Prosseguindo com nosso estudo sobre o pragmatismo jurídico, hoje o foco é o consequencialismo, a terceira característica chave deste movimento.

Contexto

O Consequencialismo ou Instrumentalismo é a terceira característica do pragmatismo jurídico e trata da valorização das consequências práticas de uma decisão jurídica, tanto no presente quanto no futuro. Isso significa que, ao tomar uma decisão, o magistrado não só deve considerar o contexto atual graças ao contextualismo, mas também as implicações futuras que essa decisão poderá acarretar.

O consequencialismo valoriza o futuro, pensando nas consequências que poderão acontecer a partir daquela decisão. No âmbito da aplicação das jurisprudências,  especialmente aquelas com força vinculante, critica-se que a lei não tem capacidade de prever todas as consequências possíveis. O consequencialismo trata-se de um olhar para além da solução imediata de um problema, busca-se soluções que tragam utilidade e bem-estar para a sociedade como um todo.

Já o contextualismo trabalha com a análise do presente. Apesar disso, vale ressaltar que ambos os conceitos não são antagônicos entre si, pelo contrário, os dois devem ser levados em consideração.

Hard cases

“Hard cases” são demandas “difíceis”, onde uma decisão judicial sobre o assunto pode ter duas soluções válidas, porém com consequências fortes, que devem ser resolvidas por meio da ponderação minuciosa dos potenciais efeitos.

O consequencialismo é muito importante para o movimento dos Hard Cases, estudado por Hart, que defende ser preciso levar em conta não apenas os aspectos jurídicos, mas também os elementos socioculturais.

Abaixo, citamos um exemplo de Hard Case enfrentado pelo Superior Tribunal de Justiça. Ve-se o STJ utilizar o princípio da proporcionalidade, reconhecendo todos os conflitos e a necessidade de uma decisão que seja justa e eficaz.

Nesse sentido, destaco do julgado impugnado (fls. 158/159): No caso concreto, é possível que a criança tenha direito a receber tutela jurisdicional favorável a seu interesse, com fundamento em princípios contidos na Lei Maior, ainda que nenhuma regra infraconstitucional vigente apresente solução para o caso.

Para a solução desse tipo de caso, denominado por R. Dworkin como hard case (caso difícil), não se deve utilizar argumentos de natureza política, mas apenas argumentos de princípio.

O pedido de fornecimento do medicamento à menor (direito a prestações estatais stricto sensu direitos sociais fundamentais) traduz-se, in casu, no conflito de princípios: de um lado, os da dignidade humana, de proteção ao menor, do direito à saúde, da assistência social e da solidariedade e, de outro, os princípios democrático e da separação dos Poderes.

A concretização das normas constitucionais implica um processo que vai do texto da norma (do seu enunciado) para uma norma concreta, norma jurídica – que, por sua vez, será um resultado intermediário em direção à norma decisão (resultado final da concretização). (J. J Gomes Canotilho e F. Müller).

Pelo modelo síntese de ponderação de princípios (Alexy), o extremo benefício que a determinação judicial para fornecimento do medicamento proporciona à menor faz com que os princípios constitucionais da solidariedade, da dignidade humana, de proteção à saúde e a criança prevaleçam em face dos princípios democrático e da separação de poderes, minimamente atingidos no caso concreto.[v]

Recurso Especial 948944/SP – STJ – julgado em 2007.

Os hard cases são ilustrativos do consequencialismo porque desafiam a aplicação de uma decisão puramente baseada em normas jurídicas abstratas. Eles exigem uma ponderação entre potenciais soluções e a realidade concreta, demandando uma aplicação de métodos interpretativos que sejam tangíveis e gerem resultados positivos e palpáveis.

Seguindo nosso conteúdo, vamos, agora, tratar mais profundamente sobre os hard cases e seus desdobramentos.

Os Hard Cases tratam-se de casos tão complexos que abarcam mais de uma solução, e elas podem gerar transtornos e conflitos entre si.

Para solucionar um hard case utilizando a interpretação consequencialista, é necessário passar por CINCO ETAPAS:

  1. Definir o que é bom;
  2. Definir o que é ruim;
  3. Opções disponíveis;
  4. O quanto de bom e ruim há em cada opção;
  5. Selecionar a melhor opção.

Para que possamos enxergar melhor a aplicação dessas etapas, vamos realizar um exercício analisando um caso que costuma ser comum: danos ambientais causados por iniciativas econômicas.

Hard case: Uma empresa deseja instalar uma indústria petroquímica numa região ambientalmente sensível.

O que é bom? Possibilitar a instalação da indústria sem destruir o meio

O que é ruim? A indústria não ter uma boa funcionalidade, não alcançar seu objetivo econômico e o meio ambiente ser danificado.

Quais opções estão disponíveis?

  1. Instalar a indústria e não pensar nos danos ambientais;
  2. Não instalar a indústria e priorizar a proteção ao meio ambiente;
  3. Equilibrar a instalação da indústria com a proteção ao meio ambiente.

O quanto de bom e ruim há em cada opção?

  1. Só se importar com a instalação da indústria - 100% de progresso capitalista e 0% de proteção natural. Pode causar danos ambientais irreversíveis.
  2. Só se importar com a proteção ao  meio ambiente - 100% de proteção natural e 0% de progresso capitalista. Pode travar o desenvolvimento econômico da cidade.
  3. Equilibrar a instalação da indústria com a proteção do meio ambiente - 50% de proteção natural e 50% de progresso capitalista. Um exemplo de uma solução é encontrar uma tecnologia menos invasiva.

Qual a melhor opção?

3. Equilibrar a instalação da indústria com a proteção do meio ambiente.

Lembrando que, na prática, cada situação vai demandar uma análise muito mais profunda, considerando fatores que influenciam a escolha das opções disponíveis, aplicando-se conceitos de interpretação e análise pragmática.

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