Publicado em: 30/10/2020 por Ederson Santos Pereira Rodrigues


Narrativa

Paula adquiriu em 2006 seu primeiro imóvel na cidade de São Paulo, logo após finalizar seus estudos na faculdade. Pouco tempo depois conheceu Odete  (já grávida de Cláudio), por quem se apaixonou e passou a conviver com o objetivo de constituir família. 

Ao longo de seis anos, as duas adquiriram uma casa de praia, dois carros e diversas obras de arte moderna de artistas brasileiros. Além disso, tiveram dois filhos através de inseminação artificial - Fabrício e Bruna. 

No início de 2013, Odete passou a se relacionar com Thales quando tinha que viajar para Ribeirão Preto a trabalho, onde, coincidentemente, herdou um outro imóvel de seu avô. 

Em meados de 2016, Fabrício foi atropelado e veio à óbito poucas horas após o acidente. Afetada pela situação, Odete passou a tomar remédios compulsivamente e a consumir bebidas alcóolicas em excesso.

Essa rotina gerou diversos problemas de saúde para a mulher, que apenas 6 meses após a morte do filho, também veio a falecer. Inicia-se o procedimento sucessório e o inventariante avalia os bens da seguinte forma:

  • Imóvel em São Paulo: R$750.000,00
  • Casa de praia: R$540.000,00
  • Carro 1: R$36.000,00
  • Carro 2: R$52.000,00
  • Obras de arte: R$325.000,00
  • Imóvel em Ribeirão Preto: R$600.000,00

Com base nas informações apresentadas, responda as questões a seguir.

Questões

  1. Qual é a relação entre Paula e Odete? Qual é o regime de bens aplicável a ela?
  2. Quais bens fazem parte da sucessão? Como são classificados os bens avaliados e catalogados pelo inventariante? (particulares e comuns).
  3. Quem são os herdeiros necessários de Odete?
  4. Como ficaria a partilha dos bens? Qual seria a cota parte de cada herdeiro?
  5. Como ficaria a partilha de bens caso Odete e Paula tivessem 5 filhos e Cláudio fosse o filho pré-morto?

Resolução

Resposta 1

Qual é a relação entre Paula e Odete? Qual é o regime de bens aplicável a ela?

Paula e Odete não se casaram, mas constituíram união estável. O Código Civil elenca os requisitos para a caracterização desse vínculo:

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

Veja que, apesar do dispositivo trazer em sua redação a união entre homem e mulher, a interpretação constitucional do artigo é extensiva, impedindo a discriminação injustificada entre casais heteroafetivos e homoafetivos - vide ADI 4277/DF e ADPF 132/RJ.

Portanto, pode-se afirmar que existia a união estável independentemente de reconhecimento judicial, visto que se trata de situação de fato. Para fins sucessórios, a união estável pode ser comprovada por meio de documentos simples como:

  • certidão de nascimento de filhos havidos em comum;
  • declaração de imposto de renda que conste o companheiro (a) como dependente;
  • prova do mesmo domicílio;
  • entre outros.

Quanto ao regime de bens, como o enunciado não traz um contrato específico, aplica-se à união estável o regime de comunhão parcial de bens:

Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.

Resposta 2

Quais bens fazem parte da sucessão? Como são classificados os bens avaliados e catalogados pelo inventariante? (particulares e comuns)

Levando em conta o regime de bens aplicável ao casal, fazem parte da sucessão todo o patrimônio do de cujus (Odete) que restar após a meação. Este conjunto de bens também é conhecido como “monte partível”.

Quanto à classificação dos bens, são considerados comuns (comunicáveis) aqueles adquiridos na constância da união estável à título oneroso. São eles:

  • a casa de praia;
  • os dois carros;
  • as obras de arte.

Os bens particulares (incomunicáveis) são aqueles adquiridos antes da união estável e aqueles obtidos de forma gratuita (doação, sucessão) ainda que na constância da união estável. São eles:

  • o imóvel em São Paulo (Paula);
  • o imóvel em Ribeirão Preto (Odete).

A divisão se baseia nos arts. 1658 e 1659 do Código Civil:

Art. 1.658. No regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com as exceções dos artigos seguintes.

Art. 1.659. Excluem-se da comunhão:

I - os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;

II - os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares;

III - as obrigações anteriores ao casamento;

IV - as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal;

V - os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;

VI - os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;

VII - as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.

Resposta 3

Quem são os herdeiros necessários de Odete?

Herdeiros necessários são aqueles que, por força da lei, possuem um montante mínimo do patrimônio do de cujus garantido, ou seja, que não podem deixar de suceder se assim for possível. Vejamos:

Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.
Art. 1.846. Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima.

Portanto, no caso em tela, são herdeiros necessários de Odete: Cláudio, Fabrício, Bruna e Paula. Lembrando sempre que o parceiro se equipara ao cônjuge para efeitos sucessórios. Também é importante ressaltar que, como Fabrício é pré-morto (morreu antes da abertura da sucessão), ele não se habilita como herdeiro para a partilha.

Resposta 4

Como ficaria a partilha dos bens? Qual seria a cota parte de cada herdeiro?

Constituído o espólio, retiram-se as dívidas e demais obrigações do de cujus e o patrimônio restante é meado. Para maior praticidade do exercício, vamos considerar que Odete estava livre de dívidas e outros encargos.

Deve-se somar então todo o patrimônio comunicável de Odete (R$953.000,00) e dividi-lo por dois, resultando em um montante de R$476.500,00 para Paula. Foram excluídos da conta apenas os imóveis de São Paulo e Ribeirão Preto, já que o primeiro já pertence a Paula e o segundo é incomunicável, obtido por sucessão por Odete.

Até aqui não tratamos de herança, mas sim da efetivação do regime de bens. Iniciando a sucessão propriamente dita, temos que saber como funciona a concorrência sucessória entre cônjuge/companheiro e descendentes:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se [...], no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

Art. 1.832. Em concorrência com os descendentes (art. 1.829, inciso I) caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer.

Dessa forma, a companheira Paula concorre com os filhos vivos da Odete (Bruna e Cláudio) sobre os bens particulares. Os três dividiriam o valor do imóvel em Ribeirão Preto, recebendo ⅓ cada (R$200.000,00).

Quanto ao restante dos bens comunicáveis, seria dividido igualmente entre Bruna e Cláudio (R$238.250,00 cada).

Resposta 5

Como ficaria a partilha de bens caso Odete e Paula tivessem 5 filhos e Cláudio fosse o filho pré-morto?

Neste cenário, após a meação, os bens particulares de Odete seriam divididos em cinco partes iguais para os filhos, reservando a quarta parte para a companheira Paula. Isso porque os filhos são todos descendentes em comum do de cujus com a companheira sobrevivente.

Portanto, o quinhão de Paula seria de ¼ do total (R$150.000,00) e os cinco filhos dividiriam os ¾ restantes entre si (3/20 ou R$90.000,00). 

Observações Importantes

Essa questão da reserva de ¼ da herança para o cônjuge ou companheiro é bastante debatida na doutrina e nos tribunais. Isso porque ocorrem situações em que o parceiro sobrevivente concorre tanto com os filhos comuns quanto com os filhos exclusivos do de cujus.

E aí? deve-se reservar a quarta parte para o cônjuge? A divisão deve ser feita por cabeça igualmente entre todos? Os filhos exclusivos devem ser considerados comuns para fins sucessórios?

Ainda não existe um regra ou entendimento consolidado, mas a dúvida já foi abordada por tribunais como o STJ e também foi objeto de alguns artigos interessantes. Para quem pretende se aprofundar no assunto, segue abaixo uma pequena lista com indicações de leitura: