A contratualização do direito das famílias

Introdução

Para começar o tema desse curso, é importante relembrarmos o conceito de contrato e entender porque este instituto tão importante é aplicável ao núcleo familiar.

O contrato pode ser definido como um acordo de vontades, em conformidade com a lei, com a finalidade de adquirir, resguardar, transferir, conservar, modificar ou extinguir direitos. Vamos destrinchar o conceito:

  • Acordo de vontades: situação em que as vontades ou intenções das partes envolvidas é convergente, ou seja, encontram-se reunidas com a possibilidade de satisfazer seus objetivos;
  • Em conformidade com a lei: não há que se falar em contrato que tenha por objeto algo ilícito, visto que não é reconhecido pelo ordenamento;
  • Com a finalidade de [...] direitos: os contratos trabalham diretamente com as demais esferas do direito privado, sobretudo o direito das obrigações.
 Sobre este último ponto, vale ressaltar que os objetos dos contratos podem ser de natureza patrimonial ou existencial, proporcionando uma variedade de espécies e cláusulas contratuais. 

O Direito das Famílias, por sua vez, possui uma característica peculiar, visto que regula relações privadas sob a égide familiar, mas também é alvo de normas cogentes de interesse de ordem pública - submetendo-se, inclusive, à interferência estatal.

A doutrina majoritária e o entendimento consolidado é de que o Direito das Famílias possui natureza jurídica de direito privado, com certa limitação na autonomia da vontade.

Privatização das Famílias

O modelo de estruturação familiar sofreu diversas alterações ao longo do tempo, passando de uma célula fortemente subordinada à vontade estatal para um modelo de relações privadas carregadas de autonomia e liberdade individual.

No período anterior à CF/88, as famílias tinham como principais características:

  • A unicidade do modelo familiar (apenas homem + mulher, através de casamento);
  • Desigualdade entre cônjuges (homem como chefe de família);
  • Desigualdade entre os filhos (ideia de "filho bastardo");
  • Indissolubilidade do casamento (aversão ao divórcio).

Após o advento da Constituição Federal, os avanços sociais refletiram-se no ordenamento, permitindo uma redução no intervencionismo do Estado nas relações interpessoais. Dessa forma, observou-se cada vez mais liberdade dos sujeitos de constituírem a família da forma mais conveniente, no espaço da sua liberdade.

Aqui nós temos um ponto-chave para a compreensão do curso: é justamente essa liberdade que permite a aplicação de determinados contratos e acordos que interferem na estrutura familiar. Mas, até que ponto a família pode se modelar por meio de contratos?

Zonas Imunes à Contratualização

Apesar de sua natureza de direito privado, o Direito das Famílias segue alguns preceitos básicos de ordem pública. Por esse motivo, é composto por diversos direitos intransmissíveis, irrevogáveis, irrenunciáveis e indisponíveis.

Tais direitos não podem, portanto, ser objetos de contratualização pelos sujeitos. Essa limitação na autonomia da vontade serve para evitar que o interesse privado se sobreponha aos direitos fundamentais, prejudicando e violando a dignidade da pessoa humana.

Dentre as vedações, estão presentes as seguintes:

  • Proibição da cessão do poder familiar;
  • Proibição da renúncia ao direito de pleitear o estado de filiação;
  • Irrevogabilidade do reconhecimento de filho;
  • Irrenunciabilidade do direito aos alimentos.

O objeto do nosso curso, portanto, será o espectro de direitos que estão no âmbito familiar e que podem ser alvos de contratualização.

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