Experimentação com Seres Humanos

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TRANSPLANTE DE ÓRGÃOS

Transplante de órgãos é o ato de colher um órgão ou tecido de um indivíduo, designado como “doador”, e implantá-lo em outro, o “receptor”. Esse procedimento pode ser efetuado com tecidos de um indivíduo implantados em seu próprio organismo. Pode ser realizado o transplante entre dois indivíduos vivos ou entre um doador morto e um receptor vivo.

Se realizado com tecidos do organismo do próprio receptor é o caso de um transplante autoplástico. Se realizado entre dois organismos diferentes, fala-se em transplante heteroplástico, o qual pode ser subdividido em: heterólogo – quando ocorre entre organismos de espécies diferentes e homólogo – quando ocorre entre organismos da mesma espécie.

Há uma lei específica que regulamenta a matéria: Lei 9.434/1997, alterada pela Lei 10.211/2011. Pelo artigo 1º, a disposição gratuita de tecidos, órgãos e partes do corpo humano, em vida ou post mortem, para fins de transplante e tratamento, é permitida na forma desta Lei. Ou seja, a doação deverá ser gratuita, não se podendo cobrar por ela.

Ainda de acordo com esse artigo, em seu parágrafo único, está estabelecido que não estão compreendidos entre os tecidos a que se refere este artigo o sangue, o esperma e o óvulo. Ou seja, essa lei não se aplica a operações que envolvam sangue, esperma ou óvulo.

Outra importante disposição está contida no artigo 3º, pelo qual a retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina.

Sendo assim, o critério para definição de fim da vida é a morte encefálica, cujo diagnóstico deverá ser concedido por dois médicos que não sejam da equipe de remoção e transplante.

Quanto à necessidade de autorização para que seja efetuado o transplante, no artigo 4º da Lei em questão está determinado que a retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas falecidas para transplantes ou outra finalidade terapêutica, dependerá da autorização do cônjuge ou parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau inclusive, firmada em documento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação da morte.

Essa autorização apenas vigorou após a modificação efetuada pela Lei 10.211/2011. Até então, a autorização para doação de órgãos era presumida, devendo haver manifestação expressa daqueles que não queriam ser doadores desautorizando a doação.

Quanto a autorização de transplante de órgãos pertencentes a pessoas incapazes, a remoção post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoa juridicamente incapaz poderá ser feita desde que permitida expressamente por ambos os pais, ou por seus responsáveis legais.

Caso a pessoa não tenha sua identidade identificada, o texto do artigo 6º é expresso ao determinar que é vedada a remoção post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoas não identificadas.

Pelo disposto no artigo 9º, é permitida à pessoa juridicamente capaz dispor gratuitamente de tecidos, órgãos e partes do próprio corpo vivo, para fins terapêuticos ou para transplantes em cônjuge ou parentes consangüíneos até o quarto grau, inclusive, na forma do § 4o deste artigo, ou em qualquer outra pessoa, mediante autorização judicial, dispensada esta em relação à medula óssea.

Entretanto, há restrições quanto aos órgãos dos quais a pessoa pode dispor em vida, previstas no §3º do artigo 9º. De acordo com o conteúdo desse dispositivo, só é permitida a doação referida neste artigo quando se tratar de órgãos duplos, de partes de órgãos, tecidos ou partes do corpo cuja retirada não impeça o organismo do doador de continuar vivendo sem risco para a sua integridade e não represente grave comprometimento de suas aptidões vitais e saúde mental e não cause mutilação ou deformação inaceitável, e corresponda a uma necessidade terapêutica comprovadamente indispensável à pessoa receptora.

Todas essas disposições referem-se a transplantes que sejam feitos de forma gratuita, sendo vedada a venda de órgãos ou tecidos. A distribuição dos órgãos disponíveis para transplante é realizada a partir de uma lista única de espera.

A Lei 9.434/1997 traz ainda a tipificação de crimes referentes ao tema, dos artigos 14 ao 20, sendo interessante a leitura de tais tipos. Quanto a transplantes que sejam feitos em desacordo com a lei, no artigo 14 está disposto que:

Art. 14. Remover tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoa ou cadáver, em desacordo com as disposições desta Lei:

Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa, de 100 a 360 dias-multa.

§ 1.º Se o crime é cometido mediante paga ou promessa de recompensa ou por outro motivo torpe:

Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa, de 100 a 150 dias-multa.

§ 2.º Se o crime é praticado em pessoa viva, e resulta para o ofendido:

I - incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias;

II - perigo de vida;

III - debilidade permanente de membro, sentido ou função;

IV - aceleração de parto:

Pena - reclusão, de três a dez anos, e multa, de 100 a 200 dias-multa

§ 3.º Se o crime é praticado em pessoa viva e resulta para o ofendido:

I - Incapacidade para o trabalho;

II - Enfermidade incurável ;

III - perda ou inutilização de membro, sentido ou função;

IV - deformidade permanente;

V - aborto:

Pena - reclusão, de quatro a doze anos, e multa, de 150 a 300 dias-multa.

§ 4.º Se o crime é praticado em pessoa viva e resulta morte:

Pena - reclusão, de oito a vinte anos, e multa de 200 a 360 dias-multa.

Além disso, a compra e venda de tecidos também é uma conduta criminosa. Sobre esse ato, no artigo 15 está determinado que:

Art. 15. Comprar ou vender tecidos, órgãos ou partes do corpo humano:

Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa, de 200 a 360 dias-multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem promove, intermedeia, facilita ou aufere qualquer vantagem com a transação.

A realização de transplante ou enxerto fazendo uso de tecidos, órgãos ou partes do corpo obtidos em desacordo com a lei, bem como seu recolhimento, transporte, armazenamento ou distribuição, também configuram crimes, conforme pode-se depreender da leitura dos seguintes artigos da lei em questão.

Art. 16. Realizar transplante ou enxerto utilizando tecidos, órgãos ou partes do corpo humano de que se tem ciência terem sido obtidos em desacordo com os dispositivos desta Lei:

Pena - reclusão, de um a seis anos, e multa, de 150 a 300 dias-multa.

Art. 17 Recolher, transportar, guardar ou distribuir partes do corpo humano de que se tem ciência terem sido obtidos em desacordo com os dispositivos desta Lei:

Pena - reclusão, de seis meses a dois anos, e multa, de 100 a 250 dias-multa.

Para a realização de transplante deve haver a autorização do receptor, constituindo crime realizar o transplante sem sua autorização. Deixar de recompor cadáver do qual tenha sido retirado alguma parte para doação ou não entregar o corpo para os familiares também é crime. Por fim, também não é permitido fazer apelo público à doação de órgãos que possa beneficiar uma pessoa determinada, sendo esta uma conduta criminosa.

Art. 18. Realizar transplante ou enxerto em desacordo com o disposto no art. 10 desta Lei e seu parágrafo único:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos.

Art. 19. Deixar de recompor cadáver, devolvendo-lhe aspecto condigno, para sepultamento ou deixar de entregar ou retardar sua entrega aos familiares ou interessados:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos.

Art. 20. Publicar anúncio ou apelo público em desacordo com o disposto no art. 11:

Pena - multa, de 100 a 200 dias-multa.

A lei também prevê, além das penalidades criminais, algumas penalidades administrativas, as quais poderão ser aplicadas em conjunto com as penalidades criminais.

TRÁFICO DE ÓRGÃOS

Por ser a demanda muito maior que a oferta de órgãos disponíveis para transplantes, o problema de tráfico internacional de órgãos é crescente em todo o mundo. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, em 2005, cerca de 5% de todos os transplantes realizados no mundo foi fruto de comércio e tráfico de órgãos. Desde então, essa taxa vem aumentando.

Muitas pessoas fazem também o chamado “turismo de transplante”, viajando para outros países em busca desse mercado ilegal de órgãos. Um transplante de rim, os principais órgãos comercializados, pode chegar a custar cerca de US$ 160.000,00 (cento e sessenta mil dólares).

O tráfico internacional de órgãos atinge diversos países, como, por exemplo, os EUA, Paquistão, China, Índia, Canadá, Europa Oriental e o Brasil.

EXPERIMENTAÇÃO ANIMAL

EXPERIMENTAÇÃO ANIMAL OU EXPERIMENTAÇÃO COM ANIMAIS

A experimentação animal ou experimentação com animais consiste em utilizar animais como cobaias para pesquisas e experimentos científicos. Por exemplo, para a realização de testes de cosméticos ou medicamentos.

LEGISLAÇÃO BRASILEIRA QUE REGULA O TEMA

A lei que regula o tema é a Lei 11.794/2008, a qual estabelece procedimentos para o uso científico de animais, regulamenta o inciso VII do §1º do artigo 225 da CF, o qual estabelece a vedação de práticas nocivas à fauna, inclusive a submissão de animais à crueldade.

Na Lei 9.605/1998, a chamada Lei de Crimes Ambientais, existe um artigo que se refere ao abuso e maus tratos de animais para uso científico como um dos crimes contra a fauna. No artigo 32 dessa lei está determinada a criminalização da conduta, pelo qual

Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.

§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.

Na lei 11.794/2008 está descrito, no texto do §2º do artigo 1º, em que consistem as pesquisas científicas. Em seus termos, são consideradas como atividades de pesquisa científica todas aquelas relacionadas com ciência básica, ciência aplicada, desenvolvimento tecnológico, produção e controle da qualidade de drogas, medicamentos, alimentos, imunobiológicos, instrumentos, ou quaisquer outros testados em animais, conforme definido em regulamento próprio.

De acordo com o artigo 2º dessa lei, o conteúdo disposto nela aplica-se aos animais das espécies classificadas como filo Chordata, subfilo Vertebrata, observada a legislação ambiental. De maneira geral, é uma classificação que se refere aos animais vertebrados, compreendendo os anfíbios, aves, répteis, peixes e mamíferos (art. 3º).

Por meio dessa lei foi criado um Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (CONCEA), o qual é presidido pelo Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia e formado por representantes de outros órgãos, inclusive de sociedades protetoras dos animais. Esse Conselho é responsável pela supervisão das pesquisas com animais pelas instituições, pelo zelo ao cumprimento da legislação, entre outras atribuições, inclusive o credenciamento das instituições para que elas possam realizar esse tipo de experimento (art. 5º).

Portanto, para que se possa fazer pesquisas e testes com animais, é necessário o credenciamento perante o CONSEA. Esse credenciamento é feito por meio da constituição de Conselhos de Ética. O artigo 12 da lei em questão reforça a necessidade de credenciamento para a realização de experimentos com animais.

O artigo 14 da Lei 11.794/2008, por sua vez, trata dos experimentos que possam causar dor ou sofrimento ao animal. Não há uma proibição desse tipo de procedimento, mas eles deverão ser autorizados por uma Comissão de Ética do CONCEA.

No artigo 15 dessa lei está estabelecido que o CONCEA, levando em conta a relação entre o nível de sofrimento para o animal e os resultados práticos esperados, poderá proibir ou restringir experimentos que importem em elevado grau de agressão.

O desrespeito a essa lei poderá resultar em penalidades administrativas, sendo elas: advertência, multa (de R$ 5.000,00 a R$ 20.000,00), interdição temporária da instituição, suspensão de financiamentos provenientes de fontes oficiais de crédito e fomento científico ou interdição definitiva da instituição (art. 17, Lei 11.794/2008).

Na Lei 11.794/2008 não há previsão de penalidades criminais, estando estas previstas apenas na Lei 9.605/1998, a chamada Lei de Crimes Ambientais.

EXPERIMENTAÇÃO COM SERES HUMANOS

RESOLUÇÃO 466/2012 DO CNS

No Brasil, esse tema é regulado pela Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), na qual estão estabelecidas diretrizes e normas que regulamentam as pesquisas que envolvem seres humanos.

No início dessa Resolução está estabelecido que estão incorporados a ela os seguintes princípios/preceitos da bioética: autonomia, não maleficência, beneficência, justiça, equidade, dentre outros. Esses são os princípios tratados na aula sobre teoria bioética principialista, a qual é, no Brasil, a teoria mais difundida da bioética.

Para que possam ser realizadas pesquisas com seres humanos, é necessário o consentimento livre e esclarecido do participante ou de seu representante legal. Sendo assim, não deverão estar presentes vícios da vontade e os detalhes da pesquisa deverão ser discriminados ao eventual participante.

Se o participante for criança, adolescente ou pessoa incapaz, além do consentimento de seu representante legal, é necessário seu próprio assentimento e anuência.

Ressalvadas algumas exceções, a pesquisa deverá ser feita de maneira gratuita, podendo ser realizado apenas o ressarcimento do participante por eventuais gastos que tenha para participação na pesquisa.

Deverá ser elaborado um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, sendo este um documento no qual consta, de maneira expressa, o consentimento livre e esclarecido do participante ou de seu representante legal, o qual deverá ser um documento escrito com todas as informações necessárias, em linguagem clara e objetiva, de fácil entendimento.

Caso o participante seja criança, adolescente ou incapaz, será necessário, além do Termo de Consentimento de seu representante legal, um Termo de Assentimento do próprio representado, o qual deverá ser elaborado em linguagem acessível para menores ou legalmente incapazes, estando explícita sua própria anuência em participar da pesquisa, sem prejuízo do consentimento de seus responsáveis legais.

Quanto a esse Termo de Assentimento, não existe a exigência de que ele seja efetuado de forma escrita, podendo ser, portanto, gravado em vídeo, por exemplo.

ETICIDADE DA PESQUISA

Na Resolução 466/2012 do CNS também estão instituídos alguns regramentos para assegurar a eticidade das pesquisas com seres humanos. Entre esses pontos estão: o respeito à dignidade do participante, o comprometimento a fornecer o máximo de benefícios e o mínimo de danos e riscos pela realização da pesquisa, a garantia de que danos previsíveis serão evitados e a relevância social da pesquisa – não se pode perder o sentido da relevância sócio humanitária da pesquisa.

EXIGÊNCIAS A SEREM OBSERVADAS NAS PESQUISAS

Estão estipuladas na Resolução 466/2012 do CNS, ainda, algumas exigências a serem observadas pelas pesquisas envolvendo seres humanos. Dentre elas, está o requisito de que a pesquisa esteja fundamentada em fatos científicos.

Além disso, a pesquisa só poderá ser realizada se o conhecimento que se pretende obter não possa ser obtido por outro meio. Os benefícios deverão prevalecer sobre os riscos ou desconfortos previsíveis.

A pesquisa com seres humanos deve ser desenvolvida preferencialmente em indivíduos com autonomia plena, a não ser que a investigação possa trazer benefícios aos indivíduos ou grupos vulneráveis.

Por fim, os valores culturais, sociais, morais, religiosos e éticos, assim como os hábitos e costumes quando a pesquisa envolver comunidades, devem ser sempre respeitados.

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

No termo de consentimento livre e esclarecido deverá constar a garantia de plena liberdade ao participante da pesquisa, ou seja, o participante pode se recusar a participar da pesquisa ou retirar o seu consentimento em participar dela a qualquer momento, sem que lhe seja imposta qualquer penalidade por essa desistência.

Além disso, não se pode exigir que o participante da pesquisa renuncie ao direito à indenização por danos que decorram da pesquisa. Todos os participantes de pesquisas que sofram algum tipo de dano resultante dessa participação, ainda que esse dano esteja previsto no termo de consentimento livre e esclarecido, tem direito a ser indenizado por tal dano.

A responsabilidade por eventuais danos é atribuída ao pesquisador, patrocinador e pelas instituições envolvidas nas diferentes fases da pesquisa, não sendo possível afastar essa responsabilidade ou que o participante decline previamente desse direito.

Caso a pesquisa seja realizada com uma pessoa falecida, que já teve diagnóstico de morte encefálica, é necessário que haja documento comprovador dessa condição, além de consentimento explícito dos familiares, representantes legais ou por uma diretiva antecipada da vontade (prevista na Resolução 1995/2012, CFM) para que possa ser realizada a pesquisa.

SISTEMA CEP/CONEP

A proteção dos interesses dos participantes de experimentos com seres humanos é feita pelo sistema CEP/CONEP, o qual é integrado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP/CNS/MS) do CNS e pelos comitês de Ética em Pesquisa (CEP), dois órgãos que cooperam de forma coordenada e descentralizada por meio de um processo de acreditação.

Todas as pesquisas envolvendo seres humanos devem ser submetidas à apreciação desse sistema CEP/CONEP, o qual, ao analisar e decidir, vai se tornar um corresponsável por garantir a proteção dos participantes da pesquisa.

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