Aborto e Eutanásia
ABORTO
O QUE É?
Do ponto de vista clínico, aborto é a interrupção prematura da gravidez, havendo a retirada do embrião ou feto do útero da mulher, podendo ser espontâneo (ocorrer por causas naturais) ou induzido (provocado por alguém – a própria gestante ou uma outra pessoa).
Em termos legais, a proibição ou permissão do aborto varia de acordo com o país. Alguns países permitem o aborto sem restrições, não sendo necessária justificativa da mulher ou autorização judicial para isso. Alguns exemplos de países que não impõem restrições ao aborto são: Espanha, Argentina, França, Alemanha, Canadá, Portugal, Inglaterra.
Nos EUA também é permitido o aborto, mas há restrições a essa prática em alguns dos Estados dessa Federação. A legislação de cada um dos países citados apresenta variações quanto até qual período da gestação o aborto sem restrições será permitido.
Outros países legalizam o aborto apenas em algumas situações ou o proíbem, estipulando algumas exceções a essa regra da proibição. Há uma predominância do aborto sem restrições em países desenvolvidos e, nos países subdesenvolvidos, a maioria restringe ou criminaliza essa prática.
No Brasil, o aborto é crime, independentemente se for provocado pela gestante ou por outra pessoa (médica ou não), havendo apenas duas exceções a essa regra. Essa tipificação é estipulada legalmente em quatro artigos do Código Penal (artigos 124, 125, 126 e 127, CP) e o texto do artigo 128 traz a hipótese de exclusão da punibilidade.
O aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento é tipificado no texto do artigo 124 do CP, sendo a pena estipulada para esse crime a detenção, de um a três anos.
Os artigos 125 e 126, por sua vez, tratam do aborto provocado por terceiro. Se o aborto for provocado sem o consentimento da gestante, a pena será de reclusão, de três a dez anos. Caso o aborto seja realizado com o consentimento da gestante, a pena para o terceiro será de reclusão, de um a quatro anos.
Ressalve-se que está estipulado, no parágrafo único do artigo 126 do CP, que, caso o aborto seja realizado com o consentimento da gestante, mas ela seja menor de quatorze anos, alienada, débil mental (nos termos utilizados pelo CP) ou se o consentimento houver sido obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência, a pena aplicável será aquela determinada no artigo 125, ou seja, reclusão, de três a dez anos. Isso porque esses fatores invalidam o consentimento da gestante, pela sua incapacidade.
O artigo 127 do CP, a seu turno, traz a forma qualificada do crime do aborto. Caso a gestante sofra lesão corporal de natureza grave em razão do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, as penas previstas nos artigos 125 e 126 do CP são aumentadas em um terço. Caso sobrevenha a morte da gestante pelas mesmas razões, essas penas serão duplicadas.
As hipóteses de exclusão da punibilidade do aborto estão previstas no texto do artigo 128 do CP. Não será punido o aborto praticado por médico caso se trate de aborto necessário, ou seja, se não houver outro meio de salvar a vida da gestante ou se for aborto no caso de gravidez resultante de estupro, desde que seja precedido de consentimento da gestante ou, se ela for incapaz, de seu representante legal.
Relevante mencionar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54 (ADPF 54), na qual o STF declarou ser inconstitucional a interpretação que trata o aborto de fetos anencéfalos como conduta tipificada nos artigos 124 e 126 do CP, pois o aborto é um crime contra a vida e, pela interpretação do STF, o feto anencefálico não possui qualquer possibilidade de vida fora da barriga da mãe.
LEGALIZAR OU MANTER A CRIMINALIZAÇÃO?
Existe, no Brasil, o debate sobre uma possível legalização do aborto ou a manutenção da legalização vigente. Esse debate envolve diversas discussões, dentre elas, sobre o início da vida na concepção, direitos do nascituro, direito à vida, autonomia da mulher e questões de saúde pública, dentre outras.
ABORTO NO MUNDO
Do ponto de vista social, a OMS, o IBGE e o Instituto de Medicina Social possuem estudos de onde foram tirados os dados explicitados a seguir, estando os links desses estudos disponíveis na descrição do vídeo.
Durante o período de 2010 a 2014, estima-se que foram realizados 56 milhões de abortos por ano ao redor do mundo. A taxa de aborto vem diminuindo nos países desenvolvidos (nos quais, em sua maioria, o aborto é permitido) e aumentando nos países latino-americanos e Caribe (os quais, em grande parte, proíbem o aborto e são responsáveis pela maior taxa de aborto no mundo). O número mundial de abortos aumentou; entende-se que isso ocorreu em razão do crescimento da população.
ABORTO NO BRASIL
Em 2014, estima-se que o SUS tenha realizado mais de 1600 abortos legais no Brasil. Dentre esses abortos legais, mais de 90% ocorrem em razão de gestações resultantes de estupro. Importante ressaltar que, na maioria dos casos, os hospitais possuem estruturas muito precárias para tratamento dessas gestantes.
Em 2013, o número de abortos realizados em território brasileiro é estimado em 1.068.000 de abortos, sendo o nordeste a região onde foi realizada a maior parte deles – uma taxa de 419 abortos a cada 1000 mulheres em 2013.
Apesar da criminalização do aborto, muitas mulheres optam por essa prática, sendo o aborto uma das principais causas de morte materna, especialmente nas regiões norte e nordeste do país, considerando-se tanto os abortos praticados legalmente quanto os ilegais.
A clandestinidade dos procedimentos abortivos em razão da proibição é um fator que colabora bastante para essa proporção, por serem realizados sem a estrutura necessária para garantir a segurança da gestante.
EUTANÁSIA
DEFINIÇÕES
Existem alguns conceitos principais quando se trata sobre o tema da eutanásia. São eles: a eutanásia propriamente dita ou eutanásia ativa, a eutanásia passiva ou ortotanásia e a distanásia.
A palavra eutanásia significa morte boa ou tranquila, referindo-se a uma ação médica que leva à morte um paciente em estado terminal a pedido desse paciente com o objetivo de encerrar seu sofrimento em virtude da doença que o acomete. Essa pessoa, que poderá ser um médico, é a responsável pelo ato, podendo fazê-lo, por exemplo, aplicando uma injeção letal no paciente.
A eutanásia diferencia-se do suicídio assistido. Neste, uma pessoa, que pode ser um médico, auxilia o paciente a morrer também a pedido do paciente, receitando um remédio que irá matar esse paciente. Contudo, quem realiza a ação de tomar esse remédio é o próprio paciente.
A eutanásia passiva ou ortotanásia é a abstenção, por parte do médico, de ações que mantenham o paciente vivo, permitindo que uma enfermidade ou doença siga o seu curso e leve esse paciente à morte. Um exemplo é a interrupção de tratamentos ou o desligamento de aparelhos de sustentação vital.
A distanásia, por sua vez, significa a persistência de intervenções terapêuticas em um paciente que está em estado terminal para tentar preservar a vida desse paciente; contudo, essa intervenção estaria causando um maior sofrimento a ele, devido às intermináveis intervenções que acabam se mostrando inúteis para a obtenção da cura do paciente.
PAÍSES QUE PERMITEM A EUTANÁSIA
Poucos países permitem a eutanásia. A Holanda e a Bélgica permitem a eutanásia e o suicídio assistido. A Suíça e a Alemanha, por sua vez, permitem apenas o suicídio assistido.
E NO BRASIL?
No Brasil, não existe um tipo penal específico que trate da eutanásia ou de qualquer uma das demais modalidades abordadas. Na Exposição de Motivos do Código Penal, ao se falar sobre diminuição da pena por relevante valor social ou moral, constante do §1º do artigo 121 do CP, é dado como exemplo o “homicídio eutanásia”. Portanto, a eutanásia no Brasil é tratada como uma modalidade de homicídio.
Existem resoluções do Conselho Federal de Medicina que abordam a eutanásia passiva ou ortotanásia.
RESOLUÇÕES DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA
A Resolução nº 1931/2009 (Código de Ética Médica), possui disposto no texto de seu artigo 41, que uma das condutas vedadas aos médicos seria abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal.
No conteúdo do parágrafo único do artigo 41 supracitado, está determinado que, sendo a doença incurável e terminal, deverá o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem que sejam empreendidas ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, devendo sempre levar em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal. Há referência e estímulo, portanto, à pratica da distanásia.
A Resolução 1805/2006, também do Conselho Federal de Medicina, faz referência à prática da ortotanásia em seu artigo 1º. De acordo com esse dispositivo, “é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal”.
Contudo, o médico tem o dever de esclarecimento do doente ou de seu representante legal quanto às modalidades terapêuticas adequadas para cada situação (art. 1º, §1º, Resolução 1805/2006). Além disso, a decisão de limitar ou suspender os procedimentos e tratamentos de prolongamento da vida deve ser fundamentada e registrada no prontuário do paciente (art. 1º, §2º, Resolução 1805/2006).
Ademais, o doente ou seu representante legal possuem assegurado o direito de buscar uma segunda opinião médica sobre a viabilidade dessa limitação ou suspensão (art. 1º, §3º, Resolução 1805/2006).
Outro relevante regramento é a Resolução 1995/2012, do Conselho Federal de Medicina, a qual institui as diretivas antecipadas da vontade ou testamento vital, ou seja, o direito do paciente de decidir, de maneira prévia e expressa, a quais cuidados e tratamentos deseja ser submetido ao fim da sua vida, caso se encontre incapacitado de expressar sua vontade de maneira livre e autônoma.
O Conselho Federal de Medicina afirmou que o testamento vital não está relacionado à prática da eutanásia, mas sim da ortotanásia.
Tais Resoluções, por terem sido editadas pelo Conselho Federal de Medicina, que é uma autarquia federal, possuem eficácia apenas entre os membros desse Conselho e sua violação pode gerar consequências administrativas, não possuindo força perante o ordenamento jurídico nacional.
PROJETOS DE LEI
Existem dois projetos de lei tramitando no Congresso Nacional nos quais estão propostas uma maior especificação da legislação em relação à eutanásia e às demais modalidades relacionadas.
O primeiro deles, uma proposta de anteprojeto da parte especial do Código Penal que alteraria a lei, excluindo a ilicitude da prática da ortotanásia e criaria um tipo penal específico para a eutanásia, inserindo os parágrafos 3º e 4º no artigo 121 do Código Penal, o qual tipifica a conduta de homicídio.
Nos termos do anteprojeto (eutanásia – §3º), “se o autor do crime é cônjuge, companheiro, ascendente, descendente, irmão ou pessoa ligada por estreitos laços de afeição à vítima, e agiu por compaixão, a pedido desta, imputável e maior de dezoito anos, para abreviar-lhe o sofrimento físico insuportável, em razão de doença grave e em estado terminal, devidamente diagnosticados: Pena – reclusão de dois a cinco anos”.
Por sua vez, quanto à exclusão de ilicitude (§4º), “não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial, se previamente atestada por dois médicos a morte como iminente e inevitável, e desde que haja consentimento do paciente ou, em sua impossibilidade, de cônjuge, companheiro, ascendente descendente ou irmão”.
O segundo projeto é o Projeto de Lei nº 6715/2009, o qual, se for aprovado, inserirá o artigo 136-A no Código Penal para excluir a ortotanásia como crime. Esse artigo teria o seguinte conteúdo: “não constitui crime, no âmbito dos cuidados paliativos aplicados a paciente terminal, deixar de fazer uso de meios desproporcionais e extraordinários, em situação de morte iminente e interminável, desde que haja consentimento do paciente ou, em sua impossibilidade, do cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão. §1º A situação de morte iminente e inevitável deve ser previamente atestada por 2 (dois) médicos. §2º A exclusão de ilicitude prevista neste artigo não se aplica em caso de omissão de uso dos meios terapêuticos ordinários e proporcionais devidos a paciente terminal”.
CONTROVÉRSIAS ENVOLVENDO AS RESOLUÇÕES DO CFM
Existem ações civis públicas, promovidas pelo Ministério Público Federal, para suspender os efeitos das Resoluções 1805/2006 e 1995/2012 do Conselho Federal de Medicina. Contra a primeira, o MPF ingressou com a ação civil pública em 2007, por entender que o CFM não possui competência para editar uma resolução que regulamentasse a ortotanásia.
Foi concedida medida liminar em 2008, pela Justiça Federal de 1º grau, a qual foi revogada no ano de 2011, por se considerar que não havia qualquer inconstitucionalidade do dispositivo. Ao final do processo, a improcedência do pedido foi pleiteada pelo CFM e pelo próprio MPF, sendo considerado que a ortotanásia seria uma prática permitida e ética por parte do profissional médico, respeitadas as condições, como a avaliação por dois médicos.
Entretanto, isso não significaria que a eutanásia passiva seria também permitida, por ser considerado que a eutanásia passiva é uma prática que diz respeito aos requisitos legais necessários para interrupção do tratamento de um paciente.
No que tange à Resolução 1995/2012, o MPF propôs a ação civil pública por entender que o CFM não poderia dispor sobre o tema, pois este teria repercussões sociais, familiares e nos direitos da personalidade, devendo ser, portanto, matéria de lei federal.
A sentença de primeiro grau julgou o pedido improcedente, por não estar a Resolução violando qualquer dispositivo legal, apenas reconhecendo a autonomia da vontade do paciente e seu direito a não se submeter a determinados tratamentos, o que seria compatível com o princípio da dignidade humana.
O MPF interpôs recurso de apelação, mas ainda não é possível ter acesso ao acordão referente a esse recurso. De todo modo, essa Resolução ainda está em vigor, sendo as diretivas antecipadas da vontade ainda passíveis de realização pelo paciente. A eutanásia, contudo, pode configurar crime, se cometida no Brasil, geralmente sendo enquadrada como homicídio, pela ausência de tipificação específica.