Publicado em: 23/05/2025 por Guilherme Carvalho - Equipe


Trilheiros e trilheiras, no post de hoje comentaremos sobre o assunto que vem dominando as redes sociais nas últimas semanas: os bebês reborns. O aumento de relatos de supostos acontecimentos envolvendo “pais” desses bebês é o que tem sustentado as discussões. 

                                                                                                                                                                 Foto: Amazon/Reprodução/ND

 

Se você utilizou alguma das principais redes sociais durante este mês, é quase certo que se deparou com alguma postagem, um meme que seja ou até uma notícia que tratasse de algum suposto caso envolvendo bebê reborn – bonecas hiper-realistas de crianças recém nascidas que podem custar até R$10 mil. Notícias sobre mulheres que teriam levado esse modelo de boneca a hospitais como se fossem crianças reais ou supostos casais que estariam judicializando casos de separação e guarda dos bonecos fomentaram as discussões nas redes sociais e chamaram atenção da imprensa, até de parlamentares e da sociedade. 

Mas o que há, de fato, por trás dessa narrativa?

Faltam evidências e sobram especulações. Não há registros concretos de casos que evidenciem na prática os fatos narrados em inúmeros vídeos espalhados pelas redes sociais, muito menos, o registro do aumento de casos do tipo. Não há registros oficiais de atendimentos médicos vinculados a este suposto fenômeno social, nem se quer, dados que comprovem a veracidade destes acontecimentos.

Um levantamento feito pelo UOL com secretarias de Saúde de todas as regiões do país mostrou que houve apenas um registro de alguém que realmente tentou levar uma boneca a uma unidade de atendimento. O caso aconteceu no município de Guanambi, no sul da Bahia, e a mulher, dona do boneco, nem chegou a entrar na unidade médica. Segundo a prefeitura, uma jovem com diagnóstico de transtorno psiquiátrico tentou atendimento para uma boneca na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da cidade, mas foi reconhecida, questionada e orientada a voltar para casa. Em nota, a prefeitura de Guanambi disse que os familiares da jovem foram notificados e procuraram ajuda profissional para ela.

No entanto, uma reportagem do G1 mostrou que outro caso semelhante aconteceu em janeiro deste ano em Itajaí, no estado de Santa Catarina. No caso do sul do país, uma mulher procurou uma Unidade Básica de Saúde (UBS) com o intuito de vacinar a boneca. Ela chegou ao posto de saúde acompanhada de sua filha de 4 anos e, inicialmente, os profissionais acreditaram que seria a menina que receberia a vacina. Mas se surpreenderam ao descobrirem que o intuito da mãe era vacinar a boneca. 

Os profissionais afirmaram que explicaram que não poderiam realizar o procedimento devido ao uso exclusivo de equipamentos médicos para seres humanos, quando a mulher sugeriu que apenas simulassem a aplicação da vacina na boneca.

"O que tem? É só abrir uma seringa, só abrir uma agulha e fingir que deu", disse ela. 

Ainda segundo apuração do G1, o intuito da mãe seria filmar e postar nas redes sociais. Apesar disso, a equipe de saúde manteve a decisão de não atender o pedido, reforçando a importância de seguir os protocolos de saúde. Mesmo tendo acontecido em janeiro, o caso só viralizou nas últimas semanas.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         Foto; Amazon

Repercussão no poder público

A ausência de dados que comprovem esse suposto fenômeno não foi o suficiente para impedir que este debate ocupasse espaço nas esferas municipal, estadual e federal do poder público. Alguns projetos de leis preveem multas de até R$50 mil para quem utilizar esses bonecos a fim de obter vantagens ou levá-los a unidades de atendimento médico. 

No último dia 8 de maio, a Câmara Municipal do Rio de Janeiro aprovou um projeto de lei para a criação do "Dia da Cegonha Reborn", com o intuito de reconhecer o trabalho das artesãs que produzem bonecas hiper-realistas. De acordo com o vereador Vitor Hugo (MDB), relator do projeto,  o objetivo é ressaltar que:

"O nascimento de um bebê é um momento singular na vida de uma mulher, e não é diferente para as mamães reborn, porém, os seus filhos são enviados por cegonhas, sendo esse o nome conferido às artesãs que customizam bonecas para se parecerem com bebês reais".

Um levantamento feito pela startup de inteligência de dados governamentais Inteligov, divulgada pelo UOL, apontou que há propostas nesse sentido tramitando na Câmara dos Deputados; nas Assembleias Legislativas de São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Paraíba, Espírito Santo e Alagoas; além das Câmaras Municipais de Salvador, Curitiba, Cuiabá, Vila Velha (ES) e seis cidades paulistas: São Paulo, São José dos Campos, Santo André, Americana, Guarujá e Santa Bárbara D'Oeste.

São pelo menos 25 projetos de leis tramitando nas diferentes esferas e regiões do país. As argumentações são semelhantes, os textos apontam que a reincidência dos supostos casos pode colocar em risco a vida de pessoas reais que precisam do serviço médico e ainda alertam para o desperdício de recursos públicos. Ainda há projetos que proibem que pais de bebês reborn tenham prioridade em filas, obtenham gratuidade no transporte público e usufruam de  benefícios voltados para crianças reais.

Limites éticos e reflexão social 

A Constituição Federal é clara ao determinar que a atividade legislativa se baseie nos princípios da legalidade, da razoabilidade e da dignidade da pessoa humana, conforme prevê o artigo 37:

"A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)”

Além disso, especialistas têm apontado um outro viés na repercussão dessa temática, o de gênero. “O que vemos não é uma preocupação real com a saúde pública ou com possíveis riscos jurídicos, mas sim a ridicularização de comportamentos femininos associados ao afeto, ao cuidado e ao colecionismo”, apontou a advogada Luciana Borsoi, em seu artigo de opinião sobre o tema publicado na revista eletrônica Consultor Jurídico (Conjur).

A advogada ainda defendeu que o problema está mais relacionado à forma com que a sociedade trata a mulher, do que de fato com as bonecas que parecem ser o centro do debate. Nesta mesma margem de pensamento, a psicóloga e professora da USP, Leila Tardivo, defendeu em entrevista ao Fantástico, programa da Rede Globo, que este tipo de prática não necessariamente está atrelado a uma condição clínica. 

"Isso não é necessariamente patológico. São gostos individuais. Por que nós vamos julgar uma mãe que brinca e não julgamos um pai ou homem que brinca? Porque é brincar também, colecionar super-heróis, animes”, defendeu.