Desconsideração da Personalidade Jurídica

Noções Gerais

Como visto, a criação da personalidade jurídica tem o principal fim de blindar e criar uma separação entre empresa e sócios, criando uma divisão total entre os patrimônios destes.

Todavia, esta divisão patrimonial não será absoluta. Vejamos o art. 50 do Código Civil de 2002:

Art. 50.  Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. 

§ 1º  Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. 

§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por: 

I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; 

II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e 

III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. 

§ 3º  O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica. 

§ 4º  A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica. 

§ 5º  Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica.

Possível extrair do art. 50 do CC/2002 que esta blindagem pode ser perfurada: a separação será desconsiderada diante da hipótese de abuso da personalidade jurídica, de vício e má-fé, fraude, dentre outras atitudes irregulares. Nos termos do dispositivo, o abuso estará configurado nas hipóteses de desvio de finalidade ou confusão patrimonial.

O desvio de finalidade ocorre quando o empresário se usa dessa personalidade jurídica, dessa abstração, para agir de forma que não remete à finalidade para qual a empresa foi criada. Isso ocorre, por exemplo, no caso de uma empresa criada para uma atividade comercial, mas, no decorrer de seu funcionamento, a empresa começa a ser usada para a lavagem de dinheiro, ou para esconder bens da receita federal e fugir de tributos, enfim.

Por outro lado, a confusão patrimonial ocorre nos casos em que o próprio sócio quebra a barreira que separa as duas pessoas (física e jurídica), deixando de existir separação clara entre o patrimônio do sócio e da pessoa jurídica. Pode-se constatar a confusão patrimonial quando valores injustificáveis são movimentados entre a pessoa júridica e a pessoa física ou quando as obrigações de uma são cumpridas pela outra. Vale dizer que não é qualquer transferência de valores que configura confusão patrimonial, mas apenas aqueles de valores proporcionalmente significantes.

Observados o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial, poderá o juiz desconsiderar a personalidade jurídica para que sejam reparados os atos ligados causados por aqueles que se utilizaram indevidamente da pessoa jurídica para obtenção de vantagens injustas ou ilícitas. Portanto, é a presença do desvio de finalidade ou a confusão patrimonial somada à obtenção de vantagem direta ou indireta que permite a desconsideração da personalidade jurídica.

É possível perceber que o abuso, constituído pelo desvio de finalidade e confusão patrimonial, é um conceito um pouco aberto, então sua aplicação nos casos concretos parte de uma análise jurisprudencial, sendo necessário apresentar ao juízo as particularidades do caso concreto que demonstram o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial.

Neste sentido, um exemplo de hipótese cabível de desconsideração é o encerramento irregular de empresa, que ocorre quando a empresa encerra suas atividades mas não dá baixa perante a junta comercial competente. Veja: não existe nenhum dispositivo que expressamente permita a desconsideração nesta mencionada hipótese, mas a jurisprudência é pacífica em afirmar que é plenamente possível.

Efeitos da Desconsideração

Diante de uma decisão favorável quanto ao pedido de desconsideração da personalidade jurídica de uma empresa, as obrigações que anteriormente eram somente da empresa passam a ser também dos sócios, podendo estes inclusive ter seu patrimônio particular afetado.

Neste sentido, importante lembrar da existência do instituto conhecido como desconsideração inversa da personalidade jurídica, que são os casos em que as obrigações dos sócios passarão a afetar o patrimônio da empresa. Esta possibilidade existe porque tanto os sócios podem se utilizar da empresa para deixar de cumprir com suas próprias obrigações quanto podem utilizar seu patrimônio pessoal para deixar de cumprir as obrigações da empresa.

Ex.: Emissão de diversos cheques pela conta da empresa, a sociedade já não possui fundos e não tem como arcar com esses cheques. Sabendo que os destinatários desses cheques irão tentar executar a empresa, o empresário pega todo o patrimônio que estava no nome da empresa, e passa para o próprio nome.

Destarte, possível perceber que a desconsideração da personalidade jurídica tem um único fim: cessar a proteção patrimonial concedida normalmente aos sócios em razão de abuso, visando-se a proteger os credores de possíveis fraudes.

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