Vetores de funcionamento dos contratos empresariais

Já vimos que os contratos empresariais (aqueles celebrados entre empresários) possuem particularidades que justificam seu estudo separadamente dos demais contratos, inclusive dos civis (contratos celebrados entre particulares).
Veremos então quais são os vetores de funcionamento  , ou seja, as características inerentes a essa espécie de contrato. Já antes mencionadas, agora explicaremos melhor cada uma delas.

1. Escopo de Lucro

O escopo de lucro é um dos vetores fundamentais do contrato empresarial. Isso significa que todas as partes sempre têm suas atividades voltadas à perseguição de vantagem econômica. Sendo assim, inexistem contratos gratuitos (como doações) dentre os contratos empresariais, pois a intenção de majorar o lucro é constante.
Mas o escopo de lucro não significa que os ganhos econômicos sejam obrigatoriamente repartidos entre os sócios da empresa; estes podem ser destinados à própria atividade empresarial (reinvestidos inteiramente na empresa).
Ademais, os investimentos realizados pelo empresário podem visar a lucros em qualquer prazo, de forma imediata ou mediata (que necessitam de uma série de gastos antes). Por exemplo: em contrato entre empresários para fornecimento de matéria-prima, o fornecedor obtém lucro imediato, advindo da própria venda de matéria-prima, e o contratante obtém lucro mediato, com a futura venda dos produtos fabricados com tal matéria-prima.

2. Profissionalismo

Relembrando o art. 966 do Código Civil, a atividade empresarial é sempre exercida profissionalmente. O profissionalismo quer dizer que o empresário possui habitualidade, experiência no comércio daquele bem ou na prestação daquele serviço. (Claro que a experiência vem a ser adquirida, não tendo como alguém ser experiente em algo desde sempre).
Segundo entendimento de parte da doutrina e da jurisprudência, o profissionalismo resultaria na inaplicabilidade de institutos tradicionais do direito civil como a lesão por inexperiência, a imprevisibilidade e a onerosidade excessiva. Tal ideia baseia-se no argumento de que não há partes vulneráveis ou hipossuficientes no contrato. Segundo Enunciados da I Jornada de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal:

28. Em razão do profissionalismo com que os empresários devem exercer sua atividade, os contratos empresariais não podem ser anulados pelo vício da lesão fundada na inexperiência.

35. Não haverá revisão ou resolução dos contratos de derivativos por imprevisibilidade e onerosidade excessiva (arts. 317 e 478 a 480 do Código Civil).

Nessa lógica, o erro cometido por empresário na contratação também é considerado normal, fazendo parte da atividade de risco e ainda estimulando o ambiente de competição, de modo a “selecionar” os melhores players (jogadores, empresários) do mercado.

3. Função Econômica do Contrato

A função econômica do contrato significa que o contrato empresarial deve ser um meio de circulação de riqueza entre a sociedade, auxiliando na produção e/ou circulação de bens e serviços, como:
  • Para auxiliar produção de bens ou serviços: contratos de arrendamento mercantil, contrato de fornecimento de matéria prima, etc.
  • Para promover circulação de bens e serviço: contrato de publicidade, contrato de franquia, contrato de distribuição, contrato de representação mercantil, etc.
Assim, o contrato deve estar inserido na cadeia econômica dos empresários que o celebram, de modo que não pode ser analisado separadamente dos elementos do universo empresarial. Há necessidade sempre de uma análise sistêmica do contrato empresarial (sob as perspectivas jurídica, econômica e social).

Efeito limitado do contrato civil X Efeito cascata do contrato empresarial

Outra face da função econômica do contrato diz respeito aos efeitos que este pode gerar. Enquanto, no contrato civil, o prejuízo implica apenas as partes e os efeitos dos inadimplementos são bem limitados; no caso de contratos empresariais, o prejuízo implica todos os envolvidos na cadeia empresarial, podendo incluir empregados e consumidores, causando efeitos mais amplos.

4. Custos de Transação

Quando uma pessoa comum identifica uma necessidade, ela normalmente pensa em qual item/serviço poderá satisfazê-la e então firma um contrato (exemplo: compra e venda de roupas, produtos farmacêuticos, etc.). No caso da empresa, quando o empresário identifica que esta tem uma necessidade, há duas opções: fazer ou comprar (make or buy). Fazer significa satisfazer a necessidade internamente, enquanto comprar significa satisfazer a necessidade por meio da contratação de terceiros. Por exemplo, uma empresa pode ela mesma ter pessoas para fazer a limpeza do prédio (contrato de trabalho) ou contratar uma outra empresa que preste o serviço de limpeza (contrato empresarial).
Considerando que o objetivo da empresa é sempre o lucro, o contrato empresarial deve ser visto como uma estratégia do empresário para obter a melhor solução entre comprar ou fazer. Essa decisão será tomada por meio da consideração dos custos de transação, isto é, dos custos que envolvem a contratação, que incluem:
  • Custos ex ante: referem-se à pesquisa pelo melhor parceiro comercial;
  • Custos de negociação: referem-se à negociação dos termos contratuais, inclusive obtenção de advogado;
  • Custos de coordenação: referem-se à manutenção do contrato, à supervisão e execução contratual, incluindo eventual inadimplemento.
Diante disso, a opção pelo contrato empresarial será feita quando custos de transação forem inferiores aos custos de se produzir/operar internamente.

5. Oportunismo e Vinculação

Uma importante noção sobre os contratos empresariais é que as partes, idealmente, sempre gostariam de vincular o parceiro contratual (a outra parte), ou seja, obrigá-lo a cumprir suas obrigações e, ao mesmo tempo, permanecer livres para deixar a relação a qualquer momento que lhes for conveniente. Esse pensamento traduz-se no oportunismo empresarial.
Diante dessas características, para promover o equilíbrio e a viabilidade nas relações empresariais, há a necessidade de respeito ao Pacta sunt servanda (princípio da força obrigatória dos contratos). Ou seja, as obrigações dos contratos vinculam ambas as partes; as partes devem cumprir tudo o que está estabelecido no contrato assinado.
Deve haver cuidado com cláusulas abusivas como, por exemplo, as cláusulas de não-indenização:

PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS – PARCIALMENTE PROCEDENTE – PERÍCIA TÉCNICA NÃO CONCLUSIVA – AUSÊNCIA DE PROVAS QUE DEMONSTREM FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO – EXISTÊNCIA DE CLÁUSULA LIMITATIVA DE RESPONSABILIDADE – DECISÃO REFORMADA – APELAÇÃO DA AUTORA NÃO PROVIDA – APELAÇÃO DA RÉ PROVIDA. (Relator(a): Luiz Eurico; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 33ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 04/07/2016;Data de registro: 14/07/2016)

6. Instrumento de alocação de riscos

Como já falamos, a atividade empresarial é naturalmente uma atividade de risco: por meio dela pode haver lucro ou prejuízo, a depender do sucesso das escolhas de negócio do empresário. Aqui, o risco não se refere à possibilidade de caso fortuito ou força maior, mas a quaisquer riscos advindos das naturais incertezas do mercado.
O contrato representa uma atenuação de riscos, uma vez que as partes podem negociar entre si buscando resguardar-se e evitar riscos.
O contrato empresarial deve ser entendido, assim, como um instrumento de alocação de riscos do negócio desenvolvido pelas partes. Os riscos são diversos e variam conforme o ramo de atuação (indústria alimentícia; empresas de software, hospital, etc.). Por isso, é importante que o advogado que revise os contratos conheça bem a área em que está atuando.

7. Prática e contratos empresariais

Devemos entender que os contratos previstos em lei (contratos típicos) são apenas alguns dos tipos dentre todos os existentes. Diversos outros podem ser feitos, mesmo não previstos (contratos atípicos ou socialmente típicos), desde que não contrariem a lei. Chamamos isso de autonomia negocial.
Os contratos empresariais, por cuidarem da atividade econômica, que está sempre em mudança (mais dinâmica do que a lei), necessitam dessa maior autonomia negocial, ficando menos atados ao rigor das formas. Assim, a criatividade do empresário é um fator essencial na busca por novos tipos de contratos e cláusulas que diminuam os custos de transação e garantam a sua permanência no mercado competitivo. Por isso, a atividade empresarial frequentemente usa contratos atípicos (difusão de contratos atípicos), nascidos da própria prática comercial e não da lei. Por exemplo, o contrato de fornecimento não tem previsão legal, mas é um dos modelos mais comuns de contrato utilizado.
O dinamismo dos contratos empresariais implica a existência de dois outros vetores que veremos a seguir: o informalismo e os usos e costumes.

8. Informalismo

Os contratos empresariais costumam ser bem mais informais do que os contratos civis, acompanhando o dinamismo das atividades empresariais. Isso quer dizer que a forma (necessidade de escrituração, reconhecimento de firma, etc.) costuma importar menos do que o objetivo do contrato (que o contrato possa ser realizado, em conformidade com o direito material). São exemplo de meios informais utilizados nos contratos empresariais o e-mail e o Whatsapp.
Assim, a forma escrita dos contratos empresariais acaba, muita vezes, servindo mais como uma garantia da contratação (prova de que o contrato existe). Mas é muito comum que esses contratos sejam formados simplesmente a partir da negociação fixada de forma oral.

9. Uso e costumes

Os usos e costumes nada mais são do que práticas socialmente aceitas, ainda que não previstas em lei. Por exemplo, o cheque pré-datado é criação da prática comercial; ele não existe na lei, mas é amplamente aceito no cotidiano.
Costuma-se ensinar na faculdade de direito que os usos e costumes são fontes de direito secundárias. No entanto, para os contratos empresariais, os usos e costumes são fonte primária do direito, uma vez que conseguem acompanhar o dinamismo e a variedade do mundo empresarial. Assim, por meio dos usos e costumes, o próprio agente pode encontrar a solução para suas demandas e necessidades.
Um aspecto importante que deve ser observado é que os usos e costumes geram legítimas expectativas de atuação. Ou seja, presume-se que as partes irão se comportar de acordo com o esperado, com o modelo usual, a praxe comercial, fazendo com que cada agente seja capaz de planejar suas ações com maior segurança.

10. Racionalidade Limitada

Podemos dizer que a racionalidade diz respeito à compreensão do indivíduo quanto à realidade que o cerca. No âmbito empresarial, a racionalidade envolve a noção do empresário quanto às condições dos negócios que desenvolve.
Há duas teorias que explicam a dimensão da racionalidade do agente econômico na atividade empresarial:
  • Teoria da Escolha Racional: entende que o empresário possui racionalidade plena e capacidade cognitiva sem restrições, ou seja, possui todas as informações disponíveis e compreensíveis, sendo possível a ele alcançar soluções ótimas. Tal teoria considera que todas as opções estão disponíveis no mundo e podem ser acessadas pelos autores se eles assim desejarem.
  • Teoria da Racionalidade Limitada: entende que a racionalidade do empresário é exercida dentro das fronteiras impostas pela condição humana e pelo contexto em que se inserem. Ora, as informações do empresário são limitadas, de modo que a racionalidade do contrato também é limitada. Assim, nos contratos feitos por agentes econômicos com racionalidade limitada, há impossibilidade de se prevenir todas as contingências futuras no momento da contratação.
Vê-se que ambas as teorias convergem para o fato de que há riscos inerentes ao mundo dos negócios que o empresário assumirá em suas negociações, não podendo ele escusar-se de tomar decisões ruins com base em sua inexperiência.

Incompletude contratual

A incompletude contratual significa que o contrato não contém a previsão sobre todos os vícios que serão enfrentados pelas partes.
Pela aplicação da teoria da racionalidade limitada, entende-se que sempre há inviabilidade de contratos completos. Até porque os custos de contratos completos (advogados e tempo gasto para fechamento do negócio) acabam sendo maiores do que os benefícios econômicos da transação.
Logo, há necessidade de adaptação diante da incompletude do contrato. Essa adaptação acaba por ser o principal problema econômico, já que os empresários tem naturalmente o comportamento predatório (moral hazard), desejando levar vantagem em relação ao outro.
Outra causa de incompletude contratual é o desvio de pontos controvertidos, um comportamento estratégico em que partes evitam tratar de determinados aspectos do contrato (especialmente os controvertidos) por estratégia (e não por falta de informação). Por isso, nos contratos empresariais, é importante ressaltar a importância da boa-fé objetiva, padrão do agente econômico ativo e probo, de que trataremos a seguir.

11. Boa-fé Objetiva

A boa-fé é um princípio aplicável aos negócios jurídicos, tido como um conceito ético da conduta. Ela divide-se em:
  • Boa-fé subjetiva: refere-se ao estado psicológico da pessoa (elementos internos) no qual há intenção de agir (de celebrar negócio jurídico) com justiça e licitude. Nesse caso, poderá haver ignorância de eventual antijuricidade.
  • Boa fé objetiva: refere-se ao dever de conduta contratual ativo, no qual todos os contratantes são obrigados a colaborar e a cooperar mutuamente, levando-se em consideração as expectativas um do outro, com o objetivo de honrar aquilo acordado no contrato. Alguns autores defendem que o termo boa-fé deveria ser substituído por “razoabiliidade”.
No direito empresarial aplica-se somente a boa-fé objetiva; não é relevante a boa-fé subjetiva (o que está a parte intencionando quando assinou contrato). Nesse contexto, a boa-fé objetiva significa a adoção de comportamento jurídico normalmente esperado dos comerciantes; ter agentes econômicos ativos e probos; cumprir a regra da lealdade recíproca e atitude colaborativa. A adoção da boa-fé, consequentemente, diminui os custos de transação e facilita os negócios. Assim, ambas as partes do contrato devem adaptar suas condutas à boa-fé objetiva, visando a alcançar a função econômica do contrato.
 ATENÇÃO! A boa-fé nunca pode levar a um desequilíbrio contratual, privilegiando excessivamente só uma das partes, senão há uma desestabilização do sistema. O respeito à boa-fé, entretanto, não se resume em promover a equidade contratual ou “consumerismo” (lembrando que o contrato empresarial é caracterizado pelo oportunismo e não pelo equilíbrio entre partes).
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