No contexto do direito penal brasileiro, a prisão é, sem dúvidas, uma das principais sanções impostas pelo poder judiciário aos investigados, processados e/ou condenados criminalmente.
Mas o que é de fato a prisão, quando pode ser aplicada e de que modo? Buscaremos responder amplamente a todas essas questões e outras relacionadas, sempre no âmbito do direito penal e processual penal.
A prisão nada mais é do que a privação da liberdade de locomoção da pessoa humana, com seu recolhimento a cárcere ou outro local de confinamento autorizado (a exemplo da prisão domiciliar).
É importante termos em mente que a prisão é uma situação de excepcionalidade. O caput do art. 5º da Constituição Federal (CF) determina que a regra é a liberdade do indivíduo. No entanto, quando o uso do direito de ir e vir põe em risco direitos fundamentais de terceiros (vida, segurança, etc.), a própria Constituição relativiza a garantia de liberdade e autoriza a imposição de prisão, em seu art. 5ª, LXI.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;
Veja que o inciso LXI não restringiu o uso da prisão a somente uma área do direito. Embora a prisão por flagrante delito seja claramente ligada ao direito penal e a transgressão e o crime militar sejam ligados ao direito penal militar, a prisão por ordem judicial pode abranger vários campos do direito. Assim, diante dos limites estabelecidos pelas demais normas constitucionais e infraconstitucionais, podemos falar em prisões militares, penais, civis e até administrativas.
Mas, já que estamos interessados apenas nas prisões relacionadas ao direito penal e processual penal, haveremos de nos concentrar nas hipóteses da prisão por flagrante delito e da prisão penal determinada por ordem judicial, observando as normas da Constituição Federal (CF), Código Penal (CP), Código de Processo Penal (CPP), Lei de Execução Penal (LEP), etc.
Podemos dividir as prisões no processo penal em dois tipos, segundo os critérios da sua natureza e do momento de sua decretação: a prisão-pena e a prisão processual.
É a prisão aplicada como pena (sanção) a um indivíduo já considerado culpado pelo cometimento de uma infração penal. Desse modo, possui natureza satisfativa, com o objetivo de realizar a pretensão executória penal do Estado (cumprir o direito do Estado de punir seus condenados).
É decretada após o trânsito em julgado da decisão condenatória que impõe pena privativa de liberdade ao réu, momento em que já não cabem recursos dentro do mesmo processo para contestar o decreto condenatório e em que o réu pode ser considerado definitivamente culpado. O fato de só se poder efetivar a prisão após o trânsito em julgado da sentença condenatória está explícito na Constituição Federal. Apesar disso, o STF tem decidido pela possibilidade de prisão logo após condenação em segunda instância, quando ainda há possibilidade recursal. Este é um tema polêmico que abre espaço para diversos debates e será aprofundado em momento mais oportuno.
A prisão-pena é regulada pelos artigos 32 a 42 do Código Penal e pela Lei de Execução Penal. As espécies de pena são as seguintes:
É a prisão aplicada ao acusado que, quando em liberdade, põe em risco a continuidade de investigação, processo ou execução penal, apresenta boa probabilidade de cometimento de novos delitos ou representa algum risco à sociedade. Desse modo, possui natureza cautelar, com caráter meramente processual, não representando de qualquer modo uma antecipação de pena, tendo em vista que o acusado sequer pode ser considerado definitivamente culpado.
Já que é uma prisão que ocorre no curso do processo, pode ser decretada a qualquer momento da investigação ou do processo penal, até o trânsito em julgado.
Há três tipos de prisão processual previstas na nossa legislação, sobre as quais daremos detalhes mais adiante:
Cabe apontar que todo o tempo que o indivíduo permanecer preso em decorrência de prisão processual será descontado da pena efetivamente imposta ao final do processo, pela aplicação do instituto da detração penal.
Detração penal é o desconto do tempo de prisão provisória ou internação provisória na pena privativa de liberdade, ao início de seu cumprimento. Trata-se de incidente de execução, previsto no art. 66, III, c, da LEP - CAPEZ, Fernando.
E cabe indenização por prisão processual indevida? Usualmente, os tribunais têm entendido que apenas a absolvição não seria suficiente para a indenização do réu. Precedentes do STJ dispõem que, se a prisão processual foi decretada ilegalmente, poderá, sim, haver indenização (REsp nº 220.982/RS). A ilegalidade, nesses casos, trataria-se da inobservância dos requisitos mínimos contidos no CPP, configurando abuso de autoridade e, consequentemente, atividade ilegal.
Sabendo-se que a liberdade de locomoção é direito fundamental previsto na Constituição, é de se esperar que a privação de liberdade, representada pela prisão, observe rigorosos critérios para garantir sua legalidade e evitar abusos e excessos. Vamos estudar alguns desses requisitos a seguir.
O art. 5º, LXI, da CF prevê expressamente que, salvo nos casos de flagrante delito, transgressão militar ou crime propriamente militar, todas as prisões deverão ser determinadas "por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente". A esta ordem chamamos de mandado judicial de prisão ou simplesmente mandado de prisão, que nada mais é do que o título emanado por autoridade judicial que viabiliza a realização da prisão.
Aspectos formais do mandado de prisão (art. 285, CPP):
Duplicata (art. 286, CPP): o mandado de prisão deverá ser composto de duas vias. Uma das vias será destinada ao preso (chamada de nota de culpa), contendo o dia, hora e local do ato. A outra via será destinada à autoridade judicial, contendo a assinatura do preso, e servirá de recibo do cumprimento do ato. Caso o preso não queira, não possa ou não saiba assinar, duas testemunhas deverão atestar a ocorrência do ato nesta segunda via.
Infração inafiançável (art. 287, CPP): é possível realizar a prisão sem a exibição do mandado, caso em que o preso deverá ser imediatamente apresentado ao juiz que expediu o mandado. Atenção: o mandado deve existir; dispensa-se somente sua apresentação no momento da prisão!
Exigência da apresentação de mandado no local da prisão (art. 288, CPP): no recolhimento do indivíduo à prisão, o mandado deverá ser exibido ao diretor ou carcereiro do local, que receberá uma cópia deste assinada pelo executor (quem efetuou a prisão), ou será apresentada a guia expedida por autoridade competente. Nesse momento, deverá ser emitido recibo da entrega do preso, com o dia e hora do recolhimento, o que poderá ser registrado no próprio exemplar do mandado.
Carta precatória (art. 289, CPP): para acusado no território nacional fora da jurisdição do juiz processante, o mandado de prisão deverá ser deprecado com seu inteiro teor. Em caso de urgência, é possível a comunicação do mandado a outro juízo por qualquer meio idôneo (confiável), informando-se o motivo da prisão e o valor da fiança, se arbitrada, desde que verificada sua autenticidade.
Registro do mandado (art. 289-A, CPP): os mandados de prisão devem ser registrados no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o que tem por objetivo fornecer clareza, publicidade, segurança e legitimidade ao ato. O registro deve ser providenciado pelo juiz. No entanto, a falta de registro não impede a realização da prisão, devendo apenas o executor verificar a autenticidade do mandado e comunicar depois a prisão ao juiz que a decretou, para que este providencie tão logo o registro do mandado.
Momento da prisão (art. 291, CPP): entende-se que a prisão em virtude de mandado judicial ocorre quando o executor, diante do réu, apresenta-lhe o mandado e o intima a acompanhá-lo.
Mandados de diligências (art. 297, CPP): para cumprir o mandado de prisão, a autoridade policial pode expedir tantos mandados judiciais para realização de diligências quanto necessários, devendo estes sempre conter o teor do mandado original.
Captura (art. 299, CPP): a existência de mandado de prisão autêntico autoriza a requisição de captura por qualquer meio de comunicação.
A realização da prisão encontra certos obstáculos quanto ao horário de cumprimento do mandado e a possibilidade de violação de domicílio do condenado (trataremos domicílio como "casa" para simplificação). Conforme a leitura conjunta do art. 5º, XI, CF, art. 150, §3º, CP e art. 283, §2º, CPP, é possível entrar sem consentimento na casa do indivíduo nas seguintes hipóteses:
Mas o que podemos entender como casa? Diferente da conceituação fornecida pelo código civil, que é mais abrangente, o art. 150, §§4º e 5º do CP define esse conceito para fins penais:
A expressão "casa" compreende:
A expressão "casa" não compreende:
E qual o conceito de dia? Existem duas correntes doutrinárias a esse respeito.
O mandado de prisão vale como ordem judicial para violação do domicílio?
E se o morador (procurado ou terceiro), após intimação, negar-se a apresentar o acusado?
Antes de invadir a casa, os executores mostrarão e lerão o mandado ao morador ou a quem o represente. Finda a diligência, deve ser lavrado o auto, assinado pelos executores e testemunhas.
Atenção: se os executores não observarem todas as formalidades exigidas por lei, poderão ser processados por abuso de autoridade. Importante ressaltar que se exige legalmente a moderação (não exagero) de perturbação do morador, do procurado e dos vizinhos na procedência do ato de busca e apreensão.
Continuaremos a ver nessa aula algumas noções gerais sobre os tipos de prisão no direito penal e processual penal.
Em caso de flagrante delito ou prisão decretada por qualquer modalidade (prisão-pena ou prisão processual), é possível que o capturando empreenda fuga para se livrar de qualquer reprimenda penal, o que pode desencadear uma perseguição.
Entenderemos que a perseguição ocorre quando (art. 290, §1º, CPP):
Nessa situação, caso a perseguição não seja interrompida, a captura pode ocorrer até mesmo em estado ou município diverso daquele em que iniciada a perseguição, ainda que fora da jurisdição do executor, desde que seja parte do território nacional, conforme o art. 290 do CPP.
Como já tratamos anteriormente, se na perseguição por flagrante delito o capturando entrar em alguma casa, o art. 5º, XI, da CF autoriza o executor a entrar no local, mesmo sem autorização, a qualquer hora do dia ou da noite.
Feita a captura, o preso deve ser apresentado à autoridade policial da seguinte forma:
Caso a autoridade tenha fundado receio contra o executor ou suspeite da legalidade do mandado, poderá manter o preso sob sua custódia até esclarecimento do fato (art. 290, §2º, CPP).
Nesse caso, a lei parece prezar pela realização da medida, e não pelo direito de locomoção.
Como já falamos anteriormente, no caso de prisão que deve ser executada fora da área de jurisdição da autoridade coatora, conforme o art. 289, o mandado deve ser deprecado ao juízo em que se encontra o réu, constando na carta o inteiro teor do mandado. Em caso de urgência, dispensa-se o envio de carta precatória, bastando a comunicação do conteúdo desta por meio hábil e célere (como e-mail ou fax), desde que verificada a autenticidade da ordem judicial. Se o juízo deprecado souber que o acusado se encontra em local de outra jurisdição, poderá, desde então, encaminhar a ordem para o juízo que sabe ser competente para a execução da captura.
Para a realização de prisão fora do país, deverão ser observadas as leis ou tratados internacionais sobre extradição.
Há uma relevante discussão acerca da prisão processual, questionando-se se ela afrontaria ou não o princípio constitucional da presunção de inocência (ou da não-culpabilidade), segundo o qual:
Art. 5º (...)
LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;
Pela leitura da norma acima, entendemos que, durante o curso de investigação ou processo penal, não podemos considerar o indivíduo culpado. E não havendo culpa, não podemos falar em qualquer espécie de punição do indivíduo pela infração penal de que está sendo acusado.
Ocorre que, conforme vimos anteriormente, a prisão processual é justamente aquela decretada no curso de uma investigação policial ou de um processo penal sem trânsito em julgado. Mais: é uma prisão que só existe como decorrência (não obrigatória) da existência dessa investigação ou processo, pois sem esses ela não poderia existir. Isso não faria dela uma prisão inconstitucional, que pune o indivíduo sem que tenha sido comprovada sua culpa?
O entendimento majoritário na doutrina e pacificado atualmente no judiciário brasileiro é que a prisão processual não apresenta qualquer afronta ao princípio constitucional da presunção de inocência, visto que ela possui caráter meramente cautelar. Como já falamos, essa modalidade de prisão buscaria apenas preservar a justiça e a sociedade no curso do processo, não tendo, então, o objetivo de punir o indivíduo e avaliar, ou não, a sua culpa no mérito da investigação ou processo.
Entretanto, cabe apontar que tal entendimento não é unânime. Doutrinadores como Ferrajoli, Geraldo Prado, Aury Lopes Júnior e Paulo Queiroz fazem críticas à prisão preventiva, seja porque as suas hipóteses de aplicação confundem-se com os fundamentos da própria pena, seja porque ela pode ser decretada sem um devido processo legal (sem contraditório e ampla defesa), dentre outros argumentos. Veja um pouco mais!
Já falamos antes que a prisão é situação excepcional na Constituição. Nessa situação, o art. 5º também intenta proteger o indivíduo:
XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;
Diante disso, é certo que o momento da prisão do indivíduo deve ser o menos traumático possível. Para isso, o uso da força deve ser evitado ao máximo, sendo reservado para os casos de resistência ou tentativa de fuga do preso, conforme o CPP:
Art. 284. Não será permitido o emprego de força, salvo a indispensável no caso de resistência ou de tentativa de fuga do preso.
Excessos ou abusos na conduta ou uso desnecessário da força pelo executor da prisão podem configurar abusos de autoridade e outros crimes conexos, como lesão corporal. É importante ressaltar que a necessidade do uso de força não pode ser presumida; deve ser apurada objetivamente a partir de informações dos registros oficiais, policiais e estabelecimentos prisionais.
O uso das algemas é um tema polêmico. Por um lado, elas são instrumentos úteis aos executores da prisão. De outro lado, podem simbolizar humilhação pública para o preso e, em muitos casos, desrespeito à sua pessoa.
Diante disso o Supremo Tribunal Federal estabeleceu critérios mais definidos para o uso de algemas:
Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.
Vale destacar que entendimento firmado por Súmula Vinculante deve ser seguido de forma obrigatória pelos órgãos judiciários e a Administração Pública.
A resistência do preso, por sua vez, pode acarretar crimes de resistência, desobediência ou evasão.
A lei 13.060/14 disciplina o uso de instrumentos de menor potencial ofensivo, que define como:
Art. 4°. Para os efeitos desta Lei, consideram-se instrumentos de menor potencial ofensivo aqueles projetados especificamente para, com baixa probabilidade de causar mortes ou lesões permanentes, conter, debilitar ou incapacitar temporariamente pessoas.
Portanto, são armas e equipamentos que devem preservar a vida e integridade física. A referida lei obriga que o Estado forneça os instrumentos de menor potencial ofensivo para todos os seus agentes (art. 5º).
É certo que, visando à racionalização do uso da força na hora da captura de indivíduo, deve-se priorizar o uso desses instrumentos, especialmente quando não é legítimo o uso de arma de fogo. Ou seja, no caso de: