Interpretação e Integração no Direito Penal

Interpretação vs. integração

A interpretação é um processo de descoberta do conteúdo de um texto, de decodificação de seus significados e intenções.

Tratando-se de interpretação legislativa, não se fala em criação de normas, dado que se pressupõe a existência de lei. O ato de interpretar é impreterivelmente feito por alguém, um sujeito, que, empregando certas ferramentas cognitivas, busca o sentido e o alcance do que está contido na lei: trata-se de se buscar a compreensão mais adequada daquilo que está contido na norma.

Há diversos modos de interpretação da lei penal. Aqui, elencaremos os principais:

 

Quanto ao Sujeito Quanto ao Modo Quanto ao resultado
  • Autêntica (Legislativa)
    • Posterior
    • Contextual
  • Doutrinária (Científica)
  • Jurisprudencial
  • Literal (Gramatical)
  • Histórica
  • Teleológica (Lógica)
  • Sistemática (Sistêmica)
  • ​​​​​Evolutiva
  • Declaratória (Declarativa)
  • Restritiva
  • Extensiva
  • Analógica
 Atenção: esta matéria comporta variações. Autores colocarão alguns tipos a mais ou a menos, ou atribuirão outros nomes aos modos de interpretar. Não tem problema! Diversos assuntos em Direito comportarão divergências. São várias as possíveis interpretações, afinal.

Por outro lado, integração se trata de quando há uma lacuna de lei. Ou seja, no caso concreto não existe uma lei específica capaz de ser aplicada. Como o juiz não pode deixar de solucionar a questão apresentada a ele, podem ser usados os métodos de integração. Observe que a integração só ocorre quando não existe a lei. Cabe ressaltar que parte da doutrina considera questionável o uso dos métodos de integração no Direito Penal por causa do princípio da Reserva Legal (Apenas lei em sentido estrito pode determinar o que é uma conduta criminosa ou não)

Interpretação quanto ao Sujeito

Interpretação Autêntica ou Legislativa

É aquela que se faz suficientemente clara pela leitura da lei em si. Depreende-se cruamente da própria lei, tendo força obrigatória. Por exemplo, vejamos o art. 327 do Código Penal:

Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.

§ 1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública.

Podemos observar que o art. 327 define expressamente quem é considerado funcionário público pela legislação: “quem exerce cargo, emprego ou função pública”. Ora, não restam interpretações externas ao texto legal que precisem ser aplicadas para se ter o entendimento deste conceito. Ele está suficientemente posto na norma.

Todavia, este gênero de interpretação se subdivide em: Posterior e Contextual.

Posterior:

A interpretação posterior é aquele em que a lei é criada inicialmente prevendo um determinado conceito, mas não o explica de forma clara, sendo necessária uma lei posterior para explicar e regulamentar aquele objeto anteriormente previsto.

Contextual:

Já a interpretação contextual é aquela que é elaborada juntamente com a lei inicial, ou seja, o objeto e sua complementação estão previstos na mesma lei. Este é o caso do exemplo dado com o art. 327 do Código Penal.

Interpretação Doutrinária ou Científica

É aquela realizada por profissionais do direito, acadêmicos; contida em livros, doutrinas, revistas e periódicos. Aquela que os comentadores do Direito dão aos dispositivos legais. Esse tipo de interpretação ganha grande destaque nas questões que envolvem a aplicação de princípios e normas mais amplas ou abertas, tendo em vista que a adequação ao caso prático exige um direcionamento mais concreto

Interpretação Jurisprudencial

É a discutida e firmada em juízos e Tribunais. A partir de um caso concreto, os tribunais (sejam superiores ou não) firmam dada interpretação de determinada lei e a aplicam nos casos concretos que analisam. A partir destes entendimentos, outros aplicadores do Direito podem se valer de tais interpretações.

Interpretação quanto ao modo ou meio empregado

Interpretação Literal ou Gramatical

O sujeito considerará o sentido literal, gramatical das palavras contidas na lei, não abrindo margens para interpretações subjetivas (que vão além das palavras e seus significados denotativos). Aqui, não se falaria na intenção do legislador ao dispor tais e tais coisas, pois tudo o que pretendia o legislador, seguindo esta forma interpretativa, está posto única e rigidamente em sua escrita literalmente avaliada.

Interpretação Histórica

Esta forma de interpretar traz a necessidade de se verificar qual a origem da lei. Qual sua época e seu contexto.

Veja, é possível identificar claramente a evolução histórica da sociedade, e esta forma de interpretação visa a comportar as suas novas necessidades legislativas. Por exemplo: o Código Penal foi elaborado em 1940 e punia severamente o crime de traição. Todavia, com a evolução da sociedade, traição deixou de ser um ilícito penal. Ao interpretar esta lei atualmente, ter-se-ia que indagar qual a intenção do legislador da época por trás da simples disposição literal da norma. Proteger a família? A dignidade da pessoa humana?

Nota-se que tal norma fazia sentido se posta à luz de seus seus precedentes sociológicos e contextuais, e tais constatações do processo evolutivo e momento de elaboração, certamente, dão suporte ao melhor aclaramento da disposição legal.

Interpretação Teleológica

Sujeito explora e tenta desvendar a real intenção do legislador ao editar aquela lei. A finalidade à qual ela deveria servir quando foi premeditada e editada. Por exemplo, o art. 319-A do Código Penal:

319 – A. (...) Deixar o Diretor de Penitenciária e/ou agente público, de cumprir seu dever de vedar ao preso o acesso a aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo:

Pena: detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.

Podemos observar que o artigo não fala nada sobre os agentes impedirem a entrada de acessórios telefônicos como, por exemplo, bateria, carregadores, fones de ouvidos.

Ora, o Supremo Tribunal Federal (STF), fazendo uma interpretação teleológica do tema, decidiu que a intenção do legislador ao elaborar este artigo era de coibir o acesso do preso a qualquer meio de comunicação externa dentro da penitenciária, inclusive por aparelhos eletrônicos. Isto é, a verdadeira finalidade da lei é a de impedir, apesar de não ter sido assim posto explicitamente, que o preso tenha acesso a qualquer meio de comunicação com o exterior.

Interpretação Sistemática ou Sistêmica

É aquela realizada entre a legislação em vigor e os princípios gerais do direito, isto é, a lei em vigor é apreciada com base nos princípios gerais do direito, sistematicamente. Por exemplo, o art. 44 do Código Penal:

Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998)

 I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo;(Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998).

 II – o réu não for reincidente em crime doloso; (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998).

III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente. (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998).

Como podemos observar, o artigo não permite a aplicação de penas alternativas quando o crime é doloso cometido com violência, contudo, na hipótese de crime doloso com emprego de violência que resulte em menor potencial ofensivo (por exemplo, uma lesão corporal leve), a pena alternativa é possível de ser aplicada, tendo em vista a interpretação sistemática do Código Penal, da Lei 9.099/95 e do princípio do in dubio pro reo (em caso de dúvida, o juiz decidirá sempre em prol do réu). Vê-se que tal forma interpretativa pressupõe que as normas não são isoladas de todo seu contexto, devendo elas ser lidas em conformidade e coerência com todo o ordenamento jurídico.

Interpretação Evolutiva

Explora o significado legal de acordo com progresso científico, isto é, busca evoluir junto com as transformações sociais. Exemplo: Lei Maria da Penha. Há uma corrente, bem forte, que defende a aplicação da Lei Maria da Penha em casos de mudança de sexo, ou seja, a Lei ampararia também a pessoas que fizeram a cirurgia de troca de sexo. Esta interpretação, assim sendo, pede que novos significados e concepções sejam atribuídos a antigos conceitos postos na lei.

Interpretação quanto ao Resultado

Interpretação Declaratória ou Declarativa

Seria aquela em que a letra de lei corresponde inteiramente e somente àquilo que o legislador quis dizer, sem supressão e sem adição de nenhum outro trecho e nenhuma outra fonte, ou seja, a Lei expressa de forma clara a vontade do legislador, sem a necessidade de complementação normativa.

Interpretação Restritiva

A interpretação é reduzida em face do alcance das palavras contidas na Lei, para corresponder à real vontade do legislador. Isto é, considera-se que a lei possui palavras “em excesso”, que ela disse mais do que gostaria de ter dito, e tal interpretação restringe parte do texto para atender à sua finalidade pretendida.

Sobre a interpretação restritiva, veja o HABEAS CORPUS Nº 164.467.

Interpretação Extensiva

A interpretação se estende para além do alcance das palavras postas pelo legislador, sem a necessidade de se elaborar uma norma complementar. Aqui, considera-se que a norma disse menos do que deveria ter dito, deixando de abarcar conteúdo pretendido. De novo, tem-se a busca pela real vontade do legislador. Um exemplo de norma a ser interpretada extensivamente é o art. 235 do CP, no qual se incrimina a bigamia. Ora, é possível de se depreender que, já que a bigamia é ilícita, a poligamia também é.

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