Acordo de Leniência

O acordo de leniência é uma espécie de acordo administrativo firmado no contexto de um processo naturalmente administrativo. No caso em questão, irá estudar-se acordos de leniência do CADE, em consonância com a legislação concorrencial, já que existe previsão específica para tal tema.

Ele é firmado em um contexto de colaboração com o processo, então mediante uma determinada cooperação, a autoridade econômica compromete-se em conceder alguns benefícios para o particular que celebrou o acordo. A assinatura desse acordo apresenta efeitos automáticos.

Os requisitos gerais para os acordos de leniência estão previstos no art. 86, I e II, da Lei nº 12.529/11. Nesse sentido, a celebração do acordo de leniência só é possível se a colaboração prestada pelo particular resulte em:

  1. Identificação dos demais envolvidos na infração: pressupõem-se que não exista acordos de leniência em casos que não sejam de cartel, uma vez que é necessária a identificação dos demais envolvidos na conduta. Esse requisito está intimamente relacionado com a ideia de desestabilização das práticas ilícitas (cartéis) a partir da celebração do acordo. Assim, existe sempre a dúvida entre os membros de um cartel, se algum deles irá até o CADE e incriminará os demais membros. Dessa forma, a inserção do acordo de leniência no ordenamento jurídico serviu para criar um sentimento de insegurança entre os membros do cartel, que desestabiliza grandemente a harmonia entre eles, minando suas tentativas de acordarem quanto a ilicitudes concorrenciais.
  2. Obtenção de provas da infração.

Além desses requisitos gerais, existem os requisitos específicos que estão no art. 86, §1º:

§ 1o O acordo de que trata o caput deste artigo somente poderá ser celebrado se preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos: 

I - a empresa seja a primeira a se qualificar com respeito à infração noticiada ou sob investigação; 

II - a empresa cesse completamente seu envolvimento na infração noticiada ou sob investigação a partir da data de propositura do acordo; 

III - a Superintendência-Geral não disponha de provas suficientes para assegurar a condenação da empresa ou pessoa física por ocasião da propositura do acordo; e 

IV - a empresa confesse sua participação no ilícito e coopere plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo, comparecendo, sob suas expensas, sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até seu encerramento (MUITO IMPORTANTE). 

Art. 86.  O Cade, por intermédio da Superintendência-Geral, poderá celebrar acordo de leniência, com a extinção da ação punitiva da administração pública ou a redução de 1 (um) a 2/3 (dois terços) da penalidade aplicável, nos termos deste artigo, com pessoas físicas e jurídicas que forem autoras de infração à ordem econômica, desde que colaborem efetivamente com as investigações e com o processo administrativo e que dessa colaboração acarrete: 

I - a identificação dos demais envolvidos na infração; e 

II - a obtenção de informações e documentos que comprovem a infração noticiada ou sob investigação. 

§ 1o O acordo de que trata o caput deste artigo somente poderá ser celebrado se preenchidos,

Em relação ao inciso II do parágrafo §1º do artigo supracitado, deve-se esclarecer que se trata de ponto delicado no âmbito do acordo de leniência.

No caso de a empresa cessar imediatamente e absolutamente sua prática com a propositura do acordo, essa empresa pode sinalizar aos demais membros do cartel de que fazia parte que irá romper com as práticas ilícitas por ter celebrado um acordo de leniência. Isso geraria uma ruptura com o cartel inteiro justamente no momento em que iniciar-se-ia investigação aprofundada deste. Dessa forma, mostra-se interessante (existe literatura americana nesse sentido), que a empresa que celebrou o acordo continue “participando” figurativamente do cartel, trazendo informações para a autoridade econômica até o momento de instauração da investigação e desmanche do cartel. Esse é um ponto de debate sobre os acordos de leniência, não existindo previsão legal para tanto.

Já no que se refere ao inciso III do mesmo parágrafo, indica-se uma situação lógica pois, uma vez que a Superintendência-Geral tenha provas suficientes para a condenação, aquela já não terá motivos para desejar celebrar um acordo com alguma das empresas pertencentes ao cartel. Não existe, deste modo, hipótese de conveniência e oportunidade da administração pública para que um acordo seja celebrado.

 RELEMBRANDO! Cartel é um acordo explícito ou implícito entre empresas concorrentes para, principalmente, fixação de preços ou cotas de produção, divisão de clientes e de mercados de atuação ou, por meio da ação coordenada entre os participantes, eliminação da concorrência e aumento generalizado dos preços dos produtos, obtendo-se maiores lucros, em prejuízo do equilíbrio de mercado e do bem-estar do consumidor.

MODALIDADES DE ACORDOS DE LENIÊNCIA

  1. Leniência prévia (a mais clássica): é aquela que ocorre em situação de existência de um cartel sem que o CADE tenha conhecimento deste. Nesse contexto, uma das empresas pertencentes ao cartel decide manifestar-se perante o CADE, relatando as práticas anticoncorrenciais cometidas tanto pela própria empresa delatora quanto pelas demais participantes do cartel. Essa modalidade de acordo de leniência configura cenário ideal para a atuação do CADE. Este não precisará instaurar um procedimento administrativo e, mesmo assim, desestabilizará um determinado cartel, obtendo uma série de provas e elementos a partir deste, o que, certamente, facilitará a instauração de um processo administrativo. Dificilmente, nesses casos, ocorrerá o arquivamento do processo por falta de elementos comprobatórios.
  2. Leniência concomitante: é o tipo de acordo realizado ao longo do processo de investigação instaurado pelo CADE. Ou seja, o CADE já instaurou o procedimento administrativo, mas por faltas de elementos suficientes para a condenação, aceita celebrar acordo de leniência com determinada empresa.
  3. Leniência plus: caso em que a empresa que não se qualifica para um Acordo de Leniência com relação a um determinado cartel do qual tenha participado (Acordo de Leniência Original), mas que fornece informações acerca de um outro cartel sobre o qual o CADE não tinha conhecimento. Esta empresa celebra um acordo em um processo para obter benefícios a partir de relatos da prática de condutas ilegais de um outros processo, então.

Diante dessas três modalidades de acordos de leniência, mostra-se necessário discutir sobre a imunidade da empresa que celebrou o acordo em cada um desses três cenários de acordo de leniência.

A leniência prévia e a leniência concomitante, em regra, conferem imunidade administrativa e penal ao representado (empresa que celebrou o acordo). A imunidade, nesse caso, é completa. Existem, entretanto, situações em que a autoridade administrativa já tinha informações do ilícito, sobretudo no caso de leniência concomitante, e, assim, a empresa que celebrar o acordo terá uma redução de 1 a 2/3 da multa que seria aplicada normalmente a ela. Ou seja, ao invés de a empresa receber a imunidade administrativa, ela recebe uma redução da multa, mas continua com a imunidade penal garantida.

 IMPORTANTE! Por mais que a empresa celebre o acordo de leniência, este precisa ser ratificado na decisão final do processo administrativo que irá ocorrer no tribunal.

No tocante à leniência plus, somente uma empresa pode celebrar o acordo no processo. Promovido um acordo, nenhuma outra empresa poderá fazê-lo. É o caso da situação hipotética em que uma empresa já esteja sendo investigada por suspeita de cometer prática anticoncorrencial em um processo em que ocorreu acordo de leniência com outra empresa, mas aquela tenha informações de um outro cartel, em um outro mercado. Neste quadro, a empresa que já está sendo investigada solicita ao CADE a celebração de um acordo de leniência do tipo plus, recebendo, assim, toda a imunidade penal e administrativa no processo em que ainda não existia acordo de leniência e, no processo em que a empresa em voga está sendo ré, o CADE poderá conceder-lhe uma redução da multa devida em até 1/3, além da imunidade penal (previsão no art. 86, §7º, da Lei nº 12.529/11).

 

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