Para iniciar os estudos em Direito Penal para a OAB, é necessário ter em mente o funcionamento dessa área jurídica e do seu principal diploma legal, qual seja o Código Penal. Temos basicamente dois grandes blocos de estudos: a parte geral e a parte especial.
A primeira parte traz a regulação das bases do Direito Penal, tratando dos princípios, das teorias do delito e da pena, dos critérios de aplicação da lei no tempo e no espaço, além das características do cálculo da pena conforme o número de agentes e o tipo de conduta.
Logo em seguida, a parte especial elenca as condutas de forma específica, caracterizando-as com crimes e dispondo sobre as respectivas penas a serem aplicadas. É este trecho do código que é mais exigido nas provas de 1ª fase do exame de ordem, mas a sua compreensão depende do domínio da parte geral.
Portanto, é de suma importância estudar os aspectos fundamentais da legislação penal, iniciando por seus princípios basilares:
Também chamado de princípio da reserva legal, o princípio da legalidade trata da limitação estatal ao interferir na liberdade dos cidadãos. Fundamentado no art. 5º, inciso II da Constituição Federal de 1988, esse princípio impede abusos do Estado ao definir que não existe crime sem lei antecedente que o defina, como também não existe pena sem definição pré-existente (art. 5º, inciso XXXIX, CF/88).
É importante para a subordinação de todos à lei, limitando o poder do próprio governante. O princípio da legalidade é estruturado em quatro afirmações:
Também conhecido como princípio da ofensividade, determina que não existe crime sem lesão ou risco concreto de lesão a um bem juridicamente tutelado. Portanto, uma conduta só pode ser considerada crime quando viola ou apresenta um risco para um bem jurídico tutelado pelo Direito Penal.
Pode-se utilizar como exemplo a agressão física que gera uma lesão grave ou a direção de um automóvel em estado de embriaguez — ambas condutas atingem o bem jurídico "vida".
O Código Penal é estruturado de acordo com essa ideia de bem jurídico tutelado, então os seus títulos e capítulos giram em torno de qual direito é afetado pelas condutas delitivas. Dentro dos crimes contra a pessoa localizam-se os crimes contra a vida; dentro dos crimes contra o patrimônio encontram-se o furto e o roubo — e esse padrão se mantém até o fim.
O princípio da ofensividade possui quatro funções principais:
Intimamente relacionado à quarta função do Princípio da Lesividade, esse princípio estabelece que não cabe ao Direito Penal a criminalização do exercício de imoralidades, ideologias ou religiões.
Segundo o princípio, a função penal é a tutela de bens jurídicos, materiais ou imateriais, importantes e de grande relevância para a vida e existência em sociedade.
Dessa forma, a prática da religião "X", que é ofensiva à moral religiosa "Y", não pode ser coibida pelo Direito Penal, tendo em vista que a interferência estatal privilegiaria uma coletividade em detrimento de outra, ao invés de atuar em prol da sociedade como um todo.
A interferência da esfera penal somente deve ser executada em casos de extrema necessidade, em que apenas o Direito Penal tem a capacidade de evitar atos ilícitos, executar punição adequada e proteger o bem jurídico, restaurando as relações sociais pacíficas — inclusive com a ressocialização do criminoso.
A intervenção penal é submetida ao caráter subsidiário, no qual os demais instrumentos que poderiam solucionar o conflito falham (ex.: Direito Administrativo e Civil), e ao caráter fragmentário, em que há perigo iminente ou dano ao bem jurídico tutelado.
Conforme esse princípio ganhou força, surgiram instrumentos despenalizadores para a resolução de alguns conflitos ou situações em que um bem jurídico é atingido, mas de maneira menos lesiva. Os juizados especiais criminais, por exemplo, apresentam procedimentos e institutos que podem evitar a judicialização comum de um ato delituoso de menor importância.
O princípio da alteridade também pode ser chamado de princípio da transcendência. Trata-se da impossibilidade de uma pessoa ser o autor e a vítima de um mesmo crime; por isso nenhuma pessoa pode ser responsabilizada penalmente por um ato que transgrida ela mesma.
É o princípio que cria restrição ao poder de punir. O agente será responsabilizado criminalmente quando cometer infração. Cabe ao Direito Penal punir o autor imputável, que tenha a capacidade e a consciência de reconhecer a ilicitude de seu comportamento. A responsabilidade penal objetiva não é aceita; somente é punido o agente que praticou o fato com dolo ou culpa.
Para que o agente seja condenado é necessária a existência de dolo ou culpa (voluntariedade), além da prática material do fato, evitando a responsabilidade penal objetiva.
O princípio da responsabilidade pessoal ou individual estabelece a inexistência da responsabilização penal coletiva. Portanto, a denúncia genérica torna-se nula por não descrever o agente e o seu comportamento de forma precisa. Além disso, esse princípio apoia a ideia de individualização da pena, onde a punição não pode ser aplicada a terceiros (por exemplo, familiares).
O princípio da materialização, também conhecido como princípio da exteriorização do fato, é decorrente do princípio da ofensividade/lesividade. O indivíduo só pode ser punido a partir de suas próprias condutas, não sendo responsabilizado por pensamentos ou desejos; é necessária a concretização do pensamento do autor para haver responsabilidade penal.
O Estado Democrático de Direito não admite a construção de estereótipos capazes de incriminar o cidadão. Entretanto, o ordenamento penal brasileiro admite a consideração das circunstâncias relacionadas ao autor.
O princípio da adequação social estabelece que um fato considerado socialmente comum não pode ser considerado crime, ou seja, o fato que estiver de acordo com a organização social não é crime. No Brasil, esse princípio não abrange os crimes de casa de prostituição (art. 229 do Código Penal) e venda de DVDs piratas (art. 184, § 2º do Código Penal).
Trata-se da progressão do princípio da individualização da pena, ajustando a pena ao agente e impedindo que o Estado seja abusivo ao prescrever a punição. Dele especificam-se três subprincípios:
a) Adequação: para que a pena atinja seus objetivos, é necessária a adequação da pena para alcançar a suficiência dos objetivos pretéritos.
b) Necessidade: a pena só é executada em casos em que se tem exigência concreta.
c) Proporcionalidade em sentido estrito: os meios utilizados para o cumprimento da pena e a realização dos objetivos não devem desconsiderar as condições individuais do autor, não sendo abusivos.
Este princípio trata das situações em que, para ser executado, um crime passa por atividades que configurariam outros tipos penais. Vamos analisar as três principais situações:
O Princípio da Consunção (ou absorção) estabelece que o processamento do agente nos crimes complexos, nos crimes progressivos e na progressão criminosa deve se ligar somente ao tipo penal mais grave, evitando a punição dupla (bis in idem).
O princípio da insignificância admite que algumas ofensas cometidas não são suficientemente capazes de atingir o bem jurídico protegido pelo Direito Penal. Nesses casos a ofensa é tipicamente formal, mas não possui a gravidade necessária, sendo tratada como crime de bagatela, o qual não legitima a intervenção penal. A conduta do agente só pode ser considerada insignificante se apresentar os seguintes requisitos objetivos:
O princípio da insignificância leva em consideração requisitos subjetivos, em que os antecedentes do autor são analisados. Se o agente apresentar antecedentes ruins, a interpretação que prevalece nos tribunais é que o princípio não poderá ser aplicado.
Há distinção entre bagatela própria e bagatela imprópria. Na bagatela própria não existe aplicação do Direito Penal, pois a conduta do autor, apesar de formalmente típica, não é materialmente típica — não ocorrendo risco ou lesão ao bem jurídico. Na bagatela imprópria, embora a conduta seja formal e materialmente típica, não há necessidade de intervenção penal diante das circunstâncias do caso, considerando o histórico do autor e a incapacidade da conduta em ser prejudicial.
Dessa forma, a pena deixa de ser aplicada por não ser necessária ao caso concreto, fundamentada no art. 59 do Código Penal. O exemplo mais comum de aplicação do princípio da insignificância é na ocorrência de furto famélico.
Os princípios apresentam maior abstração se comparados à lei, pois esta é utilizada para regulamentar fatos, enquanto os princípios são aplicados a um grupo de hipóteses sem definição.
Outra diferença refere-se à solução de conflitos: havendo confrontos entre leis, apenas uma prevalecerá no caso. Quando há embate entre princípios, analisa-se a proporcionalidade, aplicando-se o conjunto de princípios compatíveis com o caso sem que exista a revogação de princípios.