Contrato de Comodato

Considerações introdutórias

Começamos aqui o estudo de mais um contrato em espécie previsto no Código Civil de 2002: o empréstimo. Esse contrato pode ser definido como o negócio jurídico no qual existe a entrega de uma coisa por uma pessoa a outra, de modo gratuito, implicando, para a pessoa que recebeu a coisa entregada, a obrigação de devolver tal coisa ou outra substância, desde que da mesma espécie e quantidade.

A respeito de sua natureza jurídica, podemos classificar o contrato de empréstimo como:

  • Unilateral, pelo fato de gerar obrigação para apenas uma das partes.
  • Gratuito, em virtude da inexistência de correspondência entre os ganhos e perdas.
  • Comutativo, pois as partes têm ciência prévia das prestações envolvidas.
  • Reais, uma vez que, de maneira diferente dos contratos consensuais, o aperfeiçoamento do contrato acontece pela entrega (tradição) da coisa emprestada.

De acordo com o que é previsto pela nossa codificação, o negócio jurídico do empréstimo abarca duas espécies: o comodato e o mútuo, que passam a ser analisadas separadamente.

O comodato (artigos 579 a 585 do Código Civil)

CC, art. 579. O comodato é o empréstimo gratuito de coisas não fungíveis. Perfaz-se com a tradição do objeto.

No comodato, temos a característica de ser um empréstimo de uso, uma vez que, por se tratar de coisa infungível e inconsumível, o bem emprestado deve ser restituído ao término do contrato. Por conta da natureza necessária para que algo se torne objeto de uma celebração de comodato, é possível que esse seja tanto bem móvel como bem imóvel, já que, em ambos os casos, podemos ter um bem infungível.

O contrato de comodato pode ser descrito como sendo intuitu personae, isto é, um contrato que leva em consideração a pessoa presente na parte com a qual se contrata, o que evidencia a importância da confiança depositada no comodatário (parte que recebe a coisa) pelo comodante (parte que empresta a coisa).

O supracitado artigo 579 do CC deixa clara a necessidade da tradição do objeto para que o comodato se perfaça. Quanto a isso, é possível que se suscite dúvidas com relação à promessa de celebração do contrato. Seja como for, é indubitável que tal negócio não se traduziria como um contrato válido de comodato, sendo limitado a uma figura negocial sem tipicidade.

Adiante, o artigo 580 traz uma limitação imposta à celebração do comodato, que se apresenta, inclusive, como exemplo de restrição à liberdade de contratar:

Art. 580. Os tutores, curadores e em geral todos os administradores de bens alheios não poderão dar em comodato, sem autorização especial, os bens confiados à sua guarda.

Uma vez que se aponta o comodato como espécie de contrato temporário, temos, no artigo 581, a previsão acerca dos prazos para o negócio jurídico:

Art. 581. Se o comodato não tiver prazo convencional, presumir-se-lhe-á o necessário para o uso concedido; não podendo o comodante, salvo necessidade imprevista e urgente, reconhecida pelo juiz, suspender o uso e gozo da coisa emprestada, antes de findo o prazo convencional, ou o que se determine pelo uso outorgado.

Alguns resultados práticos ainda podem ser obtidos através da análise do artigo 581 do CC. No caso do comodato com prazo determinado, ao se encerrar esse período, haverá a obrigação da devolução da coisa, sendo cabível até mesmo o ajuizamento de ação de reintegração de posse, sem prejuízo de eventuais consequências também previstas pelo legislador. Nessas situações, ao findar o prazo, passa a haver a mora automática da parte devedora, em conformidade com o que é estabelecido pelo artigo 397, caput, do Código Civil:

Art. 397. O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor.

Por outro lado, quando não houver fixação de prazo, a utilização da coisa prosseguirá em conformidade com sua natureza. Ao encerramento dessa utilização, será devida a notificação por parte do comodante ao comodatário a respeito da devolução, constituindo-se a mora conforme o parágrafo único do artigo 397:

Art. 397. Parágrafo único. Não havendo termo, a mora se constitui mediante interpelação judicial ou extrajudicial.

Nessa última situação, também é cabível a ação de reintegração de posse no caso de a devolução não acontecer, também sem prejuízo das demais consequências.

O artigo 582 carrega a previsão destinada a ocorrências de não devolução da coisa objeto do comodato, além de consagrar outras penalidades:

Art. 582. O comodatário é obrigado a conservar, como se sua própria fora, a coisa emprestada, não podendo usá-la senão de acordo com o contrato ou a natureza dela, sob pena de responder por perdas e danos. O comodatário constituído em mora, além de por ela responder, pagará, até restituí-la, o aluguel da coisa que for arbitrado pelo comodante.

Uma relevante consequência para o comodatário está explícita no artigo 583, no que tange à ocorrência de casos fortuitos (acontecimentos inteiramente imprevisíveis) e casos de força maior (acontecimentos previsíveis, porém inevitáveis), a qual configura uma exceção ao princípio de não responsabilizar a parte por tais possibilidades:

Art. 583. Se, correndo risco o objeto do comodato juntamente com outros do comodatário, antepuser este a salvação dos seus abandonando o do comodante, responderá pelo dano ocorrido, ainda que se possa atribuir a caso fortuito, ou força maior.

Chegando ao artigo 584, colocamo-nos diante de mais um dever atribuído ao comodatário, dessa vez relacionado a eventuais despesas feitas sobre a coisa emprestada:

Art. 584. O comodatário não poderá jamais recobrar do comodante as despesas feitas com o uso e gozo da coisa emprestada.

A respeito disso, existe a polêmica no que se refere às benfeitorias, questão que não é pacífica na jurisprudência, de tal forma que há certos julgamentos que admitem a possibilidade da indenização a ser paga ao comodatário pelas benfeitorias necessárias e úteis, encontrando amparo no artigo 1219 do CC:

Art. 1219. O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis.

Finalmente, na hipótese de haver duas ou mais pessoas na condição de comodatárias de uma coisa simultaneamente, a responsabilidade será de caráter solidário (artigo 585 do CC).

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