Introdução, conceito e objeto de estudo
INTRODUÇÃO À HERMENÊUTICA
O QUE É HERMENÊUTICA?
A hermenêutica é uma palavra de origem grega que significa arte ou técnica de interpretar, esclarecer, revelar o sentido dos livros e textos sagrados. Derivada do verbo hermēneuein, a hermenêutica está associada ao mito de Hermes, o deus mensageiro no panteão grego.
Hermes foi encarregado por seu pai, Zeus, de traduzir, interpretar e fazer compreendida a linguagem dos deuses do Olimpo para enviar mensagens aos homens na terra, uma vez que a língua dos deuses era diferente em palavras e conceitos da língua dos homens, sendo, por isso, considerado o originador da linguagem e da escrita e patrono da comunicação e do entendimento humano.
Assim nasce a hermenêutica como o exercício de interpretar uma mensagem e revelar seu sentido e alcance.
EVOLUÇÃO TEÓRICA
A hermenêutica, enquanto arte ou técnica, é utilizada nos séculos XVII e XVIII nos trabalhos de Baruch de Espinoza (1632 - 1677) o qual procurava interpretar de modo objetivo e racional os textos que compõem a Bíblia.
Porém, é com o teólogo e filósofo alemão Schleiermacher (1768-1834), no início do século XIX, que a hermenêutica passa a ser considerada uma ciência ou disciplina associada à filosofia. Ou seja, é quando ela passa a ter princípios e métodos próprios.
Dentre as compreensões estabelecidas por Schleiermacher, destacam-se 4 delas: o método de compreensão gramatical; a compreensão técnica ou psicológica; compreensão comparativa; e a compreensão divinatória.
O de compreensão gramatical, consiste em analisar a construção gramatical objetiva do texto ou do discurso. Por exemplo, se um texto utiliza o condicional, como no poema de Fernando Pessoa “Tudo vale a pena/ Se a alma não é pequena”, do livro Mensagem, não se pode ignorar que há uma relação de condição no verso do poeta.
Já a técnica ou psicológica, por sua vez, consiste em analisar o texto ou discurso a partir de uma pesquisa sobre as intenções e dos objetivos do autor, ou seja, ultrapassando a literalidade do texto.
Schleiermacher acrescenta mais dois métodos de , a compreensão divinatória e a comparativa. Na comparativa leva-se em conta os conhecimentos objetivos, gramaticais e históricos, deduzindo o sentido a partir do enunciado. Ou seja, antes da interpretação das intenções deve-se saber o que foi falado e como foi falado.
A divinatória, significa, por outro lado, uma adivinhação imediata ou interpretação imediata do sentido de um texto. Como, por exemplo, se virmos uma placa escrito PARE!, antes mesmo de nos questionarmos o porquê da placa estar ali, porque é vermelha, porque tem uma exclamação, é mais prudente e natural que paremos.
Schleiermacher teria resumido esse conceito na frase “o primeiro sentido do dizer é, antes de tudo, o que foi dito”. Bonito né?
A hermenêutica segue evoluindo com os estudos de Dilthey (1833-1911) para o qual os eventos da natureza devem ser explicados, como a lei da gravidade foi explicada por Isaac Newton, mas os eventos históricos, por envolverem valores, paixões, crenças, devem ser compreendidos.
E, para não deixar de mencionar, são importantes os trabalhos de Heidegger (1889-1976) e Hans-Georg Gadamer (1900-2002), para os quais a interpretação pressupõe uma compreensão da matéria que se irá interpretar. Ou seja, para interpretar algo é preciso conhecer o que se vai interpretar, e a partir desta interpretação ampliar seu conhecimento; esta estrutura circular é chamada de giro hermenêutico.
Trocando em miúdos, não se pode interpretar um poema ignorando a existência da metáfora. Do contrário, é achar que Camões é maluco de pensar que, verdadeiramente, “transforma-se o amador na coisa amada, por virtude do muito imaginar”. Portanto, é só a partir do conhecimento da ferramenta metáfora é que se acessa a mensagem, ou a verdade do poema. Entendeu?
Agora que você já compreendeu quão bacana é esse negócio de interpretar, vamos ver na aula seguinte que, quando se trata de leis, a hermenêutica jurídica vai ser uma aliada de todo aquele que quer conhecer, com profundidade, os sentidos e intenções das leis e daqueles que as fizeram, ou seja, dos legisladores.
A hermenêutica jurídica é, portanto, a tradução, interpretação e compreensão do sentido e alcance das leis, sendo estas o idioma do direito.
A HERMENÊUTICA JURÍDICA.
O objeto de estudo da hermenêutica jurídica é o espírito da lei, ou seja, a intenção da lei, saber que comando ou mandamento está contido num texto legal e interpretá-lo da forma mais justa.
Assim, suponhamos que estamos com pressa e resolvemos cortar caminho atravessando uma grande área verde pelo parque, porém ao chegarmos nos deparamos com uma placa escrito NÃO PISE NA GRAMA!.
Nosso primeiro impulso, como pessoas educadas que somos, é não pisar na grama. Mas e se ao lado virmos uma bicicleta? Será que obedecemos o aviso se atravessarmos sobre a grama de bicicleta, sem pisar nela? Será que era este o sentido real do texto pretendido pelo administrador ou jardineiro do parque? Parece evidente que não, não é mesmo?
Não pise na grama é um símbolo, um objeto de interpretação pelo qual o administrador do parque quer dizer: “não danifique a grama”. Este é um exemplo de como para revelar o real sentido de uma mensagem é necessário o estudo da hermenêutica.
Outro bom exemplo são as duas leis que proibem a exposição em mesas e balcões de bares e restaurantes de recipientes que contenham cloreto de sódio (sal de cozinha), a primeira entrou em vigor no Estado do Espírito Santo, Lei Estadual nº10.369/2015, e a segunda, na cidade de Belo Horizonte, Lei Municipal nº 10.982/2016[1].
Alguns restaurantes do Espírito Santo, ao “interpretarem” a lei, penduraram os saleiros em barbantes (imagem 1)[2], outros fizeram colares com sachês de sal para os garçons (imagem 2)[3].
Eis um exemplo claro de como a hermenêutica precisa ser aplicada no direito. Evidente que o objetivo da lei, ou como dizem os juristas, o “espírito da lei”, não era apenas impedir que saleiros ficassem expostos os balcões porque o legislador acha feio.
Não, a verdadeira intenção da lei é evitar o excesso no consumo de sódio, elemento base na composição do sal de cozinha (cloreto de sódio), por questões de saúde pública; evitando, com isso, gastos com tratamento de doenças ligadas à hipertensão no serviço público de saúde, filas em hospitais públicos etc.
A hermenêutica, assim, serve para buscarmos a finalidade social da lei. ssim como a finalidade dos símbolos e mensagens espalhados pelas cidades ao redor do mundo, as leis pretendem se comunicar com um público, transmitir uma determinada mensagem para atingir um fim desejado, sendo restritas no tempo e no espaço.
Exemplo disto, as placas com os dizeres É PROIBIDO FUMAR!, ora, é óbvio que a mensagem de proibição destas placas se restringe ao espaço em que elas estão afixadas, não sendo comandos de proibição como se fosse proibido fumar em todos os lugares.
Enfim, tanto no caso das placas de NÃO PISE NA GRAMA! e É PROIBIDO FUMAR!, quanto nas leis que proibem a exposição de saleiro em bares e restaurantes do Estado do Espírito Santo e em Belo Horizonte, a interpretação do real sentido para além do que aparenta ser é uma tarefa de hermenêutica.
Na próxima aula iremos ver as diferenças entre interpretação e hermenêutica. O que separa estas duas técnicas ou métodos de busca pela mensagem dos textos e símbolos.
[1] Link para a íntegra da Lei Municipal nº 10.982/2016 do Município de Belo Horizonte: http://portal6.pbh.gov.br/dom/iniciaEdicao.do?method=DetalheArtigo&pk=1169956>.
[2] Site G1. Matéria do dia 04/08/2015. Disponível em http://g1.globo.com/espirito-santo/noticia/2015/08/regulamentacao-de-lei-que-proibe-sal-em-mesas-no-es-e-publicada.html>.
[3] Site R7. Matéria do dia 11/7/2015. Disponível em http://noticias.r7.com/cidades/para-burlar-lei-que-proibe-sal-sobre-a-mesa-restaurante-no-es-pendura-saleiros-no-teto-11072015>.