Reconhecimento de Filhos

Conceito e Características

Pode ser conceituado como o ato por meio do qual se estabelece relação de parentesco em primeiro grau, na linha reta. 

O Estatuto da Criança e do Adolescente, no artigo 27, dispõe sobre as características do direito ao reconhecimento filiatório.

Trata-se de um direito: 

  • Personalíssimo: Independe de consentimento de terceiros; 
  • Indisponível: As partes não podem abrir mão 
  • Imprescritível: Pode ser reconhecido a qualquer tempo 

Formas de Reconhecimento

O reconhecimento pode se dar de duas formas:
1.    Reconhecimento Voluntário/Espontâneo
2.    Reconhecimento Forçado/Compulsório

Reconhecimento Voluntário

O reconhecimento voluntário é aquele em que o genitor, por ato de vontade, promove o registro do filho, reconhecendo-o como seu descendente de primeiro grau, sem qualquer provocação para tanto. Pode ser praticado pelos dois genitores de uma vez (simultaneamente), ou de forma separada, conforme dispõe o art. 1.607. O Estatuto da Criança e do Adolescente ainda traz a possibilidade de o reconhecimento ser estabelecido em testamento ou qualquer documento público (art. 26, ECA). 

O Provimento nº 016/2012 do CNJ preceitua a necessidade de anuência do filho, se maior de idade, ou da mãe, se menor de idade, na averbação do reconhecimento de filiação. Ocorre que tal disposição, que consiste num comando aos oficiais de cartório, de certa forma acaba por mitigar a caraterística Personalíssima do reconhecimento filiatório.

A doutrina critica muito esse dispositivo, afirmando que a necessidade de referendo da genitora abriria margem para o impedimento do reconhecimento voluntário. Ainda assim, pela via judicial, o genitor poderia discutir a filiação. No entanto, esse reconhecimento pela via judicial, dada a demora do procedimento, poderia resultar em lesão ao direitos da criança ou do adolescente em questão. 

Outro dispositivo criticado pela doutrina é o art. 1.611, do CC:

Art. 1.611. O filho havido fora do casamento, reconhecido por um dos cônjuges, não poderá residir no lar conjugal sem o consentimento do outro.

Isso porque, apesar de a doutrina entender que podem existir malefícios na convivência forçada do cônjuge com seu enteado, é preciso sempre analisar o caso a caso, a fim de fazer preponderar sempre o interesse da criança e do adolescente no caso concreto. Em algumas situações, é preferível viver em convívio forçado com padrasto/madrasta do que em situação de abandono e vulnerabilidade longe de seu genitor/genitora.

O reconhecimento por um só dos pais tem como efeito a transferência da guarda a quem o reconheceu. Se no registro só um dos pais fez o reconhecimento, a guarda será deste. Se contudo ambos os pais reconheceram, há tanto a possibilidade de acordo, a ser homologado judicialmente, quanto a possibilidade de ajuizamento de ação judicial de guarda, caso não haja consenso entre os genitores – ou seja, há possibilidade de adoção da via consensual ou litigiosa para resolver a questão. 

L. 6.015/74.

Art. 59. Quando se tratar de filho ilegítimo, não será declarado o nome do pai sem que este expressamente o autorize e compareça, por si ou por procurador especial, para, reconhecendo-o, assinar, ou não sabendo ou não podendo, mandar assinar a seu rogo o respectivo assento com duas testemunhas.   

Se o Reconhecimento é voluntário, como o próprio nome já diz, é preciso que haja prova do consentimento de quem irá reconhecer a filiação. Se a pessoa não for pessoalmente no cartório reconhecer, é possível realizar esse registro por procuração. A pessoa que não sabe ou não pode escrever também poderá reconhecer a filiação, da mesma forma, seguindo os procedimentos da Lei de Registros Públicos.

O ato de reconhecimento voluntário é livre (consentido), irrevogável, irretratável e não se submete a condição, termo ou encargo. Apesar disso, se houver alguma nulidade relativa ou absoluta, poderá ser invalidado por qualquer interessado, mas somente mediante prova. Esse ato tem efeito declaratório e erga omnes, ou seja, apenas reconhece o direito que sempre existiu, ao contrário dos atos constitutivos, que efetivamente constituem a situação jurídica. 

 Atenção para a inadequação do termo “filho ilegítimo” utilizado pela Lei de Registros Públicos acima citada! Como a lei é muito antiga, temos que dar interpretação constitucional ao dispositivo, no sentido de compreender que não há diferença alguma entre o filho fruto do relacionamento oficial ou não. 

Importante ressaltar que o Provimento 63/2017 do CNJ, em seu artigo 10 possibilita que o reconhecimento da filiação socioafetiva também seja realizado em cartório, de forma voluntária, bastando que os interessados compareçam ao ofício para fazer o pedido pessoalmente, ou então, no caso de impossibilidade, que envie procuração específica para realizar a inclusão. 

Sobre a possibilidade de reconhecimento de filho já falecido, há duas regras importantes. Em primeiro lugar, caso não tenha descendentes (filhos, netos, etc), não se autoriza que o reconhecimento se dê. Isso porque o legislador se preocupou em evitar que o pai reconheça o filho falecido apenas para obter efeitos patrimoniais indiretos. Mas ao contrário, se o filho tiver descendentes, será plenamente possível o reconhecimento póstumo, já que tal efeito já não ocorreria de toda forma.

Reconhecimento Forçado ou Compulsório

Apesar de ser ato em regra irrevogável (art. 1.610, CC), se for identificado vício no ato de reconhecimento, ou suspeita de filiação biológica diversa da que se declarou no Registro Civil, há plena possibilidade de anulação do documento em questão. 

É importante gravar a seguinte informação: sempre que um terceiro interessado quiser discutir status filiatório de alguém que já tem os pais registrados em sua certidão, haverá a necessidade de ajuizamento de ação judicial. E as únicas hipóteses que permitem essa contestação estão contidas no art. 1.604 do Código Civil:

CC/02

Art. 1.604. Ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro. 

Portanto, é necessário provar que o reconhecimento tenha se dado de forma irregular, ou por erro, ou por falsidade do registro. Por exemplo, é possível que venha à tona prova ou indício de que o suposto pai fora coagido a realizar o reconhecimento consensual (vício de consentimento). Ou então, que a procuração levada por terceiro para reconhecer a filiação era falsa. Ou ainda, que o suposto pai registral não é o pai biológico.

Nesses casos, é possível ingressar com ação anulatória, cujo prazo decadencial de 4 anos, conforme preceitua o art. 178 do Código Civil. A pergunta é: a partir de quando se conta o prazo? Se a impugnação for feita pelo filho, o prazo começará a correr a partir do atingimento da maioridade, aos 18 anos, ou a partir de sua emancipação, se houver. 

Importante ressaltar que o filho maior de idade não pode ser reconhecido sem sua expressa concordância, por força do art. 1.614 do Código Civil e também do Art. 4º da Lei 8.560/1992 (Lei de Investigação de Paternidade). Logicamente que, por simetria, se o filho menor não pode ser reconhecido sem a concordância da genitora, o mesmo registro compulsório não poderá ser admitido ao filho maior de idade.

Apesar de não haver necessidade de consentimento de filho menor de idade, é obrigatória sua oitiva, se se tratar de adolescente (12 a 17 anos), conforme disposição do próprio Estatuto da Criança e do Adolescente, no Art. 45. 

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