Origens da Seguridade Social no Brasil

Pinçamos as origens históricas da seguridade social no mundo para entendermos que elas têm conexão direta com as práticas adotadas no direito brasileiro, assim como grande parte de outras questões do ordenamento jurídico doméstico que bebeu de fontes internacionais. Não obstante, no Brasil a proteção social evoluiu analogamente ao plano internacional.

De início, foi privada e voluntária, passou para a formação dos primeiros planos mutualistas e, a posteriori, voltou-se à intervenção cada vez maior por parte do Estado.

Carta Imperial de 1824

Um dos primeiros institutos de relevância para o estudo da seguridade social no Brasil é a Carta Imperial de 1824, a nossa primeira Carta Constitucional. O dispositivo consagrou a figura dos socorros públicos aos indivíduos vulneráveis que necessitavam de assistencialismo de saúde pública, socorros estes considerados os embriões das Santas Casas de Misericórdia. Devido ao seu caráter assistencial, a Carta Imperial é vista, em muitos concursos públicos, como o embrião da seguridade social no Brasil.

Outras fontes legais importantes

Além disso, no seio da Constituição Imperial, merecem destaque outros seis institutos:

  1. Código Comercial (1850): direito de manutenção do salário durante três meses em hipótese de acidente imprevisto e inculpado.
  2. Regulamento 737 (1850): garantia do salário por até três meses de empregados vítimas de acidentes de trabalho.
  3. Decreto 2.711 (1860): custeio dos montepios (a serem estudados a seguir) e das sociedades de socorros mútuos.
  4. Decreto 9.912-A (1888): concessão aos empregados dos Correios o direito à aposentadoria, quando completassem 60 anos de idade e 30 anos de serviço.
  5. Decreto 9.212 (1889): criação do montepio obrigatório para os empregados dos Correios.
  6. Decreto 221 (1890): instituição do direito à aposentadoria para os empregados da Estrada de Ferro Central do Brasil.

Plano de Benefícios dos Órfãos e Viúvas dos Oficiais da Marinha

Outro instituto interessante, anterior à Carta Imperial, era o Plano de Benefícios dos Órfãos e Viúvas dos Oficiais da Marinha, de 1795.

Esse mecanismo detinha um funcionamento similar ao dos contratos de seguro marítimo que estudamos anteriormente, bem como ao do dispositivo atual que conhecemos como pensão por morte no Brasil. Quando os oficiais morriam em serviço, eles teriam a segurança de que seus entes familiares – viúva e órfãos – seriam assistidos pelo Estado e manteriam seu sustento assegurado.

Montepios

Na sequência, os montepios eram outro instituto histórico da seguridade social no Brasil, associações criadas com o objetivo de assegurar tutela securitária para uma determinada categoria. Dentre os diversos elementos oriundos da vinda da Coroa Portuguesa ao Brasil em 1808, a importação de itens da legislação portuguesa ao ordenamento brasileiro deu origem ao instituto do montepio da guarda, criado para a guarda pessoal de D. João VI.

Esse montepio previa que, ao se aposentarem por desgaste físico ou tempo de contribuição, os guardas pessoais de D. João VI seriam assistidos por uma aposentadoria.

A partir da década de 1830, começou a expansão dos montepios para abarcar a proteção de outras categorias, de modo orgânico, por organização própria, em face de muita luta e reivindicação populacional clamando por maior seguridade social e mais direitos sociais. Os trabalhadores, independentemente, organizavam o recolhimento de valores para, a posteriori, gozaram de certa segurança. O mais comum, nesses casos, era a busca da concessão de pensão por morte para o sustento dos dependentes do falecido trabalhador.

Montepio Geral de Economia dos Servidores do Estado (MONGERAL)

No ano de 1835, foi criado o MONGERAL – Montepio Geral de Economia dos Servidores do Estado, conhecido como o marco do surgimento da previdência complementar brasileira, oferecendo planos contributivos com características de facultatividade e mutualismo. O MONGERAL foi o maior montepio de que se tinha conhecimento, voltado aos servidores públicos do Estado – isto é, todos os seus funcionários, dado que à época não havia regulamentação nem legislação que estipulassem de facto quem era um servidor efetivo.

Constituição da República de 1891

Com a Constituição da República de 1891, temos a primeira Carta Magna que consagra o vocábulo aposentadoria. O dispositivo assegurou a aposentadoria por invalidez aos funcionários públicos, gerando, consequentemente, grande distinção entre estes e outros trabalhadores. Isso, somado à criação do MONGERAL, demonstrava a já latente capacidade de organização e o evidente poder de barganha dos servidores públicos.

Decreto Legislativo n. 3.724/1919

Por fim, outra figura interessante foi o Decreto Legislativo n. 3.724/19 (1919), conhecido, hoje, como a primeira legislação sobre acidente do trabalho. O dispositivo previa uma indenização, a qual estava a cargo do empregador, nos casos em que houvesse acidente de trabalho, e que era devida ao empregado ou à sua família (se o acidente provocasse morte).

Lei Eloy Chaves

Um dos institutos de maior relevância para o histórico da seguridade social no Brasil é a Lei Eloy Chaves, de 1923, isto é, o Decreto Legislativo 4.862/23. O Decreto leva o nome de Eloy Chaves devido à atuação do Deputado Eloy Marcondes de Miranda Chaves, que redigiu o decreto em resposta aos anseios da categoria de ferroviários, vítima constante de acidentes e de desgastes físicos.

Considerada a base da previdência social brasileira, a Lei Eloy Chaves consolidou a base do sistema previdenciário brasileiro, a partir da criação da Caixa de Aposentadorias e Pensões para os empregados das empresas ferroviárias, que os concedia ajuda médica, aposentadoria, pensões para dependentes e auxílio funerário. O dia de sua promulgação, 24 de janeiro, tornou-se o dia nacional da previdência social.

  • Benefícios:
    • Aposentadoria ordinária (por tempo de serviço);
    • Aposentadoria por invalidez;
    • Pensão por morte;
    • Indenização por acidente de trabalho;
    • Assistência médica de responsabilidade das empresas.
  • Custeio: formatação bipartite, efetuada pelos próprios trabalhadores e pelas empresas das estradas de ferro; não havia, pois, contribuição do Estado.
  • Gestão: Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs) organizadas por empresa, cada qual possuindo a sua própria CAP.

Extensão da Lei Eloy Chaves - CAPs

Ao longo dos anos 20, houve extensão orgânica, não formal, do sistema previdenciário a outras categorias. Sem estipulação legislativa para tal, as categorias desamparadas pela Lei Eloy Chaves reivindicaram extensão da proteção assegurada pelo sistema de CAPs. Ocorreu, assim, um processo de criação desordenada de novas CAPs por empresas. No ano de 1926, por exemplo, os benefícios do Decreto 4.862/23, que antes só abarcavam trabalhadores ferroviários, estendem-se aos empregados das empresas portuárias e marítimas.

Lei de Férias e Lei de Regulamentação do Trabalho de Menores

Ainda na segunda metade dessa década, foram introduzidas outras duas leis interessantes para a legislação social e o aprimoramento das questões trabalhistas e previdenciárias:

Lei de Férias (1925)

Obrigava os empresários a concederem 15 dias de férias a seus empregados, sem prejuízo do ordenado.

Lei de Regulamentação do Trabalho de Menores (1926/27)

O Código do Menor estipulava a maioridade a partir dos 18 anos, limitava a idade de trabalho a partir dos 14 anos e propunha uma jornada de trabalho de 6 horas.

Institutos de Aposentadora e Pensões (IAPs)

A tutela da organização previdenciária, conforme visto anteriormente, iniciou-se com os CAPs, destinados aos empregados ferroviários, depois se expandindo para outras categorias.

Já em 1930, foram criados os Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs), responsáveis por unificar e sistematizar a organização previdenciária por categorias profissionais, e não mais por empresas. Isso representa uma mudança de paradigma na legislação social. Além disso, institui-se, agora, a tríplice fonte de custeio, incluindo Estado, empregadores e empregados, em substituição à formatação bipartite.

Constituições da República de 1934 e de 1937 - Era Vargas

O Governo Vargas foi um importante marco histórico e jurídico para o Direito do Trabalho e a Seguridade Social. A Constituição Getúlio Vargas, de 1934, primeira Carta Magna brasileira do constitucionalismo social, institui, segundo a hierarquia de normas, a obrigatoriedade de respeito, proteção e promoção dos direitos sociais previstos constitucionalmente, bem como consolida a tríplice fonte de custeio.

Na sequência, a Constituição de 1937 (Polaca), outorgada por Getúlio Vargas no Estado Novo, embora não tenha trazido mudanças substanciais em matéria previdenciária, foi fundamental ao positivar a expressão seguro social em suas disposições terminológicas.

Constituição da República de 1946

Por fim, a Constituição Democrática, de 1946, inaugura um dos princípios da seguridade social, o de pré-existência do custeio. Esse princípio visa a manter o equilíbrio da seguridade social, impedindo que benefícios ou serviços desta sejam criados ou majorados sem que, anteriormente, estejam estabelecidas as correspondentes fontes de custeio e/ou financiamento das prestações de assistência, saúde, previdência etc.

Leis Infraconstitucionais relevantes para a seguridade social

Lei Orgância da Previdência - 1960

Após pinçarmos as Constituições de relevância para o desenvolvimento da seguridade social no século XX, devemos citar a Lei Orgânica da Previdência, Lei n. 3.807/1960, de caráter infraconstitucional, criada com o objetivo de unificar as legislações irregulares ao redor do território brasileiro sobre organização previdenciária, visto que ficavam a cargo das categorias profissionais. Essa legislação nos traz, portanto, um processo de uniformização da legislação previdenciária, antes sujeita às normas elaboradas por cada IAPs.

Decreto n. 72/1966 - Instituto Nacional de Previdência Social

Com o Decreto n. 72/1966, cria-se o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), órgão resultante da fusão de:

(a) institutos de aposentadoria e pensões do setor privado então existentes – marítimos (IAPM), comerciários (IAPC), bancários (IAPB), industriários (IAPI), empregados em transportes e cargas (IAPETEC) e ferroviários e empregados em serviços públicos (IAPFESP) – e

(b) serviços integrados e comuns a esses institutos, tais como o Serviço de Assistência Médica Domiciliar e de Urgência (SAMDU) e o Serviço de Alimentação da Previdência Social.

O INPS, portanto, integrava o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social (Sinpas) e concedia e/ou mantinha benefícios a empregados e empregadores urbanos e rurais e a seus dependentes, que consistiam em: aposentadorias (invalidez, velhice ou tempo de serviço); pensões; auxílios (natalidade, doença, funeral etc.); abonos, pecúlios, salários-família; salários-maternidade; e seguros por acidente de trabalho.

Nesse sentido, a substituição dos IAPs pelo INPS complementou a Lei Orgânica, passando a cuidar dos benefícios da seguridade social e gerando a uniformização institucional, dado que, agora, todas as categorias profissionais seriam assistidas pelo INPS.

Estatuto do Trabalhador Rural - 1963

Por outro lado, a seguridade nem sempre foi unificada em se tratando de trabalhadores urbanos e rurais. Em 1963, por exemplo, havia o Estatuto do Trabalhador Rural, o FUNRURAL, correspondente à Lei n. 4.214/63, que assegurava, além de normativa própria para o trabalhador rural, um fundo próprio para seus benefícios (menores do que os direitos dos trabalhadores urbanos). Hoje, há unificação legislativa em torno dessas dissonâncias, corrigindo tais falhas e preconizando distinções positivas em matéria previdenciária, como o menor tempo de contribuição do trabalhador rural, em decorrência de seu maior desgaste físico no labor.

Lei n. 6.036/1974 - Ministério da Previdência e Assistência Social - 1974

Por fim, a Lei n. 6.036/1974 criou o Ministério da Previdência e Assistência Social, desmembrado do Ministério do Trabalho e Previdência Social (que incorporava as agendas de indústria, trabalho e comércio). A instituição ficou responsável por administrar os direitos ao seguro social do contribuinte – hoje estabelecidos no art. 6º da CF/88 – e transferir a renda da previdência social. Em outubro de 2015, a pasta foi fundida novamente com Trabalho e Emprego, formando o Ministério do Trabalho e Previdência Social (MTPS). Hoje, suas atribuições estão a cargo dos Ministérios da Cidadania e da Economia.

Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social

A Lei n. 6.439/77 institui o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social (Sinpas), o primeiro sistema de seguridade social no Brasil, que consolidou a ideia da seguridade composta por três esferas: saúde, assistência e previdência. Sob sua égide, foram criadas instituições públicas, bem como redistribuídas funções entre órgãos já existentes:

  • Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS): saúde;
  • Legião Brasileira de Assistência (LBA): assistência social;
  • Instituto Nacional de Previdência Social (INPS): agora somente previdência;
  • Instituto de Administração Patrimonial da Previdência Social (IAPAS): custeio da seguridade social, inclusive a competência que antes cabia ao INPS;
  • Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social (DATAPREV): empresa de processamento de dados da previdência social, que ainda existe, anteriormente vinculada ao Ministério da Fazenda, e agora ao Ministério da Economia;
  • Central de Medicamentos (CEME): fornecimento de medicamentos;
  • Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM): incorporação do Serviço de Assistência a Menores, cuidando de jovens no sistema socioeducativo.

Seguridade Social contemporâneamente 

Instituto Nacional do Seguro Social (INSS)

O conceito de seguridade social e seu sistema como concebemos hoje, um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, previdência e assistência social, estão previstos nos arts. 194 a 204 da Constituição Federal de 1988. Com o Decreto n. 99.350/1990, cria-se o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), oriundo da fusão entre INPS e IAPAS; e, em 1995, com a extinção do LBA, suas funções se dirigem ao INSS.

Sistema única de Saúde (SUS)

Também em 1990, institui-se o Sistema Único de Saúde (SUS), criado pela Lei n. 8.080/90, e em funcionamento a partir de 1993, após a extinção do INAMPS.

Sistema Único de Assistência Social (SUAS)

Por fim, o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) é instituído pela Lei n. 8.742/93, também conhecida como Lei Orgânica da Assistência Social.

Outros elementos normativos relevantes

Podemos listar, ainda, outros elementos mais contemporâneos interessantes nessa seara:

  • Lei n. 8.212/1991: custeio da seguridade social;
  • Lei n. 8.213/1991: benefícios da previdência social;
  • Decreto n. 3.048/1999: Regulamento da Previdência Social;
  • Emendas Constitucionais nº 20 de 1998, 41 de 2003 e 47 de 2005: alteração de dispositivos constitucionais referentes ao sistema de previdência social;
  • Medida Provisória n. 258/2005: criação da Super Receita, que institui que o custeio seja retirado do INSS e destina a competência à Secretaria da Receita Federal (SRF);
  • Leis n. 13.134 e 13.135/2015: modificações nas leis de custeio e benefícios da previdência (8.212 e 8.213), conhecidas como Mini Reformas da Previdência;
  • Emenda Constitucional 103/2019: Reforma da Previdência.
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