Publicado em: 20/08/2020 por Inara Alves Pinto da Silva


Um assunto bastante discutido na última semana, foi o caso de uma criança de 10 anos que engravidou após ser estuprada pelo seu tio, atual suspeito. 

O caso foi levado ao Tribunal de Justiça do Espírito Santo para que fosse concedido à criança o direito de interromper a gravidez decorrente de estupro. O Tribunal concedeu o direito à realização do aborto. 

No Brasil, o aborto é considerado crime e está tipificado no Código Penal. Mas você sabia que há casos em que a interrupção da gravidez não configura prática ilícita? Hoje iremos entender mais sobre o aborto enquanto crime e sobre os casos em que há excludente de ilicitude. 

Breve histórico sobre a criminalização do aborto

Atualmente a prática do aborto é alvo de diversos debates, dividindo opiniões sobre sua descriminalização. Vamos entender um pouco sobre quando o aborto passou a ser considerado um delito e como as legislações anteriores tratavam esse tema no Brasil. 

Em 1830 com o Código Penal do Império, foi a primeira vez que o aborto passou a ser tratado como delito. É importante destacar que o aborto praticado pela própria gestante, ou seja, o auto-aborto, não era punido. Considerava-se crime o aborto praticado por terceiro, com ou sem o consentimento da gestante. 

O Código Penal da República de 1890 também previa a criminalização do aborto. Aqui o aborto cometido pela própria gestante passou a ser considerado crime, mas a pena era reduzida. E quando a interrupção da gravidez era ocasionada por terceiro e resultava na morte da gestante, a pena era agravada. 

Depois passamos para o Código Penal de 1940, que é a legislação atual do Brasil. Analisaremos a seguir os artigos do Código Penal que tratam mais especificamente sobre o assunto. 

Código Penal 

O aborto está previsto no Código Penal, no Capítulo “Crimes contra a vida”, nos seguintes artigos: 

Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento

Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:  

Pena - detenção, de um a três anos.

Aborto provocado por terceiro

Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:

Pena - reclusão, de três a dez anos.

Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante:  

Pena - reclusão, de um a quatro anos.

Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou debil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência.

Forma qualificada

Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.

Nesses casos, a conduta pode ser praticada pela própria gestante ou por um terceiro (com ou sem o consentimento da mulher). Além disso, as condutas são autônomas, sendo que cada um responderá pelo delito individualmente. 

Casos de excludente de ilicitude 

O art. 128 do Código Penal traz as hipóteses em que a prática do aborto não é considerada crime. Esse artigo possui a seguinte redação: 

Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:  

Aborto necessário

I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

Aborto no caso de gravidez resultante de estupro

II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

Então, como podemos observar, há a excludente de ilicitude, ou seja, a interrupção da gravidez não será considerada como ilícita quando a gestação apresentar risco a mulher, comprometendo sua vida e saúde. Esse caso também é chamado de aborto necessário ou terapêutico. 

A outra hipótese trata do aborto humanitário ou ético, quando a gravidez resulta do estupro (art. 203 e 217-A do Código Penal). Nesse caso a gestante deve consentir em realizar o aborto, ou quando se tratar de uma pessoa incapaz, cabe ao representante legal esse consentimento. 

Por fim, há também uma terceira hipótese que não está presente no Código Penal, mas foi decidida pelo STF por meio da ADPF 54. Trata-se do feto anencefálico, em que há a má formação do tubo cerebral e a ausência total ou parcial do encéfalo. 

Nesse caso, a vida intrauterina é ineficaz, pois não há chances de vida. Por conta disso, o Supremo pacificou entendimento de que a interrupção da gravidez nos casos de anencefalia é uma conduta tipificada nos art. 124, 126 e 128, I e II do Código Penal. 

Portaria n° 1.508/2005 x Varas da Infância e Juventude 

É importante também ressaltar a Portaria n° 1.508/2005 que dispõe sobre o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei, no âmbito do Sistema Único de Saúde-SUS. 

Essa Portaria estabelece que mulheres e adolescentes que são vítimas de estupro e engravidam, não precisam apresentar Boletim de Ocorrência para que seja realizado o procedimento de interrupção de gravidez no SUS. Isso quer dizer que não há necessidade de autorização judicial para a realização do ato. 

Todavia, as Varas da Infância e Juventude recomendam que nos casos de estupro que resultam em gravidez de crianças e adolescentes, deve-se realizar o Boletim de Ocorrência, e também ser levado a juízo para análise do caso. 

Um grande abraço e até mais :)