Bem-vindos ao início de nossa jornada pelo pragmatismo jurídico, um campo que transcende o teórico e se enraíza firmemente na prática e nos resultados tangíveis do direito. Adiante, vamos desvendar o pragmatismo jurídico, emergindo não apenas como uma corrente filosófica, mas como uma força viva dentro do universo jurídico.
O Pragmatismo é um movimento filosófico que condiciona a validade de uma teoria a um resultado prático, ou seja, que uma ideia só pode ser aproveitada a partir de uma perspectiva prática que gera resultados reais e mensuráveis.
O pragmatismo jurídico tem suas raízes no final do século XIX nos Estados Unidos, construído pela mente de três filósofos influentes: William James, John Dewey e Charles Sanders Peirce.

William James, à esquerda; Charles ao centro; e John Dewey à direita. Fonte: Revista Pedagógica Nueva Escuela (acesso em: https://revistapedagogicanuevaescuela.blogspot.com/2014/12/el-pragmatismo-y-la-teoria-de-la.html)
Os três autores instituíram o chamado “Pragmatismo clássico”, que é a primeira linguagem do movimento e busca o significado e a natureza da verdade no âmbito da filosofia a partir de uma perspectiva prática, que gere resultado.
Em 1970, Richard Rorty reacende o pragmatismo clássico e cria a chamada “segunda onda” do pragmatismo filosófico.
A exploração do pragmatismo jurídico se fundamenta em cinco premissas principais:
Embora próximos, o pragmatismo e o utilitarismo apresentam nuances distintas. O pragmatismo é epistemológico, ou seja, procura sistematizar e classificar as mais diversas formas de conhecimento e se concentra na utilidade do conhecimento e seus resultados práticos, enquanto o utilitarismo olha para a ética e o bem-estar individual a partir de uma perspectiva de normas de conduta e comportamento ético.
Vamos explorar agora a relação íntima e complexa entre o pragmatismo e o utilitarismo, dois movimentos filosóficos que deixaram marcas profundas na história do capitalismo e influenciaram fortemente o direito moderno.
O utilitarismo, que surgiu na Inglaterra através de pensadores como John Stuart Mill e Jeremy Bentham, é pautado pela valorização do indivíduo, especialmente em garantia do direito de bem-estar individual de cada um.
O utilitarismo enfatiza o bem-estar individual, mas o pragmatismo jurídico nos adverte sobre os perigos de um individualismo excessivo, que pode sacrificar o bem-estar coletivo. A valorização excessiva do indivíduo pode levar a injustiças contra minorias e a uma perda do sentido dos direitos coletivos, um conceito que o direito antidiscriminatório procura salvaguardar.
Já o pragmatismo, que é originário dos Estados Unidos, valoriza ideias e teorias baseadas em sua aplicabilidade e consequências práticas. O pragmatismo é focado em conhecimento, enquanto o utilitarismo é focado na ética como princípio fundamental.
Uma teoria é considerada útil no pragmatismo não apenas pelo seu sucesso individual, mas pelo seu contributo para o progresso social. Em oposição a conceitos abstratos, o pragmatismo valoriza teorias que promovem estabilidade social e soluções para problemas concretos.
No campo da epistemologia, o pragmatismo é uma ciência da ação, distinta do utilitarismo que é mais identificado com uma ética do conhecimento. O pragmatismo se preocupa com o conhecimento prático que pode ser testado e comprovado, ecoando a filosofia empírica de Aristóteles em contraste com o idealismo platônico, que é um sistema dedutivo decorrente de uma ideia.
Tendo em vista o objetivo principal de conectar teoria e prática por meio do estudo do conhecimento, a partir do pragmatismo filosófico surgem várias formas de conhecimento voltadas à valorização do aspecto prático das teorias, e o direito foi uma delas.
Nossa jornada pelo pragmatismo chega a um novo patamar, onde discutimos sobre pragmatismo filosófico e, agora, discutiremos sobre a aplicação do pragmatismo ao direito — o pragmatismo jurídico.
O pragmatismo jurídico aplica valor às teorias e normas jurídicas a partir de suas consequências práticas. Isso implica que, ao invés de nos atermos somente à dogmática jurídica, devemos avaliá-las pelo método zetético, verificando como as normas operam na realidade e o que elas efetivamente provocam na sociedade.
Na sociologia do direito, podemos enxergar esse movimento em, por exemplo, a relativização das normas jurídicas para que sejam aplicadas do modo mais justo e muitas vezes recortado por um contexto específico, ao invés de uma análise generalista.
Historicamente, a sociologia clássica ofereceu uma visão abstrata da sociedade. No entanto, no século XX, presenciamos uma transição para uma sociologia mais prática, que valoriza os aspectos concretos do comportamento humano e suas implicações jurídicas. Essa mudança reflete a influência do pragmatismo jurídico, que se preocupa com a estabilidade das relações jurídicas e suas implicações sociais.
A norma jurídica não pode mais ser vista como uma entidade isolada, mas sim como uma parte do processo jurídico interativo com a realidade. O direito, em sua essência, entende-se como uma ciência dogmática, porquanto seja perfeito e coeso. Entretanto, a dogmática jurídica, apesar de ser uma base importante, não é absoluta e deve ser complementada pela análise pragmática, que inclui a ética e a eficácia social das leis.
Ao inserirmos a zetética na interpretação das normas jurídicas, incorporamos a possibilidade de relativização das normas jurídicas, priorizando o compromisso com a realidade social, sendo o pragmatismo o “sacrifício do abstrato em prol do concreto”.
Importante destacar que o pragmatismo defende que as decisões não sejam fundamentadas em teorias abstratas e não testadas. Aqui, não significa que as teorias não tenham validade, mas sim que, em cada caso, sejam avaliadas e consideradas as consequências práticas.
Por exemplo: o pragmatismo defende que as decisões não sejam fundamentadas em teorias abstratas e não testadas. Isso não quer dizer que elas (as teorias abstratas) não funcionem de forma definitiva, mas é preciso avaliar as consequências práticas.
Para resumir, podemos lembrar do pragmatismo jurídico pelas seguintes características:
Vamos prosseguir com nosso estudo sobre o pragmatismo jurídico e discutir mais sobre seu principal expoente, assim como aplicar essas ideias de maneira prática.
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Richard Posner é um nome significativo quando falamos de pragmatismo jurídico. Posner é um jurista dos Estados Unidos, formado em Yale e Harvard. Trabalhou na Suprema Corte dos EUA, na Comissão Federal de Comércio e também foi juiz do tribunal de apelação da 7ª Região, até se tornar presidente. Também foi professor na faculdade de Stanford e Chicago.
Ele propõe que os magistrados devem sempre considerar as consequências práticas de suas decisões, mesmo aquelas que parecem ter um impacto limitado a um contexto local.
A influência de Posner é tão forte e universal que refletiu profundamente na Lei de Introdução ao Direito Brasileiro, especialmente nos artigos 20 e 30, incluídos com o advento da lei nº 13.655/2018. Vejamos:
Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.
Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas.
Art. 30. As autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, inclusive por meio de regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas.
Parágrafo único. Os instrumentos previstos no caput deste artigo terão caráter vinculante em relação ao órgão ou entidade a que se destinam, até ulterior revisão.
A forma de raciocínio de Posner passa por duas etapas importantes:
É uma estrutura que nos leva a ponderar não apenas o propósito, mas também as consequências práticas de uma norma.
O propósito de uma norma é interpretar e extrair o significado mais adequado ao contexto e aplicá-la sem que isso atinja outros bens jurídicos, sejam eles tangíveis ou intangíveis.
Vamos usar um exemplo.
Há a necessidade de criar uma ponte para atravessar de um lado da cidade para outro. A norma que estipula a construção desta ponte tem como objetivo facilitar a locomoção, que hoje é feita de uma forma muito difícil e custosa.
Ao verificar as opções, verifica-se que há a opção de uma ponte móvel versus uma ponte fixa. Uma ponte móvel pode causar menos danos ambientais em comparação à fixa. Aqui entra a interpretação teleológica da norma — buscamos a finalidade da norma, sem nos prendermos exclusivamente à sua literalidade.
Portanto, devemos escolher a opção que resulte no melhor equilíbrio entre atingir esse propósito e minimizar danos colaterais, como os danos ambientais.
Essa análise denota a teoria de Posner sobre interpretar as normas segundo a sua finalidade.
No âmbito de interpretação dos termos jurídicos (hermenêutica), temos dois métodos de leitura:
A leitura sistêmica nos orienta a interpretar uma norma em harmonia com o restante do ordenamento jurídico. Uma interpretação isolada pode ignorar o impacto em outras normas e princípios, como o da proporcionalidade.
No exemplo da ponte retrocitado, para além da norma que determinou sua construção, foram consideradas também as normas ambientais, de direito civil, direito urbanístico, direito constitucional, direito administrativo, etc.
A teleologia é a ciência que estuda e busca a finalidade das coisas. Com base nisso, esse método considera a busca da finalidade para a ação. No nosso exemplo, a finalidade é garantir o direito de ir e vir.
Nesse âmbito, é muito importante considerar o princípio da proporcionalidade, que nos leva a avaliar se uma medida é adequada, necessária e proporcional em sentido estrito.
A nossa análise deve ser holística, considerando todos os impactos e buscando equilibrar os benefícios com os malefícios. No pragmatismo jurídico, é essencial buscar um resultado prático que seja benéfico para a sociedade sem comprometer outros valores jurídicos.
Vamos agora explorar a crítica ao abstracionismo e ao excessivo racionalismo no direito, bem como a importância de avaliar as consequências práticas das decisões judiciais, seguindo os ensinamentos de Richard Posner, uma figura central nesse movimento.
O pragmatismo se posiciona de forma crítica, destacando claramente o que deseja combater. Podemos citar:
Posner destaca a necessidade de os tribunais tomarem decisões que sirvam de modelo e inspirem a seleção de outras causas, trabalhando com a ideia de coletividade e danos individuais mensuráveis.
Entretanto, Posner argumenta que a jurisprudência não deve ser uma simples fábrica de decisões iguais, mas um instrumento para promover justiça, desafiando o excessivo racionalismo e a uniformização do direito. Ele coloca em dúvida a função monolítica do direito de apenas resolver problemas, sugerindo que o direito deve também organizar e melhorar a vida social.
Quando enfrentamos um problema comum, como um defeito de fabricação que afeta milhares de consumidores, entramos no domínio dos direitos difusos e coletivos. A solução jurídica para esses problemas deve ser eficiente e prática, muitas vezes por meio de um incidente de resolução de demandas repetitivas, que uniformiza uma decisão e estabelece parâmetros para casos semelhantes.
Analisando um caso concreto, como o tratamento de quimioterapia em planos de saúde diversos, percebemos que a aplicação monolítica do direito não é suficiente, pois cada situação é única, com gravidades, condições e realidades distintas, mesmo que haja, entre todos, a necessidade de garantia do direito à vida e à saúde. Aqui, o pragmatismo jurídico promove uma visão mais empírica e contextual, que se preocupa com as consequências práticas de cada decisão.
O direito deve estar alinhado com a realidade prática e as necessidades humanas, evitando decisões que sejam desproporcionais ou desconectadas do contexto social. Para superar essas críticas, o pragmatismo possui quatro divisões que consistem em características cumulativas entre si. São elas:
Veremos, mais adiante, sobre cada uma.