Interpretação e Integração no Direito Penal
Interpretação vs. integração
A interpretação é um processo de descoberta do conteúdo de um texto, de decodificação de seus significados e intenções.
Tratando-se de interpretação legislativa, não se fala em criação de normas, dado que se pressupõe a existência de lei. O ato de interpretar é impreterivelmente feito por alguém, um sujeito, que, empregando certas ferramentas cognitivas, busca o sentido e o alcance do que está contido na lei: trata-se de se buscar a compreensão mais adequada daquilo que está contido na norma.
Há diversos modos de interpretação da lei penal. Aqui, elencaremos os principais:
Quanto ao Sujeito | Quanto ao Modo | Quanto ao resultado |
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Por outro lado, integração se trata de quando há uma lacuna de lei. Ou seja, no caso concreto não existe uma lei específica capaz de ser aplicada. Como o juiz não pode deixar de solucionar a questão apresentada a ele, podem ser usados os métodos de integração. Observe que a integração só ocorre quando não existe a lei. Cabe ressaltar que parte da doutrina considera questionável o uso dos métodos de integração no Direito Penal por causa do princípio da Reserva Legal (Apenas lei em sentido estrito pode determinar o que é uma conduta criminosa ou não)
Interpretação quanto ao Sujeito
Interpretação Autêntica ou Legislativa
É aquela que se faz suficientemente clara pela leitura da lei em si. Depreende-se cruamente da própria lei, tendo força obrigatória. Por exemplo, vejamos o art. 327 do Código Penal:
Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.
§ 1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública.
Podemos observar que o art. 327 define expressamente quem é considerado funcionário público pela legislação: “quem exerce cargo, emprego ou função pública”. Ora, não restam interpretações externas ao texto legal que precisem ser aplicadas para se ter o entendimento deste conceito. Ele está suficientemente posto na norma.
Todavia, este gênero de interpretação se subdivide em: Posterior e Contextual.
Posterior:
A interpretação posterior é aquele em que a lei é criada inicialmente prevendo um determinado conceito, mas não o explica de forma clara, sendo necessária uma lei posterior para explicar e regulamentar aquele objeto anteriormente previsto.
Contextual:
Já a interpretação contextual é aquela que é elaborada juntamente com a lei inicial, ou seja, o objeto e sua complementação estão previstos na mesma lei. Este é o caso do exemplo dado com o art. 327 do Código Penal.
Interpretação Doutrinária ou Científica
É aquela realizada por profissionais do direito, acadêmicos; contida em livros, doutrinas, revistas e periódicos. Aquela que os comentadores do Direito dão aos dispositivos legais. Esse tipo de interpretação ganha grande destaque nas questões que envolvem a aplicação de princípios e normas mais amplas ou abertas, tendo em vista que a adequação ao caso prático exige um direcionamento mais concreto
Interpretação Jurisprudencial
É a discutida e firmada em juízos e Tribunais. A partir de um caso concreto, os tribunais (sejam superiores ou não) firmam dada interpretação de determinada lei e a aplicam nos casos concretos que analisam. A partir destes entendimentos, outros aplicadores do Direito podem se valer de tais interpretações.
Interpretação quanto ao modo ou meio empregado
Interpretação Literal ou Gramatical
O sujeito considerará o sentido literal, gramatical das palavras contidas na lei, não abrindo margens para interpretações subjetivas (que vão além das palavras e seus significados denotativos). Aqui, não se falaria na intenção do legislador ao dispor tais e tais coisas, pois tudo o que pretendia o legislador, seguindo esta forma interpretativa, está posto única e rigidamente em sua escrita literalmente avaliada.
Interpretação Histórica
Esta forma de interpretar traz a necessidade de se verificar qual a origem da lei. Qual sua época e seu contexto.
Veja, é possível identificar claramente a evolução histórica da sociedade, e esta forma de interpretação visa a comportar as suas novas necessidades legislativas. Por exemplo: o Código Penal foi elaborado em 1940 e punia severamente o crime de traição. Todavia, com a evolução da sociedade, traição deixou de ser um ilícito penal. Ao interpretar esta lei atualmente, ter-se-ia que indagar qual a intenção do legislador da época por trás da simples disposição literal da norma. Proteger a família? A dignidade da pessoa humana?
Nota-se que tal norma fazia sentido se posta à luz de seus seus precedentes sociológicos e contextuais, e tais constatações do processo evolutivo e momento de elaboração, certamente, dão suporte ao melhor aclaramento da disposição legal.
Interpretação Teleológica
Sujeito explora e tenta desvendar a real intenção do legislador ao editar aquela lei. A finalidade à qual ela deveria servir quando foi premeditada e editada. Por exemplo, o art. 319-A do Código Penal:
319 – A. (...) Deixar o Diretor de Penitenciária e/ou agente público, de cumprir seu dever de vedar ao preso o acesso a aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo:
Pena: detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.
Podemos observar que o artigo não fala nada sobre os agentes impedirem a entrada de acessórios telefônicos como, por exemplo, bateria, carregadores, fones de ouvidos.
Ora, o Supremo Tribunal Federal (STF), fazendo uma interpretação teleológica do tema, decidiu que a intenção do legislador ao elaborar este artigo era de coibir o acesso do preso a qualquer meio de comunicação externa dentro da penitenciária, inclusive por aparelhos eletrônicos. Isto é, a verdadeira finalidade da lei é a de impedir, apesar de não ter sido assim posto explicitamente, que o preso tenha acesso a qualquer meio de comunicação com o exterior.
Interpretação Sistemática ou Sistêmica
É aquela realizada entre a legislação em vigor e os princípios gerais do direito, isto é, a lei em vigor é apreciada com base nos princípios gerais do direito, sistematicamente. Por exemplo, o art. 44 do Código Penal:
Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998)
I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo;(Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998).
II – o réu não for reincidente em crime doloso; (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998).
III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente. (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998).
Como podemos observar, o artigo não permite a aplicação de penas alternativas quando o crime é doloso cometido com violência, contudo, na hipótese de crime doloso com emprego de violência que resulte em menor potencial ofensivo (por exemplo, uma lesão corporal leve), a pena alternativa é possível de ser aplicada, tendo em vista a interpretação sistemática do Código Penal, da Lei 9.099/95 e do princípio do in dubio pro reo (em caso de dúvida, o juiz decidirá sempre em prol do réu). Vê-se que tal forma interpretativa pressupõe que as normas não são isoladas de todo seu contexto, devendo elas ser lidas em conformidade e coerência com todo o ordenamento jurídico.
Interpretação Evolutiva
Explora o significado legal de acordo com progresso científico, isto é, busca evoluir junto com as transformações sociais. Exemplo: Lei Maria da Penha. Há uma corrente, bem forte, que defende a aplicação da Lei Maria da Penha em casos de mudança de sexo, ou seja, a Lei ampararia também a pessoas que fizeram a cirurgia de troca de sexo. Esta interpretação, assim sendo, pede que novos significados e concepções sejam atribuídos a antigos conceitos postos na lei.
Interpretação quanto ao Resultado
Interpretação Declaratória ou Declarativa
Seria aquela em que a letra de lei corresponde inteiramente e somente àquilo que o legislador quis dizer, sem supressão e sem adição de nenhum outro trecho e nenhuma outra fonte, ou seja, a Lei expressa de forma clara a vontade do legislador, sem a necessidade de complementação normativa.
Interpretação Restritiva
A interpretação é reduzida em face do alcance das palavras contidas na Lei, para corresponder à real vontade do legislador. Isto é, considera-se que a lei possui palavras “em excesso”, que ela disse mais do que gostaria de ter dito, e tal interpretação restringe parte do texto para atender à sua finalidade pretendida.
Sobre a interpretação restritiva, veja o HABEAS CORPUS Nº 164.467.
Interpretação Extensiva
A interpretação se estende para além do alcance das palavras postas pelo legislador, sem a necessidade de se elaborar uma norma complementar. Aqui, considera-se que a norma disse menos do que deveria ter dito, deixando de abarcar conteúdo pretendido. De novo, tem-se a busca pela real vontade do legislador. Um exemplo de norma a ser interpretada extensivamente é o art. 235 do CP, no qual se incrimina a bigamia. Ora, é possível de se depreender que, já que a bigamia é ilícita, a poligamia também é.