Prescrição – Limite ao Poder Estatal

O Estado tomou para si o monopólio do direito de punir. Portanto, a fim de que fosse possível viver em sociedade, todos os seus membros, através do que Rosseau chamava de contrato social, aceitaram transferir ao Estado este poder. Logo, somente o Estado pode punir um agente infrator. Este direito, porém, não é absoluto e sofre diversas restrições. Há limitações materiais, porque só pode ser punido aquilo que é um bem jurídico relevante para a sociedade e previsto em lei. Da mesma maneira, a punição exige a existência de um processo legal em que se garanta todos os direitos e garantias dos acusados.

Da mesma maneira, não seria razoável que um sujeito que viesse a cometer um crime hoje passasse o resto da vida receoso de que a qualquer momento uma persecução penal poderia ser deflagrada contra si. Outrossim, se o Estado pudesse exercer seu poder punitivo a qualquer momento, provavelmente sua eficiência seria menor. Logo, é importante que haja também uma limitação temporal ao limite de punir. Quando o sujeito comete uma infração, um “cronômetro” é disparado e o Estado possui certo tempo determinado por lei para que possa agir e punir.

Por exemplo, um sujeito aos 18 anos comete um furto por estar com dificuldades financeiras. Porém, muda de vida, cria uma família e o tempo passa. Não seria razoável que aos 70 anos, quando já fosse avô, viesse a ser punido por aquela conduta tão antiga. 

A prescrição é uma matéria de Direito Penal, apesar de produzir efeitos no Direito Processual Penal. É de Direito Penal porque afeta diretamente o poder punitivo do Estado. Logo, os prazos prescricionais são improrrogáveis, mesmo que caia em final de semana, por exemplo. Ainda, sua contagem se vale do art. 10 do CP (inclui-se o dia do começo e exclui-se o dia do final).

A prescrição é matéria preliminar e de ordem pública. É preliminar porque antecede o mérito da ação penal. Ela deve ser decidida antes da análise do mérito – não se pode condenar ou absolver o réu antes de se decidir a prescrição. É de ordem pública, uma vez que ela pode e deve ser reconhecida de ofício pelo juiz a qualquer tempo e grau de jurisdição. Em outros termos, não precisa de provocação das partes e não preclui.

Fundamentos

Portanto, a prescrição vem a garantir a segurança jurídica. Ela é um dos norteadores do Direito moderno, pois as relações jurídicas devem ser estáveis e previsíveis para que toda a sociedade possa evoluir. Assim, com base no que foi dito, não pode o sujeito passar a vida inteira inseguro do que possa vir a ocorrer consigo. 

Beccaria, autor da escola clássica, também afirma que uma sanção pertinente é aquela aplicada rapidamente (a pena deve ser justa, séria e rápida). Logo, se o sujeito comete um furto e é punido meses depois, a sociedade recebe um “recado” de que furtar traz aquelas consequências. Porém, se a punição ocorresse somente 50 anos depois, a prevenção geral não seria efetivada. Ruy Barbosa dizia que justiça tardia não é justiça.

Por fim, como já dito, quando o Estado sabe que tem um período para conseguir punir, ele irá se esforçar para efetivar este direito, o que talvez não ocorresse de forma tão eficiente se não houvesse limitações temporais.

Natureza Jurídica

O art. 107 do Código Penal apresenta as causas de extinção da punibilidade, que são as hipóteses em que o Estado deixa de ter o seu poder de punir, como diante da morte do agente, da abolitio criminis ou da anistia. A prescrição é a causa de extinção da punibilidade prevista no inciso IV daquele dispositivo. 

Segundo a Teoria Tripartite, crime é, pelo conceito analítico, o fato típico, ilícito e culpável. A punibilidade não é pressuposto do crime, mas sim da aplicação da pena. Portanto, quando há uma causa de extinção da punibilidade, o crime segue existindo, mas a pena não pode mais ser aplicada.

Crimes Imprescritíveis

O Código Criminal do Império de 1830, em seu art. 65, dizia que as penas impostas aos condenados não prescreviam em tempo algum. O Código Penal Republicano de 1890, por sua vez, já previa a prescrição, assim como o atual. Atualmente, a regra é a prescrição – as penas dos crimes em geral prescrevem, inclusive dos crimes hediondos e equiparados. Existem, contudo, exceções, ou seja, casos de crimes imprescritíveis.

A Constituição prevê duas hipóteses em que o crime é imprescritível. Conforme seu art. 5º, LXIV, é imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático. Além dele, o racismo também é imprescritível. Importante lembrar que os crimes hediondos e equiparados não são imprescritíveis. Sobre o racismo, o STF está ainda julgando se este conceito abrange os crimes de injúria racial ou não. Isto porque, em tese, os crimes de racismo seriam apenas aqueles previstos na Lei 7.716/1989.

Prescrição X Decadência

A prescrição é um instituto que atinge todos os crimes, salvo o racismo e a ação de grupos armados, como visto. Por outro lado, a decadência, causa extintiva de punibilidade também, somente atinge os casos de ação penal pública condicionada à representação e ação penal privada, situações em que o ofendido tem 6 meses para exercer seu direito. Logo, em consequência, a prescrição pode ocorrer em qualquer momento, ao passo que a decadência apenas antes da ação penal.

A prescrição é improrrogável, mas é possível que seja suspensa ou interrompida, enquanto a decadência, também improrrogável, não é suspensa ou interrompida. A prescrição atinge diretamente o direito de punir do Estado. A decadência atinge diretamente o direito de ação, e, indiretamente, o direito de punir. 

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