Tudo sobre a Peça

Introdução

A promulgação da Constituição Federal de 1988 marca a ruptura com um Estado autoritário e intolerante. Após este período, iniciou-se uma busca pela melhor efetivação dos direitos fundamentais. A CF/88 possui uma posição privilegiada no ordenamento vigente, sendo considerada norma fundamental e, por isso, todo o ordenamento jurídico deve ser interpretado em harmonia com ela. De acordo com José Afonso da Silva:

o fundamento da inconstitucionalidade está no fato de que do princípio da supremacia da constituição resulta o da compatibilidade vertical das normas da ordenação jurídica de um país, no sentido de que as normas de grau inferior somente valerão se forem compatíveis com as normas de grau superior, que é a Constituição. As que não forem compatíveis com ela são inválidas, pois a incompatibilidade vertical resolve-se em favor das normas de grau mais elevado, que funcionam como fundamento de validade das inferiores.

A eficácia é uma qualidade da norma que se refere à possibilidade de produção concreta de efeitos, tendo como elementos a aplicabilidade, a exigibilidade e a executoriedade. Dessa forma, caso uma norma seja contrária aos preceitos constitucionais, ela não poderá gerar efeitos no âmbito social. Torna-se relevante, portanto, a criação de um sistema com o intuito de proteger a observância dos dispositivos da Constituição e retirar a validade das normas em contrariedade com ela: é o controle de constitucionalidade. Uma das formas de seu exercício é a ação declaratória de constitucionalidade.

Conceito

A Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) é uma das formas de exercício do controle de constitucionalidade concentrado no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro. Tal controle é exercido por meio de julgamento, pelo STF, que manifesta seu posicionamento a respeito de determinada lei ou ato normativo federal. O entendimento do Supremo em relação a uma ADC – tipificada no art.102,§2º, c/c o art. 103, da Constituição Federal – tem efeito vinculante.

A ação declaratória de constitucionalidade é recente, haja vista foi introduzida por meio da Emenda Constitucional nº 3, de 17 de março de 1993, que deu nova redação ao art. 102, I, da Constituição Federal de 1988. Tal instrumento é utilizado com o objetivo de confirmar e reafirmar a constitucionalidade de uma lei ou de um ato normativo federal, isto é, a ADC é importante para a segurança jurídica na medida em que tem o condão de confirmar, inequivocamente, se determinada norma é compatível com a CF. Outrossim, ela é regulamentada pela Lei nº 9.868/99 e é baseada em um controle direto e concentrado, já que julgada somente pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Toda lei possui uma presunção relativa de constitucionalidade. Partindo desse pressuposto, o objetivo da ADC é transformar uma presunção relativa (juris tantum) em absoluta (jure et de jure), não mais se admitindo prova em contrário. Ou seja, julgada procedente a ADC, tal decisão vinculará os órgãos do Poder Judiciário e a Administração Pública, que não mais poderão declarar a inconstitucionalidade da aludida lei ou agir em desconformidade com a decisão do STF. (LENZA, Pedro. Dir. Const. Esquematizado, p. 381, ed. 16).

Observe a relação entre ADECON e ADI:

ADECON procedente → declaração de constitucionalidade ← ADIN improcedente

ADIN procedente → declaração de inconstitucionalidade ← ADECON improcedente

Imagine, então, que há conflito jurídico porque alguns Juízes aplicavam determinada lei federal e outros não, gerando, assim, uma insegurança jurídica. Nesse caso, o Supremo Tribunal Federal (STF) poderá utilizar a ADC a fim de resolver tal controvérsia, ratificando ou não a constitucionalidade da lei em questão e produzindo o efeito erga omnes, pelo qual a decisão do Supremo Tribunal Federal, em controle concentrado e abstrato da constitucionalidade, atinge a tudo e a todos, beneficiando toda a sociedade por meio do firmamento de determinado entendimento legal.

Objeto

O objeto da ADC são leis ou atos normativos federais, editados após a CF/88, que têm tido a constitucionalidade recorrentemente arguida, ou seja, comumente sendo objeto de debates ou de discordâncias.

Competência

O órgão competente para apreciar a ADC/ADECON é o Supremo Tribunal Federal (STF), como estabelece o art. 102, I, a, da CF/88.

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente:

a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal;

Legitimidade

A legitimidade ativa diz respeito às pessoas que podem propor a ADECON, sendo baseada no art. 103 da CF/88:

Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade:

 I - o Presidente da República;

II - a Mesa do Senado Federal;

III - a Mesa da Câmara dos Deputados;

IV - a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; 

V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal; 

VI - o Procurador-Geral da República;

VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;

VIII - partido político com representação no Congresso Nacional;

IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

É importante destacar, diante da legitimidade, que os representantes mencionados nos incisos IV, V e IX precisam demonstrar pertinência temática, o interesse de agir para ajuizar tal ação. Ao partido político com representação no Congresso Nacional (VIII), por sua vez, basta apenas um parlamentar, que atuará por meio do Diretório Nacional. Já os presentes nos incisos VIII e IX necessitam de advogados se quiserem ajuizar ADC, enquanto os outros possuem capacidade postulatória.

Procedimento

O procedimento deve respeitar os requisitos gerais da petição inicial (art. 319 do Código de Processo Civil) e, também, o art. 14 da Lei nº 9.868/99. 

Art. 319.  A petição inicial indicará:

I - o juízo a que é dirigida;

II - os nomes, os prenomes, o estado civil, a existência de união estável, a profissão, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, o endereço eletrônico, o domicílio e a residência do autor e do réu;

III - o fato e os fundamentos jurídicos do pedido;

IV - o pedido com as suas especificações;

V - o valor da causa;

VI - as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados;

VII - a opção do autor pela realização ou não de audiência de conciliação ou de mediação.

 Art. 14, Lei nº 9.868/99. A petição inicial indicará:

I - o dispositivo da lei ou do ato normativo questionado e os fundamentos jurídicos do pedido;

II - o pedido, com suas especificações;

III - a existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação da disposição objeto da ação declaratória.

Parágrafo único. A petição inicial, acompanhada de instrumento de procuração, quando subscrita por advogado, será apresentada em duas vias, devendo conter cópias do ato normativo questionado e dos documentos necessários para comprovar a procedência do pedido de declaração de constitucionalidade.

Após a fundamentação, o relator, dentro de 15 dias (art. 19 da Lei nº 9.868/99), ouvirá o Procurador-Geral da República, podendo requisitar informações adicionais aos órgãos competentes.

Medida Cautelar

A admissão de medida cautelar nas ações declaratórias de constitucionalidade foi uma inovação trazida pelo Projeto de Lei nº 2.960/97 (PL nº10/99, no Senado Federal), que originou a Lei nº 9.868/99. Seu art.21 trata da medida cautelar em ADC:

Art. 21. O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá deferir pedido de medida cautelar na ação declaratória de constitucionalidade, consistente na determinação de que os juízes e os Tribunais suspendam o julgamento dos processos que envolvam a aplicação da lei ou do ato normativo objeto da ação até seu julgamento definitivo.

Parágrafo único. Concedida a medida cautelar, o Supremo Tribunal Federal fará publicar em seção especial do Diário Oficial da União a parte dispositiva da decisão, no prazo de dez dias, devendo o Tribunal proceder ao julgamento da ação no prazo de cento e oitenta dias, sob pena de perda de sua eficácia.

Para que o STF suspenda o julgamento de todos os processos que envolvam a aplicação da lei ou ato normativo objeto da ação até o julgamento definitivo, deverão estar presentes dois requisitos, quais sejam:

  • Fumus boni juris: verossimilhança entre as alegações e o Direito clamado; e 
  • Periculum in mora: perigo de dano ou lesão se houver demora no provimento do que se demanda.

Pedido

Por fim, o pedido da ADC deve ser certo e determinado, levando indicação precisa da norma sobre a qual se quer a constitucionalidade declarada, e deve contar com fatos e fundamentos jurídicos.

Efeitos da ADC

Segundo o art. 102, §2º, da CF/88, as decisões definitivas de mérito proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade, produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública Direta e Indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. Tais decisões são também irrecorríveis e não podem ser objetos de ação rescisória, cabendo contra elas somente a interposição de embargos declaratórios

Outro efeito da ADECON é que sua decisão é vinculante em relação ao Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual, municipal e distrital. Isto certamente contribui para a segurança jurídica, já que firma apenas um entendimento sobre determinada lei ou ato normativo federal, impedindo a imprevisibilidade da observância de determinada norma.

O Ministro Moreira Alves, em manifestação no julgamento da ADC nº 01/DF31, afirmou que resultam da força vinculante da ação declaratória de constitucionalidade as seguintes consequências:

  1. Se os demais órgãos do Poder Judiciário, nos casos concretos sob seu julgamento, não respeitarem a decisão prolatada nessa ação, a parte prejudicada poderá valer-se do instituto da reclamação para o Supremo Tribunal Federal, a fim de que se garanta a autoridade dessa decisão, e
  2. Essa decisão alcança os atos normativos de igual conteúdo daquele que deu origem a ela, mas que não foi objeto da ADC.

Por fim, existe também a consequência chamada de efeito ex tunc, ou retroativo. A retroatividade da decisão significa que seu entendimento há de ser observado em todos os casos aos quais se aplica a norma firmada constitucional, desde a data de vigência da lei.

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