Regime Jurídico Administrativo: definições e fundamentos
O surgimento das funções administrativas Estatais confunde-se com o nascimento do próprio Estado. O direito administrativo da forma como conhecemos hoje (como um direito autônomo com regras e princípios próprios), entretanto, surge apenas no final do século XVIII e início do século XIX.
Preliminarmente à conceituação de direito administrativo, deve-se fazer algumas alusões ao Estado.
O Estado é pessoa jurídica de direito público formado por
- Povo;
- Território; e
- Governo soberano.
O Brasil adota a clássica tripartição de funções do Estado (idealizada por Montesquieu) e, neste sentido, temos as seguintes 3 funções:
- Legislativa;
- Jurisdicional;
- Administrativa.
Pode-se afirmar que as funções desempenhadas pelo Estado se espalham em cada um desses 3 poderes, os quais são independentes e harmônicos.
Ainda, relembra-se que o direito é tradicionalmente dividido em: (i) direito público, do Estado (que regula interesses da sociedade como um todo); e (ii) direito privado (que regula interesses dos particulares e suas relações privadas).
O direito administrativo, neste sentido, é ramo do direito público. Considerando essa introdução básica, podemos afirmar que:
Direito administrativo é ramo jurídico e, como tal, dedica-se aos estudos de regras e normas, sendo caracterizado como ciência normativa, impositiva que define os limites dentro dos quais a gestão pública – estudada pela ciência da administração – pode ser executada (CARVALHO, Matheus, 2017, pg. 41).
Ainda, temos a seguinte definição sobre o direito administrativo:
Ramo do direito público que tem por objeto os órgãos, agentes e pessoas jurídicas administrativas que integram a Administração Pública, a atividade jurídica não contenciosa que exerce e os bens de que se utiliza para a consecução de seus fins, de natureza pública. (DI PIETRO, 2011, p. 48)
Por fim, deve-se apontar que “administração pública” é um conceito que admite duas acepções:
- Administração Pública em sentido subjetivo/formal: são pessoas jurídicas que fazem parte da estrutura funcional – máquina administrativa. Ex.: autarquias, empresas públicas, fundações etc.
- Aqui, usamos as palavras Administração Pública em letras maiúsculas.
- Administração pública em sentido objetivo/material refere-se às funções exercidas. Podemos elencar:
- função ordenadora – relaciona-se ao poder de polícia, o qual pode restringir liberdades individuais com base no interesse público,
- função prestacional – relaciona-se à oferta de utilidades aos particulares. É a prestação de serviços públicos propriamente ditos;
- função regulatória – relaciona-se ao fomento e regulamentação da atividade privada. (Ex.: subsídio, créditos etc.);
- função de controle – relaciona-se ao controle dos próprios atos. É a autotutela. Controle da própria função administrativa.
Regime jurídico
Regime jurídico é o conjunto de normas que dispõe sobre certo sujeito, bem ou atividade. Quando se fala em conjunto de normas, faz-se referência ao seu sentido amplo. Assim, normas podem ser princípios, regras, diretrizes e demais espécies normativas.
Questão: O regime jurídico é formado somente por normas do ramo do Direito a que se refere? Não! É muito comum o tratamento de regime jurídico como subsistemas (Ex.: regime jurídico de direito civil, de direito comercial). No entanto, nem sempre há a separação completa entre os institutos. Vejamos:
- Regime jurídico de contratação administrativa envolve normas de direito civil, direito comercial, direito penal.
- Regime jurídico das empresas estatais envolve diversas normas de direito privado (art. 173, §1º, II, CF).
Regime jurídico da administração pública X regime jurídico administrativo.
Deve-se diferenciar o regime jurídico da administração pública do regime jurídico administrativo.
- Regime jurídico da administração pública: refere-se ao complexo normativo – seja ele de direito público ou de direito privado – ao qual se submete a Administração pública.
- Dica: trata-se de uma definição mais ampla.
- Regime jurídico administrativo: refere-se ao conjunto de normas que colocam a Administração Pública em posição de privilégio na relação jurídico-administrativa. É a relação vertical entre administração e o administrado, envolvendo o binômio prerrogativas e sujeições.
Por que existe essa posição privilegiada? Porque há essa relação vertical entre administração e administrado. Considerando que o Estado tem o dever de agir na busca do interesse público, alguns mecanismos são dados à consecução da atividade estatal para que se alcance esse fim.
Nesse sentido, são concedidos poderes-deveres, com caráter instrumental (pois são concedidos para determinado fim) para que se possam impor determinadas condutas (inclusive perante os administrados).
Prerrogativas e sujeições
O regime jurídico administrativo caracteriza-se pelas prerrogativas concedidas ao Estado e pelas sujeições a ele impostas.
Prerrogativas: São direitos especiais inerentes à administração pública. Em outras palavras, pode-se dizer que são faculdades que derrogam o direito comum diante da administração, ou seja, que reservam unicamente à Administração alguns poderes-deveres.
- Relação com a supremacia do interesse público sobre o direito privado.
Exemplos de prerrogativas:
- poder de expropriar;
- poder de aplicar sanções (decorrência do poder de polícia);
- autotutela:
Súmula 473 do STF. A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial).
- existência de cláusulas exorbitantes nos contratos administrativos, como o poder de alterar ou rescindir unilateralmente contratos.
Sujeições: São restrições impostas à administração para exercer os privilégios inerentes a sua posição. São os princípios, a finalidade pública e os direitos fundamentais.
Relação com a indisponibilidade do interesse público: o interesse público não pertence ao administrador, mas sim ao povo, à sociedade como um todo. Dessa forma, a Administração deve submeter-se a restrições a fim de se evitar que o administrador busque interesses individuais em detrimento do interesse público.
- Note: quando o exercício dos poderes da administração ultrapassam o caráter da instrumentalidade, ocorrendo (i) excesso de poder; ou (ii) desvio de poder; tem-se configurado o abuso de poder.
Fundamento do regime jurídico administrativo
Será que existe apenas um fundamento do regime jurídico administrativo, ou seriam vários? Existem inúmeros posicionamentos doutrinários, no entanto, pode-se elencar a preponderância de alguns fundamentos. Vejamos.
Trata-se da supremacia e indisponibilidade do interesse público. Grande parte da doutrina (Celso Antônio Bandeira de Mello, por exemplo) afirma ser esse o fundamento do regime jurídico administrativo, pois espelha o binômio prerrogativas e sujeições.
- Supremacia do interesse público: superioridade sobre os demais interesses existentes, como qualquer interesse que seja meramente particular.
- Indisponibilidade do interesse público: indisponibilidade de transigir ou sacrificar interesse público. É uma decorrência lógica da supremacia do interesse público.