Conceitos e Requisitos
O superendividamento é uma condição financeira complexa, onde a doutrina pátria sobre o assunto divide os tipos de endividamento em duas categorias principais: ativo e passivo. Essa definição é importante para compreender a origem de uma situação de vulnerabilidade e as ações que podem ser tomadas.
Vejamos o conceito de cada uma:
Superendividamento Ativo
Ocorre quando o consumidor perde o controle sobre suas finanças devido ao fácil acesso ao crédito. Este cenário é muitas vezes caracterizado pela acumulação de dívidas que superam significativamente a renda do consumidor, levando a uma incapacidade de cumprir com as obrigações financeiras sem comprometer o mínimo existencial.
Superendividamento Passivo
Esta forma de superendividamento é menos uma questão de comportamento do consumidor e mais uma consequência de eventos adversos imprevistos, como perda de emprego, doenças ou mudanças no núcleo familiar, como um divórcio. Tais eventos podem reduzir drasticamente a renda de uma pessoa ou aumentar despesas inesperadas, resultando em uma situação financeira comprometedora.
O Papel da Doutrina e da Lei no Superendividamento
Para entender a fundo o superendividamento, é crucial considerar tanto a doutrina jurídica quanto a legislação aplicável.
A doutrinadora Cláudia Lima Marques teve um papel significativo na formação do conceito de superendividamento na legislação brasileira. Ela define o consumidor superendividado como a pessoa física de boa-fé que enfrenta a impossibilidade manifesta de pagar a totalidade de suas dívidas de consumo sem comprometer seu mínimo existencial (MARQUES, Claudia et al. Comentários à Lei 14.181/2021: A Atualização do Cde em Matéria de Superendividamento. São Paulo (SP):Editora Revista dos Tribunais. 2022):
“A noção de superendividamento do consumidor Superendividamento do consumidor pode ser definido como a impossibilidade global de o devedor pessoa-física, consumidor, leigo e de boa-fé, pagar todas as suas dívidas atuais e futuras de consumo (excluídas as dívidas com o Fisco, oriundas de delitos e de alimentos), isso sem prejudicar o mínimo existencial ou a sua sobrevivência, como bem frisa a Lei 14.181/2021”
O Código de Defesa do Consumidor, por meio de alterações legislativas, incorporou a visão doutrinária e estabeleceu que o superendividamento implica na impossibilidade manifesta do consumidor de boa-fé de pagar suas dívidas, reforçando a proteção ao mínimo existencial. É o que podemos ver do art. 54-A, § 1º, incluído pela lei 14.181/2021:
Art. 54-A. Este Capítulo dispõe sobre a prevenção do superendividamento da pessoa natural, sobre o crédito responsável e sobre a educação financeira do consumidor.
§ 1º Entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação.
Portanto, existem critérios específicos que devem ser atendidos para que uma pessoa seja legalmente reconhecida como superendividada:
- Pessoa Natural: A lei considera apenas consumidores individuais, excluindo entidades jurídicas, que são protegidas por outras leis como a de falências e recuperação judicial.
- Leigo: Expressão que demonstra a vulnerabilidade técnica do consumidor, onde pode-se considerar que ele sempre estará em desvantagem em relação ao fornecedor.
- Boa-fé: O consumidor deve ter agido de boa-fé nas aquisições de consumo, implicando uma expectativa alinhada à intenção de cumprir com suas obrigações financeiras.
Limitações do Conceito de Superendividamento
A legislação estabelece limitações claras sobre quais dívidas entram na configuração do superendividamento, excluindo débitos decorrentes de fraude ou má-fé, bem como aqueles relacionados à aquisição de bens de luxo. Além disso, nem todas as dívidas são incluídas na consideração do superendividamento, como àquelas contraídas para a aquisição de produtos ou serviços de luxo ou alto valor, ou oriundas de fraude ou má-fé, conforme redação dos §2º e § 3º do art. 54-A do CDC:
§ 2º As dívidas referidas no § 1º deste artigo englobam quaisquer compromissos financeiros assumidos decorrentes de relação de consumo, inclusive operações de crédito, compras a prazo e serviços de prestação continuada.
§ 3º O disposto neste Capítulo não se aplica ao consumidor cujas dívidas tenham sido contraídas mediante fraude ou má-fé, sejam oriundas de contratos celebrados dolosamente com o propósito de não realizar o pagamento ou decorram da aquisição ou contratação de produtos e serviços de luxo de alto valor.