA. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DA LEI DAS SOCIEDADES ANÔNIMAS. SOLIDARIEDADE PASSIVA ENTRE A EMPRESA CINDIDA E A RESULTANTE DA CISÃO. 1. Os princípios contidos na Lei de Introdução ao Código Civil, por terem assumido contornos nitidamente constitucionais, não podem ser objeto de recurso especial, sob pena de, se analisados nessa via, ferir-se a esfera de distribuição de competência jurisdicional estabelecida pela Constituição Federal. 2. Viabilidade de aplicação subsidiária da Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6404/76) às sociedades limitadas para suprir as lacunas da sua regulamentação legal. 3. Possibilidade de ser excepcionada a regra da solidariedade passiva entre as empresas na cisão parcial mediante a estipulação de cláusula expressa no protocolo de cisão acerca das responsabilidades sociais da empresa cindida e da resultante da cisão. 4. Nessa hipótese, pode haver o repasse às sociedades que absorveram o patrimônio da cindida apenas das obrigações que lhes forem expressamente transferidas, afastando a solidariedade passiva relativamente às obrigações anteriores à cisão. 5. Necessidade, porém, de cláusula expressa no pacto de cisão na forma do art. 233, e seu parágrafo único, da Lei n.º 6.404/76 6. Não reconhecimento, no caso dos autos, pelas instâncias de origem da existência de cláusula de exclusão da solidariedade passiva no pacto de cisão. Súmulas 05 e 07 do STJ. 7. Precedente específico desta Corte. 8. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. (STJ – Resp: 1396716 MG 2013/0253770-4, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 24/03/2015, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJE 30/03/2015). 

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