A Teoria Geral dos Contratos Empresariais dedica-se a explicar a função dos contratos na atividade empresarial e também a esclarecer o que é o chamado contrato empresarial, incluindo suas principais peculiaridades. Antes de tudo, precisamos esclarecer alguns conceitos.
Com base nos ensinamentos de diversos doutrinadores, podemos dizer que contrato é o acordo de vontades de duas ou mais pessoas, de forma livre e declarada, que estabelece entre elas alguns direitos e obrigações, sob determinadas condições, com o objetivo comum de criar, resguardar, modificar ou extinguir uma relação jurídica, desde que não haja contrariedade à lei. Por exemplo, temos um contrato de compra e venda quando duas partes declaram livremente que concordam em fazer um negócio no qual uma parte se compromete a alienar o imóvel e a outra a pagar certo valor por ele, observadas as demais condições (prazo, inspeção, entrada, etc.).
Assim, por conseguirem combinar interesses diversos para um mesmo fim, os contratos são instrumentos muito úteis nas mais variadas espécies de relações humanas, incluindo as atividades empresariais.
A legislação brasileira não define expressamente o que é a atividade empresarial, mas, por outro lado, traz o conceito de empresário no caput do art. 966 do Código Civil (CC):
Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. (grifos inseridos)
Da definição acima, podemos deduzir que atividade empresarial é a própria atividade econômica organizada e exercida profissionalmente para a produção ou circulação de bens ou de serviços, ou seja, é a atividade típica do empresário.
Mas vamos entender melhor o que significa atividade econômica organizada exercida profissionalmente:
Profissionalidade: o termo profissionalmente significa que, para ser empresário, deve-se praticar a atividade:
Economicidade: a atividade ser econômica significa que ela busca pelo lucro. Tem-se que a atividade empresarial é sempre voltada para a produção de riquezas. Logo, as Organizações Não Governamentais (ONGs) e atividades filantrópicas nunca podem ser classificadas como empresas.
Organização: a atividade deve ser desenvolvida de forma a organizar os chamados fatores de produção, sendo eles:
A ausência de qualquer um desses fatores de produção significa que não se trata de uma atividade empresarial, mas de mera atividade civil.
Importante observar que o parágrafo único do art. 966 do CC traz ainda observação sobre quem não deve ser considerado empresário:
Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.
Assim, deve-se entender que as atividades profissionais intelectuais só serão consideradas empresariais se houver elemento de empresa preponderante, ou seja, se a organização dos fatores de produção for mais importante que a atividade pessoal desenvolvida (conforme Enunciado 194 da III Jornada de Direito Civil e Resp. 555.624/PB, da 2ª turma do Superior Tribunal de Justiça). Por exemplo, o médico que presta diretamente seus serviços a consumidores não é empresário, mesmo que possua todos s fatores de produção (secretária pessoal, pequenos equipamentos médicos, algum dinheiro que invista em seu consultório, etc.); mas, se passar a atender por meio de uma clínica (estrutura em que há relevante capital de investimento, muitos empregados e diversos equipamentos médicos), então, poderá ser considerado empresário.
Além disso, as atividades desenvolvidas por produtor rural não registrado e pelas cooperativas são sempre civis, conforme os arts. 971 e 982.
Mas onde entram os contratos no meio disso tudo? Os contratos são justamente a forma pela qual o empresário organiza a atividade empresarial.
Vejamos exemplos de contratos organizadores dos fatores de produção:
leasing ou arrendamento mercantil, contrato de locação comercial, etc.Os contratos podem também servir para organização de outras atividades externas da empresa, para sua atuação no mercado, como:
Assim, o contrato é instrumento indispensável para organização da atividade econômica empresarial. Por isso, o ramo de análise econômica do direito (conhecida como law economics) diz que atividade empresarial é um nexo, um feixe de contratos.
Então os contratos empresariais são aqueles contratos celebrados pela empresa para organização de sua atividade econômica? Não! A empresa, enquanto agente econômica, celebra contrato de todos os tipos, com todo o tipo de pessoa. Nem todos esses contratos podem ser chamados de empresariais.
Vejamos:
Contrato Empresário X Trabalhador: Contrato de trabalho
Contrato Empresário X Consumidor: Contrato de Consumo
Contrato Empresário X Poder público: Contrato Administrativo
Contrato Empresário X Empresário: Contrato Empresarial
Diante de tudo que já vimos, podemos afirmar com tranquilidade que o contrato empresarial é um tipo bem específico de contrato, cheio de peculiaridades, muitas das quais ainda veremos adiante. Logo, é natural que este seja estudado separadamente das demais espécies de contrato, inclusive dos contratos civis (celebrados entre particulares). A Teoria Geral do Contratos Empresariais é justamente a área de estudo que tem como objeto apenas os contratos empresariais, reconhecendo-os como verdadeira categoria autônoma de contrato.
Até 2002 as obrigações civis eram reguladas pelo Código Civil de 1916 e as obrigações comerciais pelo Código Comercial de 1850, formando um sistema dúplice de normatização. A atividade empresarial era então parcialmente disciplinada pelo Direito Comercial, uma vez que não havia ainda uma noção consolidada do que era esse tipo de atividade.
O Código Civil de 2002 entrou em vigor substituindo o Código Civil de 1816 e trazendo em si a primeira parte do Código Comercial (revogado parcialmente, restando em vigor sua segunda parte). O resultado disso foi que as obrigações civis e comerciais passaram a ser reguladas somente pelo novo Código Civil, num movimento chamado de Unificação do Direito das Obrigações, que visava a facilitar a interpretação das leis e evitar a duplicidade de normas. Com a nova lei, também houve o reconhecimento da forma de atividade empresarial, que ganhou até regramento em Livro próprio (Livro II: Direito da Empresa).
No entanto, a unificação sofreu elogios e críticas. Estas últimas pontuavam que o Direito Comercial e, especialmente, o Direito Empresarial tem especificidades e princípios próprios, de modo que seria necessário um Código independente para essa matéria. Assim, a Teoria Geral dos Contratos Empresariais é também uma reação a essa unificação e ao tratamento uniforme dos contratos, apontando que os contratos empresariais possuem peculiaridades que demandam um tratamento e estudo diferenciado.