Noções Gerais de Sociedades Empresárias

A atividade empresarial, no direito brasileiro, pode ser exercida de duas formas. A primeira delas é por meio da figura do empresário individual, que ocorre quando a pessoa física resolve, por si só, exercer a atividade. A segunda ocorre por meio das sociedades empresárias, pela união de duas ou mais pessoas, físicas ou jurídicas, para atingir um fim comum. Esse fim, vale ressaltar, será sempre lucrativo

Conceito de Sociedade Empresária

Assim, a melhor definição de sociedade empresária é como pessoa jurídica de direito privado que explora empresarialmente o seu objeto social (ou seja, essa exploração é econômica) ou, ainda, aquela constituída sob a forma de sociedade por ações, uma vez que toda sociedade por ações é tida como sociedade empresária. 

Como dito, a finalidade dessa união para exploração de um objeto social é lucrativa, pois, do contrário, estaríamos diante de associações. As associações, apesar de poderem ter alguma finalidade econômica, não têm, contudo, finalidades lucrativas. 

Elementos-chave

Personalidade jurídica de direito privado

Prevista no art. 44, II, do Código Civil, a personalidade jurídica de direito privado é uma característica das sociedades empresárias. 

Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado: [...]

II - as sociedades;

Vale ressaltar: nem toda sociedade empresária tem personalidade jurídica. Contudo, se tiver, sempre será de direito privado.

Exercício da atividade empresarial

Para se falar em atividade empresarial, é necessário ter em vista o conceito trazido pelo art. 966 do Código Civil. 

Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.

Personalidades jurídicas distintas

Outro elemento importante das sociedades empresárias é o fato de que sua personalidade jurídica é diferente da personalidade jurídica dos seus sócios. A sociedade empresária possui, então, uma personalidade jurídica própria.

Disso decorre uma separação entre o patrimônio dos sócios que a compõem e o patrimônio da própria sociedade. A essa característica dá-se o nome de princípio da entidade. Para ilustrar, veja este princípio colocado no art. 1.024 do Código Civil:

Art. 1.024. Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais.

Existe, então, como o artigo mostra, um benefício de ordem: caso a sociedade esteja devendo dinheiro (em situação de insolvência), antes de atingir o patrimônio pessoal dos sócios que a compõem para que esse débito seja adimplido, é necessário tentar saldar a dívida com os bens da própria sociedade. 

Essa é uma das formas que o universo jurídico encontrou para estimular o crescimento econômico sem colocar em tanto risco as pessoas que quiserem investir em atividades empresariais. 

Início e fim da personalidade jurídica

A personalidade jurídica das sociedades empresárias se inicia com o registro na Junta Comercial. Caso a sociedade seja não-empresária, como as sociedades simples, o registro se dá no Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas. 

O fim da personalidade jurídica das sociedades se dá com a sua dissolução. Há dois tipos de dissolução de sociedade: parcial e total. A dissolução parcial ocorre quando um ou mais sócios saem da sociedade, mas esta é mantida e continua em atividade. No caso da dissolução total, há a extinção da sociedade, ou seja, o encerramento das atividades da sociedade.

Desconsideração da personalidade jurídica

O patrimônio da sociedade e dos sócios são separados em razão do princípio da unidade. Contudo, em algumas situações, é possível que os sócios se utilizem dessa proteção de forma abusiva, gerando um prejuízo aos credores. Assim, para quebrar a autonomia utilizada de forma abusiva, surgiu, no direito comparado, a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, também conhecida como “teoria do levantamento do véu”, da “superação da pessoa jurídica”, “disregard of the legal entity”, “teoria da penetração”.

Na desconsideração há apenas uma ampliação de responsabilidades, e não extinção da pessoa jurídica. Apenas se desconsidera a autonomia patrimonial, e isso ocorre como exceção no ordenamento jurídico. Por ser exceção, desconsideração não se confunde com despersonificação ou despersonalização (que representam a extinção da pessoa jurídica).

Existem duas principais subdivisões da teoria da desconsideração da personalidade jurídica:

  • Teoria Menor: de acordo com esta teoria, o mero prejuízo causado ao credor já basta para que a personalidade jurídica seja desconsiderada. Esta teoria é adotada pelo ordenamento jurídico em casos mais sensíveis, que demandam maior proteção em situações de vulnerabilidade, como aquelas relacionadas ao consumidor (art. 28, §5º, do CDC) e nos casos de infrações ambientais (art. 4º da Lei nº 9.605/98).
  • Teoria Maior: adotada pelo Código Civil, esta teoria prevê outro requisito além do prejuízo causado ao credor: o abuso subjetivo ou objetivo da pessoa jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial. Essa regra está prevista no art. 50 do Código Civil e também no art. 14 da Lei nº 12.846/13, a Lei Anticorrupção. 

Art. 50.  Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

§1º  Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.  

§2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por:  

I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa;  

II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e

III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.  

Modalidades

Existem algumas modalidades de desconsideração da personalidade jurídica previstas no ordenamento, como a direta, a indireta e a inversa.

  • Direta:  é a mais comum e ocorre quando se quebra a autonomia patrimonial, para atingir o patrimônio dos sócios.
  • Inversa: na inversa, ocorre o oposto. O sócio se vale dessa separação para esconder, no patrimônio da sociedade, seus próprios bens, eximindo-se de arcar com dívidas em sua esfera pessoal. A desconsideração inversa da personalidade jurídica pode ocorrer, por exemplo, em processos relacionados à direito de família, quando um pai, que também é sócio de uma empresa, alega não poder pagar pensão, escondendo seus bens no patrimônio da sociedade. 

Art. 50. [...]

§3º O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica

  • Indireta: aqui, fala-se da figura dos grupos econômicos. Há um conjunto de empresas que detêm cotas ou ações entre si, podendo ocorrer essa desconsideração para atingir uma ou outra empresa neste grupo econômico, caso uma delas incorra em uma das situações anteriormente vistas. 

Art. 50. [...]

§4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.

O Código de Processo Civil determina que, caso a desconsideração da personalidade jurídica não seja requerida logo na petição inicial, o formato de seu processamento será de incidente processual, conforme arts. 133 a 137 do CPC.

Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.

Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.

§1º A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações devidas.

§2º Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.

§3º A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do §2º.

§4º O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica.

Art. 135. Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias.

Art. 136. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória.

Parágrafo único. Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo interno.

Art. 137. Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente.

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