Introdução

Em um primeiro momento, a mobilidade urbana pode ser apresentada enquanto deslocamento físico-social condicionante ou resultante das relações socioespaciais, inseridas em um contexto histórico, no qual o deslocamento físico-geográfico, por meio de transportes, materializa uma de suas expressões. Segundo Kleiman:

A mobilidade pode, então, ser atribuída como um recurso social importante e integrante da sociedade, isto é, diretamente relacionado ao deslocamento de pessoas entre as diferentes hierarquias socioespaciais. Assim os fatores principais que vão interferir diretamente na mobilidade que envolve, principalmente, a renda, mas também o tipo de ocupação laboral, gênero, idade, e, igualmente o tipo de modal de transporte existente em cada lugar. Tais fatores socioeconômicos diferenciam e determinam as condições de cada pessoa ou grupo social de se movimentar pelo espaço urbano.

No Brasil, a lei que regula a mobilidade urbana é a lei 12.587/12 que tem como objetivos contribuir para o acesso universal à cidade, o fomento e a concretização das condições que contribuam para a efetivação dos princípios, objetivos e diretrizes da política de desenvolvimento urbano, por meio do planejamento e da gestão democrática do Sistema Nacional de Mobilidade Urbana, conforme o art. 2º da referida Lei.

Sistema Nacional de Mobilidade Urbana e Infraestrutura

O art. 3º define o que é o Sistema Nacional de Mobilidade Urbana:

Art. 3º O Sistema Nacional de Mobilidade Urbana é o conjunto organizado e coordenado dos modos de transporte, de serviços e de infraestruturas que garante os deslocamentos de pessoas e cargas no território do Município.

A definição pontua, em primeiro lugar, que trata-se de um conjunto composto por três elementos: os modos (ou modais) de transporte, os serviços, e as infraestruturas — elementos detalhados nos parágrafos 1º a 3º. Em segundo lugar, afirma a necessidade de que esse conjunto conte com uma coordenação e uma organização; e, em terceiro lugar, que esse conjunto garante dois tipos de deslocamentos no território do Município: o deslocamento de pessoas e o de cargas. Os parágrafos 1º, 2º e 3º detalham o que está contido no caput.

§ 1º São modos de transporte urbano:

I - motorizados; e

II - não motorizados.

O parágrafo primeiro subdivide os modos de transporte urbano em dois tipos: (i) os motorizados e (ii) os não motorizados não entrando nos pormenores a respeito de cada um, ou exemplificando cada caso.

O parágrafo terceiro elenca quais são as infraestruturas de mobilidade urbana referidas no caput como integrantes do sistema:

§3° São infraestruturas de mobilidade urbana:

I    - vias e demais logradouros públicos, inclusive metroferrovias, hidrovias e ciclovias;

II    - estacionamentos;

III    - terminais, estações e demais conexões;

IV    - pontos para embarque e desembarque de passageiros e cargas;

V - sinalização viária e de trânsito;

VI    - equipamentos e instalações; e

VII    - instrumentos de controle, fiscalização, arrecadação de taxas e tarifas e difusão de informações.

Este parágrafo pode parecer de pouca importância,  pois estamos ainda nas disposições gerais da lei, em que não se encontram comandos, mas apenas explicações, classificações, e disposições muito amplas quanto a objetivos, diretrizes e princípios relativos à mobilidade urbana. Contudo, este simples parágrafo, o § 3º do art 3º, demonstra de forma indireta como o tema do transporte não motorizado foi tratado de forma deficiente na lei, ou, pelo menos, de forma bastante superficial. Quando buscamos, nos incisos do § 3º, infraestruturas pensadas para quem se desloque a pé ou de bicicleta, o pedestre e o ciclista, encontramos explicitamente apelas “ciclovias”, ao final do inc. I.

Definições

O art. 4º traz as definições de termos tratados na Lei; encontra-se no capítulo I, na seção I, após as disposições gerais. Verifiquemos, então, como a lei define os termos os quais considera importantes a ponto de defini-los. Sabemos que as definições podem acabar por restringir muito, e que por isso, muitas vezes é melhor deixar que a definição seja bastante ampla, de modo a abarcar variações as quais contempladas não seriam por definições detalhadas em excesso. Isso não quer dizer, porém, que as definições legais devam ser de tal modo amplas que pouco esclareçam sobre o conteúdo da palavra ou expressão.

Art. 4º Para os fins desta Lei, considera-se:

- transporte urbano: conjunto dos modos e serviços de transporte público e privado utilizados para o deslocamento de pessoas e cargas nas cidades integrantes da Política Nacional de Mobilidade Urbana;

- mobilidade urbana: condição em que se realizam os deslocamentos de pessoas e cargas no espaço urbano;

- acessibilidade: facilidade disponibilizada às pessoas que possibilite a todos autonomia nos deslocamentos desejados, respeitando-se a legislação em vigor;

- modos de transporte motorizado: modalidades que se utilizam de veículos automotores;

- modos de transporte não motorizado: modalidades que se utilizam do esforço humano ou tração animal;

- transporte público coletivo: serviço público de transporte de passageiros acessível a toda a população mediante pagamento individualizado, com itinerários e preços fixados pelo poder público;

- transporte privado coletivo: serviço de transporte de passageiros não aberto ao público para a realização de viagens com características operacionais exclusivas para cada linha e demanda;

- transporte público individual: serviço remunerado de transporte de passageiros aberto ao público, por intermédio de veículos de aluguel, para a realização de viagens individualizadas;

- transporte urbano de cargas: serviço de transporte de bens, animais ou mercadorias;

- transporte motorizado privado: meio motorizado de transporte de passageiros utilizado para a realização de viagens individualizadas por intermédio de veículos particulares;

- transporte público coletivo intermunicipal de caráter urbano: serviço de transporte público coletivo entre Municípios que tenham contiguidade nos seus perímetros urbanos;

- transporte público coletivo interestadual de caráter urbano: serviço de transporte público coletivo entre Municípios de diferentes Estados que mantenham contiguidade nos seus perímetros urbanos; e

- transporte público coletivo internacional de caráter urbano: serviço de transporte coletivo entre Municípios localizados em regiões de fronteira cujas cidades são definidas como cidades gêmeas.

Princípios

O art. 5º inaugura a seção II do capítulo I da lei, trata dos princípios que fundamentam a Política Nacional de Mobilidade Urbana.

Art. 5º A Política Nacional de Mobilidade Urbana está fundamentada nos seguintes princípios:

I    - acessibilidade universal;

II    - desenvolvimento sustentável das cidades, nas dimensões socioeconômicas e ambientais;

III    - equidade no acesso dos cidadãos ao transporte público coletivo;

IV    - eficiência, eficácia e efetividade na prestação dos serviços de transporte urbano;

V    - gestão democrática e controle social do planejamento e avaliação da Política Nacional de Mobilidade Urbana;

VI    - segurança nos deslocamentos das pessoas;

VII    - justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do uso dos diferentes modos e serviços;

VIII    - equidade no uso do espaço público de circulação, vias e logradouros; e

IX - eficiência, eficácia e efetividade na circulação urbana.

O artigo Art. 5º da Lei 12597/2012 traz algum avanço ao definir como princípio da política a “justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do uso dos diferentes modos e serviços” e a “equidade no uso do espaço público de circulação, vias e logradouros”. De forma subjacente, portanto, a lei imprime um princípio de equidade na execução da Política de Mobilidade Urbana pelos municípios, no sentido de reconhecer a existência de determinadas desigualdades tanto no uso do espaço público (vias e logradouros) como na externalização dos custos do uso dos diferentes modos de transportes (entre o transporte público e individual motorizado, por exemplo).

Como se sabe, o uso intensivo dos meios de transporte individual motorizado constitui importante fonte de externalidades negativas ao meio urbano (poluição e congestionamento), com impactos econômicos, sociais e ambientais. A inserção dessa noção de equidade na lei avança no sentido de buscar uma correção das externalidades negativas geradas pelos meios de transporte urbano, sobretudo pelo uso intensivo dos automóveis. Ao explicitar esse princípio no corpo da lei, cria-se respaldo jurídico para que municípios implantem políticas de taxação ou subsídio, no sentido de priorizar modos de transporte mais sustentáveis e ambientalmente amigáveis (e.g. “pedágios urbanos”, cobrança de estacionamento na via pública, subsídio às tarifas etc.).

Plano de Mobilidade Urbana

O Plano de Mobilidade Urbana Sustentável (PMUS) é um instrumento de internalização das diretrizes, dos objetivos e dos princípios gerais da Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei Nº 12.587/2012).

Ele tem como finalidade traduzir os objetivos de melhoria da mobilidade urbana local em metas, ações estratégicas e recursos materiais e humanos. É um instrumento de gestão pública que visa orientar as ações, os projetos e os investimentos em mobilidade urbana.

A criação do PMUS se dá de forma participativa, com atuação de diferentes atores sociais (usuários, poder público, setor privado e sociedade civil organizada). Será elaborado a partir de uma visão clara do papel exercido pelo sistema de mobilidade urbana na construção e desenvolvimento da cidade, de acordo com o Plano Diretor, identificando os pontos de interface e as inter-relações mútuas com a ordenação do uso do solo e com a qualidade ambiental local, regional e global.

O PMUS tem como princípios fundamentais:

  1. Integração dos sistemas de mobilidade urbana; e
  2. Prioridade ao transporte público coletivo e incentivo aos modos não motorizados.

O PMUS visa priorizar o transporte coletivo e os modos ativos (a pé e bicicleta), dando mais qualidade e rapidez às viagens, contribuindo com uma mobilidade mais sustentável.

Os projetos indicados pelo PMUS buscarão diminuir a necessidade do uso dos automóveis, minimizando os efeitos de engarrafamento e poluição sonora e atmosférica. O plano prioriza as pessoas, assumindo que seu tempo de deslocamento é precioso, devendo ser o menor possível e realizado com a melhor qualidade.

Portanto, o PMUS buscará contemplar intervenções voltadas à segurança e infraestrutura viária, com ciclovias sinalizadas, calçadas acessíveis e pavimentadas, iluminação adequada, pontos de ônibus cobertos e oferta de transporte coletivo adequada às necessidades população.

O Plano de Mobilidade Urbana deve colocar em prática os princípios, objetivos e diretrizes da Política Nacional da Mobilidade Urbana. Um plano de mobilidade efetivo é produto e ferramenta do planejamento sistêmico da mobilidade urbana do município, agrega os instrumentos de promoção da acessibilidade à cidade e os princípios de desenvolvimento sustentável. 

Além dos princípios, objetivos e diretrizes da lei, o Plano de Mobilidade deve contemplar:

I - os serviços de transporte público coletivo;

II - a circulação viária; 

III - as infraestruturas do sistema de mobilidade urbana; 

IV - a acessibilidade para pessoas com deficiência e restrição de mobilidade; 

V - a integração dos modos de transporte público e destes com os privados e os não motorizados; 

VI - a operação e o disciplinamento do transporte de carga na infraestrutura viária;

VII - os polos geradores de viagens; 

VIII - as áreas de estacionamentos públicos e privados, gratuitos ou onerosos; 

IX - as áreas e horários de acesso e circulação restrita ou controlada; 

X - os mecanismos e instrumentos de financiamento do transporte público coletivo e da infraestrutura de mobilidade urbana; e 

XI - a sistemática de avaliação, revisão e atualização periódica do Plano de Mobilidade Urbana em prazo não superior a 10 (dez) anos.

A Lei 14.000/20 trouxe algumas alterações nos parágrafos do art. 24, que elenca os tópicos a serem abordados pelo Plano de Mobilidade Urbana. Vejamos:

§ 1º Ficam obrigados a elaborar e a aprovar Plano de Mobilidade Urbana os Municípios:

I - com mais de 20.000 (vinte mil) habitantes;

II - integrantes de regiões metropolitanas, regiões integradas de desenvolvimento econômico e aglomerações urbanas com população total superior a 1.000.000 (um milhão) de habitantes;

III - integrantes de áreas de interesse turístico, incluídas cidades litorâneas que têm sua dinâmica de mobilidade normalmente alterada nos finais de semana, feriados e períodos de férias, em função do aporte de turistas, conforme critérios a serem estabelecidos pelo Poder Executivo.

§ 1º-A. O Plano de Mobilidade Urbana deve ser integrado e compatível com os respectivos planos diretores e, quando couber, com os planos de desenvolvimento urbano integrado e com os planos metropolitanos de transporte e mobilidade urbana.

§ 4º O Plano de Mobilidade Urbana deve ser elaborado e aprovado nos seguintes prazos:

I - até 12 de abril de 2022, para Municípios com mais de 250.000 (duzentos e cinquenta mil) habitantes;

II - até 12 de abril de 2023, para Municípios com até 250.000 (duzentos e cinquenta mil) habitantes.

§ 7º A aprovação do Plano de Mobilidade Urbana pelos Municípios, nos termos do § 4º deste artigo, será informada à Secretaria Nacional de Mobilidade e Serviços Urbanos do Ministério do Desenvolvimento Regional.

§ 8º Encerrado o prazo estabelecido no § 4º deste artigo, os Municípios que não tenham aprovado o Plano de Mobilidade Urbana apenas poderão solicitar e receber recursos federais destinados à mobilidade urbana caso sejam utilizados para a elaboração do próprio plano.

§ 9º O órgão responsável pela Política Nacional de Mobilidade Urbana deverá publicar a relação dos Municípios que deverão cumprir o disposto no § 1º deste artigo.

 

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