Critérios para a apuração do abandono afetivo

Conceito De Abandono Afetivo

Quando um casal decide ter filhos, de maneira planejada ou não, automaticamente surge o dever de cuidado para com o filho. Este dever está previsto nos artigos 227 e 229 da CF/88, bem como no artigo 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): 

CF

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. [...]

Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.

ECA

Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.

O entendimento firmado pela ministra Nancy Andrighi, no Recurso Especial 1.159.242/SP, foi fundamentado nessas normas constitucionais. Então, o dever de cuidado passou a ser definido como o dever de criação, educação e companhia, e o seu não cumprimento é capaz de ensejar danos morais.

Nas palavras da ministra:

Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social (STJ, REsp 1.159.242/SP, j. 24.04.2012).

Desse modo, analisando a legislação brasileira e o posicionamento do STJ, vê-se que o dever de afeto está inserido no dever de cuidado. Assim, é plenamente possível que o genitor que se omita na prática das obrigações inerentes à paternidade incorra em abandono afetivo.

Violação ao Dever de Cuidar

Acontece que, a partir do momento em que o filho se vê desprovido do seu direito de cuidado, educação ou convivência por parte do genitor, surge uma violação aos direitos da personalidade dessa criança ou desse adolescente.

Assim, uma vez que o abandono afetivo viola a dignidade humana do filho, se restar comprovado o nexo causal entre a conduta do genitor, que rompeu com os deveres inerentes à atividade parental, e o dano psíquico-social trazido por esse abandono, é possível que o filho pleiteie reparação pelos danos sofridos.

Configuração Do Dano

A indenização por dano moral tem o condão de reparar um sentimento de sofrimento, tristeza ou abandono suportado pela vítima. Além disso, em relação ao ofensor, a reparação possui uma função pedagógica, afastando a corrente ultrapassada que enxergava a reparabilidade como uma suposta maneira de monetizar o afeto.

Nesse sentido, existem duas linhas de pensamento acerca de como o dano concretiza-se:

  1. A primeira corrente entende que o dano é presumido, denominado, dano in re ipsa. Este é o posicionamento adotado pelo STJ e, assim, não há necessidade de instrução probatória, bastando que o filho comprove as condutas lesivas praticadas pelo genitor, para se supor a existência de dano moral.
  2. A segunda corrente entende que, por se tratar de responsabilidade civil, todos os seus elementos devem ser provados, inclusive, o dano moral. Assim, não basta provar que a conduta do genitor violou o dever de cuidado, sendo preciso comprovar que essa violação causou um sofrimento mental ou espiritual do filho.

Seguindo essa segunda linha, os possíveis meios de prova a serem utilizados são laudos periciais atestando problemas de saúde física e comportamental, boletim escolar com baixo rendimento, depoimento da vítima, testemunhas que perceberam as consequências advindas da ausência do genitor, entre outros.

Ainda, pela segunda corrente, nos casos em que a criança consegue suprir o abandono de algum modo, como quando se tem um genitor socioafetivo, não há o que se reparar, pois assume-se, nessas situações, a inexistência de dano.

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