Sistemas de execução penal

É importante compreender, nesse momento inicial dos estudos, que sanção penal é um gênero do qual pena e medida de segurança são espécies. A pena é a espécie de sanção penal aplicada em desfavor dos imputáveis ou semi-imputáveis, podendo ser executada na forma de pena privativa de liberdade, restritiva de direitos e multa (art. 32 do Código Penal).

Por outro lado, a medida de segurança é a espécie de sanção penal aplicada aos inimputáveis ou semi-imputáveis, podendo ser executada na forma de internação ou tratamento ambulatorial (art. 96 do Código Penal).

Nesse contexto, há dois sistemas que tratam da (im)possibilidade de aplicação concomitante da pena da medida de segurança em desfavor de uma mesma pessoa, por um mesmo fato criminoso, são eles:

  1. Sistema duplo binário (ou pluralista ou via dupla): nesse sistema é possível a aplicação, em uma mesma sentença criminal, de uma pena e de uma medida de segurança contra a mesma pessoa. Desse modo, o condenado teria de cumprir inicialmente a pena privativa de liberdade e, após, ainda poderia ser submetido a uma medida de segurança caso fosse considerado perigoso. Esse sistema não é mais adotado no Brasil desde a promulgação da Lei de Execuções Penais em 1984;
  2. Sistema vicariante: ao contrário do sistema anterior, aqui não é possível que, em uma mesma sentença, o juízo determine o cumprimento de pena privativa de liberdade e a medida de segurança em desfavor de uma mesma pessoa.

Mas atenção! Imagine a seguinte situação hipotética: João é condenado por um crime e cumpre pena privativa de liberdade. Durante o cumprimento dessa pena, há outro processo criminal em desfavor de João, sendo que o Juiz se convence de que João é inimputável. Nesse caso, poderia esse Juiz aplicar uma medida de segurança considerando que João está cumprindo pena privativa de liberdade?

Sim. À luz da jurisprudência do STJ, tratando-se de processos diversos é plenamente possível, não havendo que se falar em ofensa ao sistema vicariante (HC n. 275.635/SP, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 8/3/2016, DJe de 15/3/2016).

Momentos Processuais (fase de conhecimento e fase de execução)

Afinal, o juízo que sentencia o réu, condenando-o, será o mesmo juízo que atuará durante a execução da sanção penal? A resposta é negativa, pois há dois momentos processuais distintos:

  1. Juiz do processo/fase de conhecimento: é o juiz que atua desde o início do processo criminal até o trânsito em julgado da sentença condenatória. Esse juiz proferirá sentença condenatória fixando o quantum da pena, o regime inicial de cumprimento e expedirá o mandado de prisão (se for o caso);
  2. Juiz da execução (Vara de Execuções Penais – VEP): uma vez transitada em julgado a sentença condenatória e cumprido o mandado de prisão (se for o caso), o efetivo cumprimento dessa pena passa a ser competência do juiz da execução. 

Aprofundando o tema, é relevante se inteirar da jurisprudência do STJ:

[…] A competência do Juízo das Execuções só se inicia após a expedição de guia de recolhimento definitiva, portanto, apenas após a prisão do sentenciado.(HC n. 711.011/MG, Quinta Turma, julgado em 15/3/2022, DJe de 21/3/2022).

Logo, o juiz da fase de conhecimento expedirá o mandado de prisão e, somente após seu cumprimento, expedirá uma guia de recolhimento do condenado, sendo esse o momento em que se inicia a competência do juiz da execução.

Quando pode se iniciar o cumprimento da pena?

Um dos temas mais polêmicos do Direito diz respeito à (des)necessidade de trânsito em julgado da condenação para se poder dar início ao cumprimento da pena. Houve três fases em que o entendimento do STF sofreu mutações:

  1. Até fevereiro de 2009: à luz do HC 68.726/STF, embora não transitada em julgado a sentença, seria possível o início do cumprimento da pena a partir da decisão de segundo grau. A justificativa é bastante técnica: após o acórdão proferido em segundo grau, cabe recurso especial e recurso extraordinário, os quais não possuem efeito suspensivo (ou seja, mesmo que esses recursos sejam interpostos, eles não têm o condão de impedir que aquele acórdão produza efeitos);
  2. De fevereiro de 2009 até fevereiro de 2016: a partir do HC 84.078/STF, passou-se a entender que, em respeito ao princípio da presunção da inocência, insculpido no art. 5º, LVII, da CF, somente com o trânsito em julgado é que poderia haver o início do cumprimento da pena.
  3. De fevereiro de 2016 até novembro de 2019: por força do HC 126.292/STF, retomou-se o entendimento segundo o qual seria possível o início do cumprimento da pena a partir da decisão de segunda instância. Em suma, o princípio da presunção da inocência precisa ser sopesado com o princípio da efetividade da função jurisdicional penal. Além disso, a análise fática e probatória só ocorre em primeiro e segundo graus de jurisdição, de modo que os recursos especial e extraordinário só analisam questões de direito (ocorrência de nulidades).
  4. A partir de novembro de 2019: a partir das ADC’s nº 43, 44 e 54, o STF declarou a constitucionalidade do art. 283 do CPP, que, à época, tinha a seguinte redação:

Art.283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.

Assim, o início do cumprimento da pena somente poderia ocorrer após o trânsito em julgado da condenação. Modulando os efeitos dessa decisão, o STF determinou que os juízes da execução analisassem caso a caso, de modo que quem estivesse preso por força de decisão condenatória não transitada em julgado seria posto em liberdade provisória, salvo necessidade de decretação de prisão cautelar.

Existe execução provisória no Brasil?

Preliminarmente, não se pode confundir “execução provisória” da pena com “execução antecipada” da pena:

  • Execução provisória: ocorre quando já há uma decisão condenatória à pena privativa de liberdade que ainda não transitou em julgado e o réu se encontra preso preventivamente aguardando o julgamento do(s) seu(s) recurso(s). Essa hipótese é admitida pelos Tribunais superiores, pois, ao contrário do que pode parecer, a execução provisória é benéfica ao réu, pois permite: (i) incidência da Lei de Execução Penal (art. 2º, parágrafo único, da referida lei); e a (ii) Progressão de regime (Súmula nº 716 do STF). Logo, o período em que o sujeito ficou preso provisoriamente poderá ser contabilizado para progressão do regime.
  • Execução antecipada: ocorre quando se antecipa a execução da pena antes do trânsito em julgado, independentemente da situação do réu (mesmo que o réu não se encontre preso preventivamente). Não visa beneficiar o réu, mas apenas antecipar a condenação que está por vir. Não é admitida no Brasil.
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